“Um dia , o diabo falou-me assim : “Deus também tem o seu inferno , é o seu amor pelos homens.”
E, mais recentemente , ouviu-o dizer estas palavras : ” Deus Morreu ; foi da sua ,compaixão para com os homens , que Deus morreu”.
“Como filósofo , eu deveria ter agarrado num martelo e imposto novos valores ao mundo . Agora só há novos cadáveres e novos túmulos”
“Assim falava Zaratustra” – F. Nietzsche.
A 10 de Dezembro de 1948 , em Paris , foi assinada a melhor das cartas internacionais – A declaração Universal dos Direitos do Homem.
Cito-vos apenas o 1º artº desta importante Declaração : “Todos os seres humanos nascem livres e iguais , em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência , devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. A realidade é mesmo esta?
O facto de fazer crónicas semanais numa Rádio de Braga há já 13 anos , de ser membro da Amnistia Internacional , de fazer formação e colóquios em Direitos Humanos , de ter um papel interventivo nos Direitos das mulheres , das crianças , contra a pena de morte ( onde trabalho especificamente ) e a favor das minorias sexuais e liberdade das orientações e identidades sexuais , levou-me a reflectir sobre a ética dos psicoterapeutas , das relações com os pacientes , da neutralidade , da moralidade e da liberdade e respeito total pelo ser , ou desenvolvimento do ser , dos nossos pacientes.
Desenvolvimento do ser , é algo que associo a D. Winnicott , quando teoriza acerca da relação materna , como o espaço relacional que potencia e permite desenvolver competências psico-genéticas , a partir do “Afecto suficientemente bom” , sem bloquear o “verdadeiro self” , ou a verdade do ser em estruturação , numa perspectiva analítica e humanista / existencialista.
F. Nietzsche não podia sintetizar e metaforizar de forma exemplar , o melhor que poderá ter e deverá ser um processo ou viagem relacional psicoterapêutica.: “Torna-te no que és.” Às vezes com “curvas” perigosas , com lombas , que nos fazem travar , por vezes com travagens brutais , no ritmo e em sintonia com o paciente , às vezes com acelerações sem controle que confirmam a nossa ansiedade , a nossa megalomania técnica , o nosso exibicionismo técnico-interpretativo e quantas vezes a nossa prepotência , arrogância relacional , com poder , sem fragilidades , com seguranças e sem medos psicoterapêuticos.
Alguns teóricos e clínicos do paradigma psicanalítico , actualmente escrevem e reflectem sobre os objectivos duma psicanálise ortodoxa, ou duma psicanálise em geral . Será uma psicoterapia ? Será um processo de auto-conhecimento ? Será uma estética da interioridade e da história repetida relacional humana ?
E os psicoterapeutas , quem são ? Serão eles idealizados ou representados próximos da realidade humana relacional : Que grau de saúde mental existe nesta classe ? Apetece-me sublinhar aqui , a excelente visão do Psicoterapeuta Alemão Arno Gruen, a partir da sua célebre obra : ” A Loucura da Normalidade ” . Para ele , o problema não está nos identificados perturbados ou diagnosticados com psicopatologia evidente , o problema é de facto , com os normopatas , hiper-conformistas e hiper-adaptados , porque escondem uma perversidade e patologia , que aparece nas instituições , nas relações e no que produzem , que só Marie France Hirigoyen soube tão bem analisar.
E se Eugen Drewermann , teólogo e psicoterapeuta psicanalítico , tem razão , quando afirma na continuidade de Nietzsche , que a psicoterapia deverá ser uma “gaia ciência” , um “livro para os espíritos livres”, uma escola de ausência de moral e de treino , para a satisfação das pulsões , sem quaisquer escrúpulos”. Seria assim um tratamento “para além do bem e do mal”, ou até amoral em si mesmo, contrário à norma , sobreindividualizado , anti-social e socialmente destrutivo? Para Freud , a psicoterapia ” tem de se reclamar para si alguma amoralidade , na medida em que a civilização , ou conjunto de normas e de convicções de um povo , está em contradição com a felicidade e o mundo espiritual do indivíduo” . Por isso , há que ser “crítico” da civilização e da moral dominante , que impõe as normas vigentes. A psicanálise , poderá ser destrutiva e desagregadora em termos sociais. A psicoterapia deverá ter como objectivo o questionar da moralidade vigente , interna – estrutural – , ou externa , – história das mentalidades ( rigidez , esteriótipos , preconceitos e “lixo socio-cultural ” ou julgamentos apriorísticos ) . Por exemplo , o neurótico super-defensivo , apresenta culpabilidade falsa , infantil, e exagerada , porque a moralidade o protege e defende de forma egocêntrica.
A “Revue d’Analyse Psycho-Organique ” (ADIRE) , o nº de 1999 , dedica-o à temática da Ética . Um conjunto de artigos excelentes , que pretendem concluir , que a Ética , se situa entre o amor e a lei , não a lei Moral , mas a lei do fazer o bem e evitar fazer o mal , mas não de moralizar os comportamentos em bons e maus , isto é , de não avaliar o agir , em o que se pode e não pode fazer.
Nós psicoterapeutas que lidamos com o rosto , que estamos na relação com o rosto do outro e com o nosso próprio rosto , não posso esquecer o filósofo Emmanuel Levinas , que na sua obra “Ética e Infinito” , fala acerca do que ele chama a “fenomenologia do rosto” e afirma que o acesso ao rosto é num primeiro momento , ético . Mas o que é especificamente rosto , é o que não se reduz a ele. É a sua existência , que nos proíbe de matar , o que não significa que seja impossível matar. Mas é o rosto do outro que me fala e é a ele que eu lhe falo . Tal como Winnicott , nos ensinou na relação entre o rosto da mãe e do bébé , a partir do reflexo dos olhares , que todos nós sentiram a existência e estruturaram a delimitação de self . O rosto do outro , é a base da ética relacional . Pelo rosto , sentimos a dimensão do humano e da sua igualdade . Não uma igualdade imposta pelas cartas internacionais , pelos valores actualmente vigentes. NÃO… Falo da igualdade sentida , que para lá da tolerância , é acima de tudo de aceitação total . Infelizmente a dimensão trágica , pulsional , animal e da actual estrutura familiar , repressiva e castradora ( Pai , figura de Lei , de repressividade , numa perspectiva psicanalítica ortodoxa e para W. Reich ) , não permitem aceder ao que já denominei de “Meta-tolerânca” , que numa perspectiva analítica , seria a capacidade de aceitar , ou para os mais sensíveis , tolerar , tudo o que está fora de mim , por mais diferente que seja ou por mais anti-social que seja , perante a lei vigente , mas para isso temos que aceitar as diferenças existentes no nosso interior. E o que fazemos ? Clivamos realidades internas , sentido-as como “más” e por um processo de negação e projecção , atacamos as realidades externas diferentes , que as sentimos como ameaça ou ataque .Afirmamos então arrogantemente “Loucos , perversos e estranhos são os outros”. Daí que Freud faça todo o sentido , quanto mais analisamos e aprofundamos um indivíduo , mais nos aproximamos da base idêntica , original em todos os seres humanos – as dores interiores , as perdas , as tensões corporais , os medos da relação e as angústias mais primárias.
Aprendi muito , com o trabalho de jovens delinquentes , que solicitam acima de tudo , uma relação de confiança , de segurança , de amor e ética relacional. Sem julgamentos e sem necessidade obsessiva das instituições , de educação para a justiça ou para o direito.
Na continuidade de Santo Agostinho , “podemos amar os viciados , sem amar os seus vícios” , tal como , um português , Frei Bernardo afirmou , que podemos amar os desviados , sem amar os seus desvios , ainda que para mim a palavra desvio será mal utilizada e o seu significado incorrecto. Para Alex Lephévre comportamento desviante nada tem de patológico . O desvio , que implica marginalização , é acima de tudo originalidade . A psicopatologia teve sempre a tentativa de reduzir todo o fenómeno do desvio à patologia . Para Cândido da Agra , isso é mau , para lá de errado . É um reducionismo. Da Agra afirma mesmo numa entrevista que me concedeu ,: “há comportamentos desviantes saudáveis ” , sem necessidade do normal e do patológico. Afirmou , este meu ex-professor , acima de tudo , para lá de psicólogo , um grande epistemólogo : ” Se os psis querem perceber alguma coisa do Desvio das normas , têm rápidamente que abandonar o sítio onde se colocam . Qual é esse o sítio ? O sítio médico , o da psicopatologia. Abandonar esta aura que os seduzem tanto , por razões de poder e de prestígio , em que a arrogância está na razão directa da ignorância , para não dizer da estupidez. “. O desvio , tem outros sentidos , para lá do normal e do patológico. Normalidade não é oposto de patologia , existem normalidades patológicas , lembrem-se dos hiper-adaptados , hiper-conformistas , normopatas , concretos , sem realidade interior , sem fantasia , sem imaginação. Da Agra vai mais longe e refere que estamos habituados a julgar à priori as coisas , e isso é um grave erro. Considerar o desvio como patologia não tem fundamento ciêntífico nenhum . Seremos nós neutros , numa perspectiva Freudiana , na nossa prática , ou faremos julgamentos moralistas , dos nossos pacientes e quantas vezes entre colegas?
Como forma de provocação , saibam que num congresso de epistemólogos , os mesmos chegaram à conclusão da falta de cientificidade das práticas médicas. Se os psis , concretamente os psicoterapeutas querem com tanta arrogância que as suas práticas sejam ciêntíficas , então que abandonem as grelhas de leituras médicas , higienistas e moralistas , com juízos de valor , reduzindo os comportamentos desviantes à psicopatologia.
O Filósofo Paul Ricoeur não podia ter analisado melhor a relação entre a norma e a interdição , a introdução do negativo perante a normalização.”A interdição tem uma motivação que é a cisão existente no coração do homem entre o preferível e o desejável , entre aquilo que vale mais e aquilo que eu desejo… É a figura da norma , a separação do normal e do “patológico”. Considerando o não preferível como moralmente patológico , como desviante , como negativo , surge a interdição a indicar as coisas que não se devem fazer. Começa a aparecer o “é preciso” como algo de estranho a mim e ao outro. A severidade da moralidade e a tristeza do moralismo começam a impor-se , esquecendo a liberdade do homem”. ( Fernandes , A. : O: , 1996).
Thomas Szasz disse muito bem , ao afirmar que a ideologia que hoje ameaça as liberdades individuais não é só a religiosa , mas a médica.
Mas Nietzsche não poderia ter dito melhor : ” É perigosa a crença de que a verdade confere às afirmações uma chancela moral …O homem criou a boa educação , mas para que serve ela , se Deus não soube criar o bom homem …O Saber divide-se em aceitável e inaceitável . Será que existem direitos de prioridade no saber aceitável ? Será imoral uma falta de verdade? Serão imorais todos os factos que a ciência não explica?…O homem esgota-se ao reconhecer a verdade … Nada é verdadeiro , todas as coisas são legítimas”.
Numa perspectiva verdadeiramente humana , fazendo uma metafora com a imunologia corporal , Francisco Varela no capítulo do “Eu do corpo” , em conversas com Dalai Lama , nas “Emoções que curam” afirma que as doenças auto-imunes , são uma prova de que por vezes o corpo não reconhece as próprias células e a sua integridade individual , e começa a destruir-se . Numa versão externa , o que acontece por ignorância , não reconhecemos os outros como iguais a nós mesmos. A ética destrutiva da vida é o não reconhecimento de que a vida somos nós mesmos e o outro de igual forma , por mais diferente que seja.
E nós os psicoterapeutas psicorporais , temos o direito de moralizar caracteres ou funcionamentos psicológicos?. Com que direito , nos colocamos por vezes no espaço da normalidade para ler os outros? A nossa pseudonormalidade é a da nossa estrutura de personalidade ou carácter? A brilhante psicanalista Joyce McDougall na sua célebre obra “Em defesa duma certa anormalidade”, questiona e confronta-nos : Existem seres normais ? Existirá normalidade do ponto de vista analítico ? Existem analistas normais ? Existe sexualidade normal ? Existem “normas analíticas”? Conclui afirmando que existem normais que são patológicos , são os “analisandos-robots”. O quantificável , a norma estatística , pode ter um interesse cultural , mas não tem de certeza valor analítico. Esquecemo-nos de Wilhelm Reich com “As origens da Moral Sexual”, argumentando que as neuroses colectivas , que afectam as grandes massas , são consequência duma economia sexual , que está na base da organização das sociedades humanas .
Que leitura fazemos nós da Vida Sexual de Catherine Millet ? Famosa no mundo das artes plásticas e chefe de redacção da Revista “Art Press” , que expôs na sua obra , a sua vida sexual , que seremos tentados a identificá-la como perversa ou ninfomaníaca ? Seremos Neutros e Justos?Ou da obra de Jacques Henric , o seu marido que desde o início dos anos 70 , durante 30 anos fotografou o corpo nu de Millet , daquela que foi a actriz central da sua vida e dos seus romances. Um livro que pretende ser um belo livro de amor.
Que leitura fazemos nós , de Ana Sá Lopes , antropóloga portuguesa , que estudou em Londres , uma excelente aluna na Universidade , que foi modelo para a pintora portuguesa Paula Rêgo e que criou um Sindicato de”Sex Workers”? . Defende estes profissionais , nos seus direitos e ficamos a saber que muitos profissionais de várias áreas da sociedade , passam a deixar a profissão para serem Sex Workers. Que análise analítico-moralista serão tentados a fazer muitos psis em geral ? Daí que a filósofa Laura Kipnis na sua obra “Contra o Amor” , de forma provocatória nas conferências em Nova Iorque e Paris começa por pedir a todos os adulteros , heteros ou gays , presentes na sala , que se levantem. Kipnis afirma que a conjugalidade moderna é uma espécie de “goulag” doméstico. Questiona se a religião , a arte , a sociedade e quanto a mim , muitos psis , sacralizam o casal , para melhor reprimir o desejo? Kipnis sempre provocatória afirma que o adultero representa o último rebelde , neste mundo que nos asfixia de interdições e limitações.
Que leitura fazemos nós da prostituição ? Cito-vos um excelente artigo , duma psicóloga Joana Amaral Dias , numa revista “Corpo-Intimidade e Poder”que denominou a partir do filme “Belle de Jour” , citando-a :
“Muita da retórica que está por detrás do tráfico actual das mulheres , tem uma base nas campanhas anti-escravatura branca , racista e xenófoba .Nenhum homem queria ter relações sexuais com mulheres de cor (Outra Raça?) e o “escravizadores” seriam normalmente esteriotipados , como imigrantes.
A colega Joana Amaral Dias vai mais longe , mas perto de Ana Sá Lopes : “A maioria dos trabalhadores – mulheres , homens e transsexuais – têm menor capacidade de defender os seus direitos , já que é a própria organização social que lhes limita a capacidade de resistir à exploração… As prostitutas sentem-se condenadas e rejeitadas , insistindo que não querem ser tratadas como simbolo da “opressão capitalista e patriarcal”, mas antes reconhecidas pelo seu trabalho… A Literatura ocupa-se da prostituição feminina e pouco da masculina ou dos transsexuais , e é ainda muito mais sobre sexo , vitimização e risco do que sobre trabalho. Revela estigmatização , esteriótipos , interpretando comportamentos em termos de características “desviantes”…”
Que leitura fazemos nós do aborto ? Sempre com questões fundamentalistas biológicas , com questões eticas e morais , ou socio-jurídicas e políticas , acabando por não reconhecer os códigos pessoais , violências internas , angústias e depressões , despsicologizando a mulher que aborta , porque como o psicanalista Jaime Milheiro afirma “Não existem máquinas de fazer filhos quimicamente puras , nem mães de proveta sem afecto”. Seria bom que a favor da ética humana e da realidade interna das mulheres e dos homens , que decidem abortar , se ponha fim a fundamentalismos religiosos e jurídicos , autênticos moralistas envelhecidos , que não contribuem para o bem estar e a saúde das pessoas e das populações .
Que leitura fazemos nós , da possibilidade de casais do mesmo sexo , poderem casar , constituir família , a partir da adopção de crianças ? Questionarmos a noção de pai e mãe , que duma forma obrigatória , terá que existir de forma triangular , segundo a Santa Estrutura Familiar Conservadora . Que não podem existir outras formas de família , alargando e questionando a noção de Estrutura Edipiana , com alteração da diferenciação ou igualdade de géneros . Como se a sociedade tivesse que ser imutável e prolongar ou repetir ao longo da história o que tem tanto de caduco , como de rígido , na concepção do amor humano. O Amor é de todos e para todos . Todos merecem amar para lá de géneros iguais ou diferentes , bem como merecem estruturar família.
A dita família conservadora heterocrática , tem tanto de idealizado , que consegue provar a existência de segurança , de confiança , de amor , de espaço de “colo” afectivo , como de espaço de invejas , ciúmes , rivalidades , violência , abusos e potenciador de estruturas psicopatológicas e perversidades , que bloqueiam o salutar desenvolvimento humano. Quem pode ditar as normas e a ética duma família humana? Se os direitos Humanos existem para todos , porque será que a sociedade não terá que procurar alterações , salvaguardando o respeito e o Amor Universal?
Flora Leroy-Forgeot publica uma obra , fazendo uma análise geral sobre as realidades de homoparentalidade . Da internormatividade , desde a normatividade teológica , da criança , dos seus direitos e limites , da moral , da ética , da normatividade psicanalítica , e dentro desta , a Lacaniana , a normatividade biológica , médica e mítico-simbólica , passando sempre pelos estudos e investigações a nível psicológico , afectivo e de identidade sexual , das crianças , desenvolvidas nestas condições , provam que as mesmas são mais tolerantes e de abertura socio-cultural , relativamente às crianças que se desenvolveram nas famílias tradicionais.
Martine Gross e Mathieu Peyceré publicaram a sintese das analises jurídicas , éticas e psicológicas , da “Fundação duma Família Homoparental”.
Gilles Deleuze e Félix Guattari , na célebre obra “O anti-édipo – Capitalismo e Esquizofrenia” criticam duramente a idealização do édipo , na psicanálise como sendo o objectivo do desenvolvimento da maturalidade , do carácter genital. Para eles , o édipo , transforma-se numa espécie de simbolo católico universal . Existe no desenvolvimento humano para a psicanálise uma edipianização furiosa , depois de Freud a descobrir na sua auto-análise. Tenho pena que ao longo da história da psicoterapia , os psis não tenho explorado e questionando a célebre expressão Freudiana ” Romance Familiar”. O Édipo seria uma verdadeiro imperialismo ao serviço do capitalismo , que G. Bush , muito apreciará , apesar da sua pobreza cognitivo-intelectual e cultural. Arno Gruen não tem dúvidas , quando afirma na sua obra ” A traição do Eu ” , que a aplicação da psicanálise reflecte nas mãos de muitos que a exercem , a ideologia da dominação. Vai mais longe quando afirma : ” A interpretação que Freud dá ao mito de édipo , a meu ver , oculta a possessividade como um expediente para dar volta ao jogo destrutivo que é o domínio do homem sobre a mulher e que não nasce do amor , mas das suas distorções”.
Mas para a célebre Joyce McDougall a norma da psicanálise em função da estrutura normalisante , da estrutura edipiana , é algo de preexistente ( culturalizado ) à criança e que regula as relações intrasubjectivas e interhumanas.
Talvez por isso , quando dois psicanalistas argentinos , se deslocaram a Paris , para um Congresso internacional , sobre as alterações da família no futuro , McDougall , mostrou-se aberta e entusiasmada com as transformações da família , com a possibilidade do amor , ser para lá da diferenciação de sexos e da possibilidade de adopção por casais do mesmo sexo. Duma forma irreverente , esta psicoterapeuta na altura com mais de 80 anos , referiu , que estes casais do mesmo sexo , não tem que defender o slogan “Nem putas , nem submissas”.
“Nem Putas , nem submissas” , foi um movimento criado por Fadela Amara , Islâmica , laica , que apoiou a laicidade Francesa e que denunciou a forma como a mulher é tratada pelos fundamentalismos religiosos , depois de nos suburbios de Paris um Islâmico ter queimado a sua namorada . Este movimento surgiu em Paris , espalhou-se a outras cidades Francesas , hoje existe em vários países da Europa , nomeadamente em Espanha e Portugal e nos EUA e no Canadá , bem como em países do MAGREBE. A revolta deste movimento , com slogan provocatório “Nem putas , nem submissas” , levou à criação duma equipa do governo , chefiado por Jean-Pierre Raffarin para responder às reivindicações apresentadas. Fadela Amara assume-se islâmica , mas com uma abertura face à noção de homem , mulher , das sexualidades e da laicidade , maior que a de muitos católicos , praticantes ou não.
Joyce McDougall na sua obra “Em defesa duma certa anormalidade” , criou o termo de “neosexualidades” e de “sexualidades aditivas” , que não eram perversas , mas que permitiam a indivíduos à beira da “loucura” , encontrarem o caminho da cura , da criatividade e da auto-realização.
Nesta continuidade pretendo citar a grande actriz francesa Isabelle Huppert , que após o seu célebre filme : A Pianista” , deu uma entrevista a uma revista psicanalítica Lacaniana e afirma : “O filme fala do controle , da perda de controle , de sexualidade e de violência , que nos remete sempre para a nossa origem : angústia de abandono , medo de amar e de ser amado . Não há em Erika , um caso de perversão ou de sadomasoquismo. Nada é patológico”. Uma pedrada brutal a todos os psis , que não perderam tempo , a fazer tais interpretações. Isabelle Huppert saberá o que diz , quando afirma na mesma entrevista que ” Uma actriz , no cinema dá o seu corpo “Em desordem” a um realizador que nos trabalha , que nos modela como a matéria. É este aspecto de “tranfusão” de imaginários , que nos abre limites inteiros , sobre o nosso próprio mundo , exactamente como numa análise. Tenho empatia , uma fusão total com as mulheres que eu represento”.
Portanto , se queremos ter um espírito ciêntífico , temos que ter abertura ao relativismo ao contrário , do actual Papa Bento XVI , que se choca com os relativismos actuais. Para isso , será importante sabermos as contestações e a bibliografia recente publicada , violenta em relação à psicanálise e as respectivas reacções.
A psicanalista Elisabeth Roudinesco publicou um livro , “Por que a Psicanálise? “para responder às falsas interpretações e distorções dos professores de Física : Alan Sokal e Jean Bricmont , acerca dos psicanalistas e concretamente de Lacan , a partir da obra violenta “Imposturas Intelectuais” , bem como , do neuropsiquiatra Pierre Debray-Ritzen , com a sua obra , cheia de falsas interpretações : ” A Psicanálise – essa Impostura”.
Mais recentemente , foi a vez de quatro cognitivo-comportamentais Franceses , escreverem “O Livro Negro da Psicanálise” , depois de sairem vários Livros Negros ( Do capitalismo , do Comunismo , Do Chile , De Cuba ) . Os autores começam por agredir a França e a Argentina , por serem os países mais Freudianos do mundo .
Elisabeth Roudinesco respondeu de seguida , com a obra : ” Porquê tanto ódio?” .
Quanto a mim a Psicanálise e os modelos psicorporais , podem ter um grande valor , podem ser modelos acima de tudo éticos , porque respeitam a liberdade do ser , deverão respeitar a diferenciação dos seres e enfatizam a relação como repetição ou prolongamento dos fenómenos precoces do desenvolvimento , que permitem ao ser humano , neste quadro ou setting terapêutico , num clima de segurança , confiança , se quiserem “suficientemente bom” , promover o lado humano , que diferencia , mas nos aproxima da realidade que é igual para todos. A perspectiva cognitivo-comportamental está mais preocupada com o auto-controle e a adaptabilidade social , e quantas vezes com o reforço positivo , num terreno movediço , da auto-estima e auto-imagem , favorecendo núcleos narcísicos , sem qualquer tipo de integração no todo da personalidade . Estes modelos negam e defendem-se das partes “loucas” da personalidade , mais primárias ,mais arcaicas , no interior de todo o ser humano. A intervenção é pragmática , preocupada com a objectividade , aparentemente ciêntifica no ser humano , sem enfatizar relação humana , como potenciadora duma nova visão e relação com o mundo interno e externo.
O que defendo é que esta relação , deverá promover liberdade e respeito , numa base de ética relacional , sem moralismos ou obsessão com a adaptabilidade social , se esta não promove felicidade , mas constrangimentos ou bloqueios e encouraçamentos , que nos desviam dos desejos e dos prazeres mais individuais .
Defendo que a clínica analítica psicorporal deve respeitar a diferença , a partir da delimitação eu-não eu , eu-outro , paciente – psicoterapeuta , que promova a ligação corpo-mente , das sensações às representações , podendo este identificar e associar com menos dor e mais tolerância interna , ou mais colorido emcional , as partes sãs e as partes loucas , as dores e as tensões , sem se encapsular , delirar , psicossomatizar ou rigidificar de forma neurótica , a sua história e o seu funcionamento psico-corporal.( Gomes , J.L. , 2003 ).
Para isso defendo na continuidade de Alain Delourme que a implicação afectiva ou aliança de trabalho , são as bases do reconhecimento do transfert e da gestão dos limites entre a aproximação e a distância , ou melhor dito , de distância intima . Esta será um cruzamento da filosofia ética , da psicanálise freudiana e das terapias psico-corporais.
O Colombiano Luís Carlos Restrepo , Alto Comissário para a Paz na Colômbia , a partir da excelente obra “Ética do Amor ” , defende que a ternura nada tem a ver com a ética normativa , e que a educação deve ter a ver com estética social, isto é , cultivar a singularidade e não uma fábrica de homogéneos , de normativos. Abandonar o analfabetismo emocional , ensinar para a liberdade , que faz de nós humanos , a partir do afecto , considerando o outro , como lugar sagrado , quanto a mim , para lá de qualquer divindade existente. Temos que perder o medo da desordem e acreditar que esta é origem da criação.
Temos que repensar se o amor é dependência , como prolongamento ou repetição , do modelo simbiótico-fusional mãe-bébé , e um fundamentalismo psicanalítico , como Carlos Amaral Dias , refere num diálogo com Nuno Nabais , metaforizando com a relação senhor e escravo , como modelo maximo da dependência. O Filósofo Nuno Nabais , não vai por aí , considera o sofrimento do amor , como uma forma de perversão , tal como Freud e Lacan , consideram quase todas as formas de sexualidade , inclusivamente as Heterossexuais. “A anulação de si , diante da pessoa amada , é uma forma desviante ou mais subtil de busca de prazer …o sofrimento do amor , como experiência do nada , do desaparecimento de si? Será o que Freud chama de pulsão de morte? …O Amor é a descoberta mais terrível de que estamos condenados à solidão de sermos uma singularidade” Existirá Amor ou Amores ? O Amor será singular ou conceito plural , de acordo com a idade que se ama ou conforme a relação? Existe ou não existe o amor ? Será uma forma da relação do inconsciente , da fantasia da união entre dois seres , como Lacan soube bem comparar tranferência analítica e amorosa , sendo a primeira universal e a segunda específica. O lugar onde me coloco , quase diáriamente , quando realizo avaliações e diagnósticos de Regulações do Poder Paternal é o Lugar previligiado de perversidade e de patologia brutal , numa separação , do tal dito “amor” ou melhor “relação amorosa” e que nos prova a brilhante intuição de Mélanie Klein contra Jean Jacques Rousseau . Isto é : “O homem é mau por natureza , anda a provar a vida inteira , que é bom”, e não , ” O homem é bom por natureza , a sociedade é que o estraga”.
Estas formas de ler o humano , levam-me à visão idealizada e ao mesmo tempo castradora de se humanizar o homem e socializá-lo , a partir da repressividade da instituição super-egóica religiosa Judaico-cristã. Apesar de Freud ter interpretado a religião como uma neurosa colectiva e uma ilusão , a verdade é que teólogos e padres se interessaram pela psicanálise , pelo que ela pode ter de adaptativo e não de liberdade na singularidade do ser. São os opostos entre a psicologia do ego americana e a objectologia , ou psicologia das relações objectais , mais europeísta. Alguns psicoterapeutas e teólogos chegaram mesmo a argumentar que “a psicanálise não apresenta perigo se for administrada por um analista , com uma filosofia cristã. Mas poderá ser perniciosa , se o analista tiver uma filosofia materialista e ateia , da qual Freud foi um ardente defensor”. O Papa Pio XII , salientou para não confundir divã e confissão , referindo que nenhum tratamento psicológico , pode vencer ou ultrapassar a culpabilidade , dum indivíduo que cometeu um pecado. Uma obra publicada em França por Marc Oraison (1914-1979) , em 1952 , com uma tese de teologia dedicada à vida cristã e aos problemas da sexualidade, isto é , através dum exame pericial psicológico na Igreja , verificar quem escolheu a religião não por vocação , mas para obedecer a uma escolha pulsional. Defendia uma laicização da vida religiosa. O Papa Pio XII ordenou que o livro do padre Francês fosse incluído no Index. Mas numerosos padres franceses começaram a ser analisados , bem como na Bélgica e na América Latina, influenciados pela Teologia da Libertação . Em vinte anos de 1955 a 1975, alguns padres renunciaram à profissão , tornaram-se psicoterapeutas , outros ainda viveram com mulheres ou praticaram clandestinamente uma homossexualidade até então recalcada. Num mosteiro no México , 60 monges foram seguidos em terapia de grupo , com a orientação de dois psicanalistas , da IPA. Após dois anos , o director do mosteiro – Lemercier e 40 monges abandonaram a profissão de sacerdotes , para se casarem ou manterem relações sexuais.
Woody Allen tinha toda a razão quando afirmou , que a masturbação era a única forma de se fazer amor , com quem se ama verdadeiramente. Alain Vanier não podia ter dito melhor , quando num seminário que decorreu em Paris sobre “Os sexos Indiferentes” , denominou a sua excelente comunicação : ” A indiferença dos sexos , é o amor”.
Portanto , teremos que ter atenção à leitura que fazemos da realidade do outro e à indicação das mais importantes para Freud e para as terapias analíticas . Teremos que pensar acerca do desenvolvimento moral dos psicoterapeutas . Aqui lembro-me de L. Kohlberg , esse grande psicólogo do desenvolvimento moral . L. Kohlberg , que alguém o propos para prémio Nobel da Psicologia , se o mesmo existisse.
Para ele , o desenvolvimento moral dividia-se , ou estruturava-se em estádios cognitivo-afectivos , que estariam agrupados em 3 níveis : pré-convencional , convencional e pós-convencional . L. Kohlberg estratificou 6 estádios : 2 dirigidos ao si próprio , sob a base de recompensa e castigo , 2 dirigidos à sociedade e boa adaptação socio-legal , e 2 dirigidos à universalidade dos direitos ético-.morais.
O pior saiu das investigações inter-culturais deste grande “Psi”. A mulher em termos médios situa-se no estádio 3 e o homem no estádio 4.
A Psicóloga Carol Gilligan contestou e muito bem , estes dados , salientando que estes estudos confirmam a teorização do grande “psi” , que os seus estádios se perspectivam em função de um ponto de vista predominantemente masculino. Não há inferioridade alguma ,mas sim diferença de géneros na elaboração de uma escala de valores. Nem lhe valeu o Super-ego feminino inferior , dependente de paixões .
Depois de estudos inter-culturais ( Taiwain , México , Turquia , Índia , Quénia , Bahamas e Israel ) , Kohlberg tentou um 7º estádio , que tal não conseguiu resolver , de acordo com as éticas discursivas pelo grande filósofo Alemão Jurgen Habermas.
Pergunto eu , se só apenas 1% da população mundial ascende ao estádio 6 do desenvolvimento moral , será que não deveria ser uma exigência dos psicoterapeutas analíticos e psicocorporais ? E a ser assim , será que que os psis não teriam que fazer formação rigorosa e estimulação socio-ético-humana em desenvolvimento moral?
Na continuidade , de reavalição do édipo analítico e do seu prolongamento da família conservadora , burguesa e patriarcal , será que os psis e clínicos da psicanálise e dos modelos psicorporais , não terão de integrar os novos conceitos , teorizações e saber revolucionário , tanto a nível psicológico e antropológico , como epistemológico , da Teoria “Queer”. Refira-se que este termo , está muito para além do sentido perjorativo , de pessoas com orientação homossexual . Mas na linha duma definição de instável , de não fixo , de não definido. Pretende-se acabar com a “teologia clínica” e promover uma laicização dos valores e das teorias na clínica e na psicoterapia. Para estes académicos universitários , reconhecidos internacionalmente , como Judith Butler ou Teresa de Lauretis , pretende-se com este conceito e os estudos Gay e Lésbicos , evidenciar a dificuldade das mulheres se representarem numa linguagem e aparelho conceptual criado pelos homens. Uma nova forma de pensar o sexual ou fazer uma política de identidade , sem processos de nomeação. Lugar instável , de contestação de identidades fixas , rígidas , estáveis .
A espanhola Beatriz Preciado publicou um manifesto contra-sexual. Vive entre França e Estados Unidos e pretende apresentar uma teoria do corpo , com manifestos e contratos , para abolir as oposicões masculino / feminino , heterossexualidade / homossexualidade . A contra-sexualidade é uma análise crítica da diferença de género e de sexo , como produto de um contrato social heterocentrado , como se fosse uma verdade biológica da natureza. Pretende-se que os corpos se reconheçam uns aos outros , não como homens ou mulheres , mas como sujeitos que falam , que se expressam , sem ser idênticos. A base dos conceitos são de Gilles Deleuze , Jacques Derrida e Michel Foucault.
Marie-Hélène Bourcier em França , activista Queer , da Universidade de Lille , crítica Lacan e mesmo Pierre Bourdieu , um sociólogo de esquerda liberal , mas também o feminismo , e o movimento “Nem putas , nem submissas”.Pretende libertar o sexo da política e da psicopatologia , do desvio , e das leituras moralistas e absurdas das ciências humanas e sociais.
Anne Loncan , pedo-psiquiatra e psicanalista , foi directiva numa revista “Cultures en Mouvement” , com a temática : “Famílias em Mudança” , um congresso que decorreu em Paris , em que estiveram presentes os psicanalistas argentinos que entrevistaram Joyce McDougall(que citei anteriormente) . Afirma que a corrente “Queer”, ilustra a dificuldade de compreender como “pai” e “mãe”, continuam a existir nas identificações , quando as novas parentalidades (conceito novo na Justiça da Família ) , metem o acento sobre a pessoa , as suas competências e as suas práticas parentais.
Loncan, cita Didier Anzieu , sobre o transfert homossexual de Freud com Fliess , sobre o édipo e a noção generalizada de bissexualidade , que mobiliza defesas contra o reconhecimento da angústia de castração e contra a rememorização da teoria sexual infantil , que explica a diferença dos sexos pela castração das mulheres. Cita M. Klein e o seu édipo precoce , a existência de “proto-pais”pouco diferenciados , que se tornam só mais tarde , mais realistas e sexuados.
A teoria “queer ” defende a versatilidade da identidade de género , pró-Michel Foucault , contra o poder conservador do sexo. A defesa da fluidez das identidades , características das novas sociedades : rapidez , plasticidade, evolução , fragmentações e recomposições aceleradas.
Que o diga Javier Sáez , sociólogo Espanhol , que dirige um curso da Teoria “Queer”, milita grupos de defesa de direitos do homem e antihomófobos, na sua obra “Teoria Queer e psicanálise”. Interessante a sua análise brilhante sobre as relações de Freud e até de Lacan , ao longo da sua vida , sobre as noções de género sexual e as mudanças sobre os efeitos nos processos de identificação . Do “anti-édipo” de Deleuze e Guattari até à actualidade da psicanálise , a obra pretende alertar para o fim das práticas e posições normativas , a partir dum corpo sexuado , e dos seus efeitos sobre o sujeito – pessoa , para lá do género. Compara sempre uma leitura “queer” e uma leitura psicanalítica.
O conservadorismo patriarcal associado à religiosidade , no caso ocidental , ao Judaísmo-cristianismo , conduziu a sexualidade ao obscuro , à patologia , à perversidade , ao medo , ao pecado , a um conformismo social e familiar.
Com Wilhelm Reich , que bem soube analisar na sua obra “o Assassinato de Cristo” , ,que em toda a história da humanidade , se distorceu , reprimiu e negou a liberdade do ser humano , ao contrário do que Cristo ensinou e bem , a partir da Parábola da Maria Madalena , que quem não tem pecados que lhe atire a primeira pedra , deduzimos uma verdade antropológica e psicológica , que o ser humano , só pelo facto de ser HUMANO , está condenado a pecar , que numa perspectiva religiosa e psicanalítica , ambas tem em comum , a culpabilidade a partir da transgressão . Ultrapassar os interditos religiosos , ou estar em sintonia com as pulsões e adormecer , flexibilizar ou por vezes matar a rígida instância super-egóica. Se com Freud aprendemos que todo o ser humano é algo neurótico , se com M. Klein e Bion , aprendemos que os núcleos psicóticos e o funcionamento relacional psicótico faz parte do ser humano , no seu desenvolvimento , se com R. Stoller , Freud ou mesmo Lacan , aprendemos que a perversidade , faz parte do ser humano e da sua sexualidade , como poderemos julgar alguèm duma forma clínica e moralista , parecendo que nos regemos por vezes com um saber de autêntica “teologia clínica”?
O actual Papa Bento XVI , publicou uma obra , ainda era cardeal Ratzinger , sobre a decadência da Europa , ao liberalizar sexualidades que as considera , anti-naturais e pecaminosas , ao aceitar casamentos entre pessoas do mesmo sexo , ao não respeitar os direitos das crianças , permitindo que casais homossexuais possam adoptar crianças , substituindo a terminologia de pais , para progenitores , ao permitir que a mulher assuma funções na sociedade indiferenciadas do próprio homem , ao não defender o casal heterossexual e a família , conduzindo à baixa de natalidade , tudo isto levará à decadência moral , social e humana da Europa .
Respondo a esta visão pouco humana , não respeitadora das diferenças e dos relativismos , que para o Papa Bento XVI , só servem para criarem dúvidas e incertezas perante os dogmas da fé , sendo por isso mesmo um defensor do absolutismo .
Gordon Graham , um filósofo da Ética e da moralidade , encontra o significado da moral , ao longo da história , entre o pecado e o crime. Apesar da sua análise ser exaustiva , Graham segue uma perspectiva Nietzschiana , a partir da sua obra : “A Genealogia da Moral”. Com a “morte de Deus” , dá-se a implosão da tradição judaico-cristã e teremos que fazer uma reavaliação de Todos os Valores.
Cito-vos Graham : “O que chamamos moralidade , não é uma esfera universal e eterna do certo e errado, mas um artefacto cultural , que através do igualitarismo cristão , pode de forma falsa , consolar o povo com a crença de que possuem um tipo de valor semelhante àquele que , no mundo antigo das virtudes , apenas é possuído por seres humanos excelentes e especiais” . Atribui-se um valor humano a toda a gente , quer o mereça , quer não. Com a “morte de Deus” , deixa de existir fundamento para códigos específicos de moralidade. Precisamos então de facto duma Reavaliação de Todos os Valores .
Por exemplo , concordo com alguns analistas que encontram no édipo , a figura central de solucionar enigmas e provar-nos que o homem se coloca entre a culpa e a redenção , e não , para confirmar algum tipo normal ou ideal de família . Alguns psicanalistas e antropólogos interpretaram formas edipianas , em famílias diferentes de certas tribos , por exemplo da Nova Guiné.
Portanto , o poder político e religioso , e muitas visões de psicoterapeutas , a partir de leis , interdições e certas interpretações da realidade humana , que separam o puro , o verdadeiro , o normal , do impuro , perverso e anormal , tem consequências directas na organização subjectiva do ser humano e por isso mesmo , um ataque à simbolização individual.
Pretendo fazer uma apologia duma contra-cultura libertária , contra as formas de opressão do individuo . A Psicanálise ( como outras doutrinas “psi”) , pelo modo como se dá o recrutamento e a transmissão da arte de psicanalizar, acaba exigindo um grau de adesão próximo da conversão religiosa , afirma Jane Russo. Há que criticar estas análises ingênuas , adaptadoras , despolitizadas , que sempre são autoritárias , para não dizer fascizantes. “Religião” dita ciêntífica , é verdadeiramente subversiva , uma nova religião do Filho , liberto do Pai , e destinada a substituir a “falsa religião” pela egofania erótica.
Termino afirmando , que se pensam que fiz um ataque aos modelos analíticos , jamais serei capaz de fazer tal coisa . Acima de tudo , pretendi relativizar , problematizar e contestar conceitos , que se tornam enquistados e que não permitem a mutação dos indivíduos e das sociedades , bem como , a preservação e defesa dos básicos direitos humanos , e destes nos nossos consultórios , a partir das nossas psicoterapias e dos nossos pacientes . Tentei mostrar , como muitas vezes , a partir de moralismos patológicos , securizantes a partir de saber ciêntífico incontestável , absoluto , não permitimos a liberdade do SER dos nossos pacientes. Como afirmei com o título da comunicação : “Verdades Psicorporais há muitas , ética relacional há só uma”.
Aos meus pacientes e a todos os utentes do Tribunal de Família e Menores de Braga , dedico esta minha reflexão , mutação e crescimento no saber e no sentir do outro . O outro , só faz e está na vida , duma forma estrutural , porque não sabe e está limitado, para estar e fazer de uma outra forma . Se não for pedir demais , espero ter crescido nas fases propostas por L. Kholberg.
3ªs Jornadas Ibéricas de Análise Bioenergética – 28 – 29 de Janeiro de 2006 – Bilbao – Espanha.
José Luís Gomes
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