O bebê descobre o mundo entre os três e os cinco primeiros meses de vida e segundo os pediatras, essas descobertas acontecem quando ele consegue encontrar as mãos na linha média o que muda o referencial do próprio corpo. Como a boca está na linha média, os objetos são levados à boca nessa fase também.
Apreciar um bebê desvendando o mundo é contemplar a beleza da natureza. Ele mexe com as mãos, leva-as a boca, pega um brinquedo, admira suas cores, formatos, leva-os a boca e assim vai descobrindo e explorando o mundo. É através desses instrumentos que ele também vai descobrir seu corpo, seu rosto, o rosto da mãe e dos que cuidam, e assim ele começa a coordenar os movimentos e interagir com o mundo.
Escreveria muito mais sobre o desenvolvimento saudável de um ser humano, pois ainda tem o sentar, engatinhar, andar, falar, alfabetizar e tantas outras descobertas inerentes à condição humana. Entretanto, para o que quero trazer, acredito que esse exemplo seja suficiente.
A tecnologia dos dias atuais e a descrição para definir nossas crianças como “crianças digitais” são o que me impulsiona nessa reflexão.
Vou a um passado não muito distante – minha infância. Aconteceu na década de setenta e, das minhas maiores lembranças, estão às descobertas do mundo. Além dessas que cito acima como sendo natural e esperado no processo saudável de todos os seres humanos ainda trago outras que são simplesmente surpreendentes:
Lembro-me de brincar com os insetos. Quando era depois do almoço que minha mãe ia para a sesta descansar, eu ficava na cozinha com as moscas. Meu desafio era admirar como elas se alimentavam e voavam. E depois de muito tempo só olhando, eu pegava um objeto com tampa e prendia algumas para saber quanto tempo elas duravam dentro de um pote de plástico. Ah! Mas eu colocava alimento dentro – leite em pó e achocolatado e fazia furos para ela “respirar” e como na minha casa tinha um primeiro andar, eu guardava os potes e fazia as minhas experiências.
Lembro-me também de desvendar esse primeiro andar como sendo o meu espaço de experiências. Ficava escutando o silêncio da tarde e olhando para uma casa de marimbondos que ficava na janela. Analisava como era a sua casa, imaginava suas vidas e assim, passeava nas minhas “viagens”.
Outras vivências da minha infância eram as descobertas com os amigos também, através dos jogos com a bola, brincando de esconde-esconde e tantas outras diversões que inventávamos sempre que estávamos juntos. Eu também tive cachorro e gato e adorava brincar com eles e os mesmos eram criados como cachorros e gatos, o que não davam muito trabalho para a minha mãe – não existiam os pet-shops.
Não quero dizer que os computadores, tablets e outros instrumentos tecnológicos não tenham seus valores, mas a minha pergunta é: Como será a descoberta do mundo, do próprio corpo, do corpo do outro e dos objetos, com a era digital?
Como as crianças ditas “digitais” descobrirão o mundo dos animais, dos insetos, das brincadeiras, se o contato com os mesmos não são reais? Como fica a subjetividade das pessoas que convivem desde pequenas com as maquinas? Como fica a capacidade de simbolizar o mundo, se o mundo foi construído através de instrumentos não reais?
A indústria e alguns profissionais afirmam que a tecnologia pode substituir o que é intrínseco ao humano. Lanço aqui meu incômodo: Será que estamos formando uma sociedade de crianças, jovens e adultos onde se isolam das relações entre si e com o mundo?
Fala-se muito na transformação da educação e acredito faz todo o sentido, mas substituir pessoas, objetos, experiências reais por máquinas – por mais perfeitas que elas copiem a realidade, não vai ser nunca igual à mesma.
Tenho filhas que viveram alguns momentos diferentes dessa era tecnológica e a mais nova é a mais influenciada, mas como mãe e formadora, tento mostrar o mundo diferente da perspectiva digital que ela vive.
Temos animais criados como animais, moramos em casa, visitamos sempre livrarias, compro livros para lerem, brincamos de jogos, de bola e valorizo o esporte como sendo fonte de saúde.
E esse meu olhar também vai para meus pacientes, pois sempre trago para os pais ou para os que cuidam, a importância da vida na natureza e o valor do esporte no desenvolvimento psíquico-motor da criança.
Escrevo para refletir comigo mesma e com quem está lendo agora minhas palavras – a importância de raciocinarmos sobre o que nos é imposto como sendo normal e atual -rotularmos a criança como “criança digital”.
Prefiro chamar a criança como criança mesmo que vive no momento da era digital e que tem muitos ganhos com essa tecnologia ao seu alcance, mas que não pode esquecer que somos humanos e precisamos do contato com as pessoas, com os brinquedos e com a natureza para nos constituirmos como pessoas.
Giannini Ferrari – Psicóloga Clínica