Inibição emocional e doença
Harald C. Traue – Ph .D. Professor de Psicologia da Saúde
A afirmação de que sentimentos suprimidos são perigosos para a saúde, é um componente crucial para as teorias não-profissionais sobre as doenças. “Devido ao fato de eu engolir tudo, meu estômago fica doendo o tempo todo” é um exemplo de autodiagnóstico. Estas pressuposições originam-se de uma longa tradição científica. William James (1890), filósofo fundador da Psicologia Empírica, foi provavelmente o primeiro psicólogo acadêmico a achar que sentimentos suprimidos podem causar doenças físicas, preocupação e agitação interna. Mas William James, que também escreveu sobre questões religiosas, certamente conhecia o salmo 32, que diz: “Quando me mantenho silencioso, meus ossos envelhecem através de meu rugido interno o tempo todo”. Ele constatou que a pressuposição de que a supressão emocional tem um efeito de risco para a saúde era uma hipótese de validade histórica. Como se sabe, alguns anos mais tarde Sigmund Freud (1904/1905, 1942, pg 240) usou palavras semelhantes em uma análise sobre histeria relativa às emoções suprimidas: “Ele que tem olhos para ver e ouvidos para escutar pode se convencer de que nenhum mortal consegue manter um segredo. Se seus lábios estão selados, ele tagarela com a ponta dos dedos; a traição goteja-lhe por todos os poros”.
Wilhelm Reich (1933) considerou o que chamava de couraça muscular como uma realização física da repressão e da supressão na forma de atividade muscular utilizada para impedir estímulos emocionais suprimidos de serem transformados
Há aproximadamente vinte anos foi constatado que a área da Psicologia carecia de pesquisas sobre emoções. Nesta época, Bruce W. Heller (1983, pg 190), ao criticar o domínio das abordagens comportamental e cognitiva, ironicamente lamentou que Descartes não tenha dito: “Sinto, logo existo”, mas que tenha preferido o processo do pensamento, introduzido assim a filosofia segundo a qual as emoções eram menos importantes do que as cognições. Ele também supôs que seria difícil objetivar emoções para uma pesquisa empírica e experimental, e que, portanto, seria melhor evitá-las.O cavalo da emotividade desapareceu dos estábulos durante séculos. Ignorava-se, então, que as emoções são fortemente influenciadas pelos pensamentos e vice-versa, e que esses dois processos são inter-relacionados e inseparáveis.
Hoje não é mais assim. As teorias atuais afirmam que as emoções representam uma organização complexa dos seguintes elementos distintos:
1) Expressividade facial, de gestos e do corpo inteiro.
2) Avaliação cognitiva dos estímulos internos e externos.
3) Ativação fisiológica e endócrina.
4) Um plano cognitivo de ação e uma tendência de ação.
5) Experiência subjetiva e representação lingüística/verbal.
Assim como um rio muda seu curso e fluxo com o tempo, é preciso se levar em conta o processo cronológico quando se discute sobre a fenomenologia das emoções. Emoções são um processo. Elas separam a reação comportamental de seu estímulo através da substituição de padrões reflexos fixos de estímulo-resposta, ou mecanismos desencadeadores instintivos inatos por respostas comportamentais flexíveis. Desta maneira, as respostas reflexas fixas são substituídas por processos de avaliação cognitiva de estímulos e situações. A expressão facial que acompanha o comportamento emocional, tem um papel central na interpretação das possíveis tendências de ação e intenções do indivíduo a serem comunicadas em seu meio social. Somente através dessa função, o comportamento emocional ganha sua função reguladora não apenas interna, como também entre indivíduos. Com base na complexidade dos processos emocionais acima descritos, as funções e modos de funcionamento podem derivar de emoções que nos possibilitam classificar o papel da inibição emocional (ver Traue 1988 e 1999).
As emoções dão significado subjetivo:
Emoções são reações a situações e que dão significados individualmente relevantes a estas situações. Aqui, tais situações têm que ser consideradas em sentido amplo e incluem padrões de estímulo externo (físico, social e de informação) e interno (interoceptivo e mental). Para alguns padrões de estímulo, os significados emocionais são mais uniformizados, isto é, mais determinados filogeneticamente do que para outros. Entretanto, algumas situações complexas ou ambíguas só podem ser emocionalmente avaliadas por uma análise cognitiva. Quando ocorrem incidentes intensamente estimulantes durante experiências traumáticas, a possibilidade de avaliação cognitiva pode ficar bastante reduzida.
As emoções ajudam o indivíduo a adaptar-se ao meio ambiente. As estruturas e funções emocionais desenvolveram-se em um processo de evolução que abrange não só a evolução do sistema nervoso, como também a vida social humana. Embora filogeneticamente novas estruturas não levem em conta as estruturas cerebrais mais antigas, elas não neutralizam completamente sua função. Por conseguinte, o comportamento emocional baseia-se nas reações significativas vitais que são diretamente experienciadas e que contêm um impulso forte para agir. Este ímpeto para agir só pode ser controlado até certo ponto. Como o processamento emocional desenvolveu-se filogeneticamente lado a lado com a vida humana social, a existência de um ser humano depende da expressividade emocional de seus semelhantes humanos.
O comportamento emocional baseia-se em estruturas neurobiológicas:
Todo o sistema nervoso central e periférico está envolvido com os processos emocionais, assim como as funções mentais estão envolvidas com experiências emocionais por intermédio de percepção, atenção, ativação, consciência e linguagem. Entretanto, as estruturas neurobiológicas que alojam estas funções podem facilitar aspectos muito específicos da experiência emocional. Parte da estrutura nervosa central, conhecida como sistema límbico, é importante principalmente para o processamento de emoções distintas. O sistema límbico integra “input” sensorial e informação do córtex com unidades emocionais. Estudos recentes enfatizam que a informação sensorial pode ser processada mais rapidamente quando passa pelos circuitos do tálamo dentro da amígdala, do que pelo próprio córtex. Isto significa que certos estímulos podem levar a reações emocionais sem serem processadas conscientemente. O fato de que a qualidade da reação emocional depende das estruturas neurobiológicas reflete-se também pela predominância das emoções negativas que são obviamente mais necessárias para a sobrevivência dos seres humanos do que as emoções positivas como curiosidade, alegria e amor.
As emoções podem ser tanto um processo quanto um estado:
As emoções são produzidas principalmente quando uma informação é processada. O processamento de padrões de estímulos externos é estruturado hierarquicamente da sensação à cognição. As emoções também podem surgir de estímulos internos (por exemplo, fantasias, idéias ou recordações). Como os estímulos internos sempre contêm informação emocional, as emoções são produzidas diretamente. Desta maneira, as emoções podem sempre ser reproduzidas pela memória, independentemente de quando elas ocorreram primeiro na vida de uma pessoa.
Emoções são físicas e mentais:
Os processos emocionais são diretamente correspondentes à atividade do sistema nervoso central autônomo e motor, sendo que as regulações centrais são mais importantes do que a realimentação periférica. Teoricamente isto deriva da função comunicativa dos processos emocionais. Uma evidência empírica disto vem da estabilidade e do acordo interindividual entre o comportamento expressivo emocional e os nervos autônomos correlatos. Os padrões de reação imunológica e endócrina diferenciam-se entre emoções negativas e positivas, mas não dentro dessas duas classes emocionais.
O comportamento emocional está sujeito à auto-regulação:
O controle das reações emocionais por supressão ou inibição tem um efeito mais forte no comportamento motor, especialmente no comportamento emocional expressivo, do que nos outros componentes da emoção e modula-o qualitativa e quantitativamente. Até os processos sócio-cognitivos têm influência substancial neste componente da emoção. Emoções secundárias, como a vergonha e a culpa, dependem de uma capacidade do indivíduo antecipar as conseqüências de seu comportamento ou de sua reação emocional.
As raízes históricas do termo “inibição”:
Antes de passarmos à inibição de emoções, é preciso que se faça um breve resumo da palavra “inibição” na história científica moderna. Há muitos anos, o historiador Roger Smith, professor do Instituto de História Científica na Universidade de Lancaster, discutiu em seu impressionante livro “Inibição” (1992), a origem científica do termo. Smith sustenta que a inibição é uma questão central que permeia as artes, as ciências sociais e as teorias científicas, e que é fundamental dentro de uma concepção sistêmica de auto-regulação humana. No final do século XIX houve uma substituição de modelos biológicos de corpo e alma para teorias sistêmicas de regulação humana. Antes disto, a palavra inibição era usada no sentido de supressão, como um elemento crucial ao estabelecimento de ordens hierárquicas em estruturas sociais, bem como o poder que a alma tem sobre o corpo. Na neurofisiologia de C. S. Sherrington (nascido em 1857), na teoria do sistema nervoso mais alto de I. P. Pavlov (nascido em 1849), e na psicanálise de Freud (nascido em 1856), a palavra inibição tinha um papel central. Estes três especialistas não eram somente contemporâneos, como também tinham treinamento em pesquisa experimental e começaram suas pesquisas em uma época em que foram feitas descobertas importantes no campo da neurofisiologia.
Os três cientistas, Sherrington, Pavlov e Freud desenvolveram o conceito de inibição em diferentes contextos científicos. Estes contextos tinham em comum o postular forças de ativação e de inibição, e elas descreviam mecanismos reguladores de equilíbrio ou homeostase. A idéia de adaptar o indivíduo a condições ambientais diferentes e a idéia de comunicação entre sistemas inteiros e parciais, fazem parte deste contexto. Considera-se disfuncional o domínio de influências inibidoras em um nível neuronal, nervoso central ou mental. A teoria fisiológica da inibição foi transferida a conceitos gerais psicológicos e sociais. Estes pressupostos inicialmente teóricos (e empiricamente baseados) foram popularizados e transformados, de modo que as pessoas com disfunções de regulação foram caracterizadas como neuróticas, psicóticas e fisicamente doentes. Portanto, mesmo em “teorias” informais considera-se que a pessoa do tipo inibido seja socialmente perturbada, desprovida de imaginação no seu mundo intelectual, com desvio de comportamento e propenso a desordens psicossomáticas.
A inibição de emoções
Na tradição da cultura ocidental, as ações baseadas em sentimentos são consideradas doentias. Os pais tentam ensinar seus filhos, logo depois que nascem, a lidar com os sentimentos de maneira culturalmente apropriada. Os livros de orientação aos pais estão cheios de sugestões de como fazer com que os bebês abandonem suas manifestações de desprazer. Estes livros dizem mais ou menos que “os pequenos choramingas” devem mostrar seus sentimentos do modo como os adultos acham que seja apropriado. É aceitável que um bebê chore porque está com fome. Os protestos de um bebê que não está com fome não são aceitos tão facilmente, e pode ser muito incômodo, especialmente à noite, quando os pais querem dormir. Os pais esperam que seus filhos de mais ou menos três anos de idade não se recusem a ir para a escola maternal, só porque eles prefeririam ficar com os pais. Mais tarde, as crianças aprendem a não destruir os brinquedos umas das outras, não riscar carros, não usar de violência física quando discutem. Resumindo, aprendem a regular seus sentimentos por conta própria.
Como jovens adultos, descobrem que suas necessidades e expressões emocionais estão conflitantes com seu grupo social e aprendem a controlar suas emoções antecipando as conseqüências positivas e negativas do que expressam. Algumas pessoas são bem-sucedidas em controlar-se emocionalmente – isto é, na harmonização dos motivos pessoais e de seu sistema de valores pessoais e culturais – enquanto outros obtêm pouco ou nenhum sucesso. O autocontrole emocional que serve a vida social dentro de um grupo pode ter conseqüências negativas para um indivíduo, pois a inibição de sentimentos tem seu preço. Neste capítulo discutiremos como a inibição de emoções afeta a saúde individual.
Já que não há padrão ideal de autocontrole emocional para a vida social dos seres humanos, surgem muitas questões: 1) De onde se originam as regras para o comportamento emocional de uma dada comunidade social?; 2) Quem decide qual expressão emocional é apropriada ou não?; 3) Quais as mudanças que podem ter ocorrido no curso da história?
Com uma visão crítica sobre as tradições sociais da expressão emocional, Stephan L. Chorover escreve em seu livro “Da gênesis ao genocídio” que somente alguns seres humanos estão sempre em posição de manejar suas próprias emoções, que este manejo é sempre feito em um contexto social, e que é freqüentemente usado para regular o comportamento de outros seres humanos (1979, pg 16). Neste sentido, a inibição emocional pode ser parte de uma estratégia de comportamento geral. É muito provável que haja uma disparidade social com respeito à inibição emocional.
Civilização e comercialização de sentimentos
O controle emocional é sempre feito em um contexto social definido pelas condições históricas, políticas e sociais. Elias (1936) analisou as mudanças sociais de se lidar com as emoções abrangendo a época histórica entre a Idade Média e a Modernidade. Uma das idéias básicas de sua teoria inspiradora discute as feridas que podem ser causadas pelo redirecionamento da expressividade emocional interpessoal por uma implosão no self individual. Parte das tensões e paixões que em tempos antigos explodiriam em uma luta interpessoal, devem, atualmente, ser administradas por e dentro do indivíduo. Embora os impulsos e os afetos passionais não possam ser manifestados no mundo externo, eles freqüentemente lutam, de forma não menos violenta, dentro do indivíduo. Esta luta interna semi-automática nem sempre tem um final feliz. A autotransformação que a vida em nossa sociedade requer nem sempre leva a um novo equilíbrio no mundo conflituado dos impulsos.
Norbert Elias (1936, pg330 f.) formula três argumentos centrais relativos ao autocontrole emocional:
1) Quanto mais o acúmulo de poder econômico e político aumenta, mais a expressão do comportamento emocional é restringida.
2) A boa educação como forma de comportamento emocionalmente controlado se estendeu da nobreza ao público em geral, como um sinal de supressão política e social. Os modos à mesa e as tradições de vida mudaram concomitantemente ao controle da agressividade, enquanto o limiar da vergonha diminuiu consideravelmente. Vociferar, bater, gritar e sinais naturais da digestão como soltar gazes, arrotar e cuspir foram sendo progressivamente considerados indecentes. Devido à internalização destas novas regras de comportamento, o controle e a supressão deixaram de seu um empenho externo para ser um empenho interno.
3) O processo de aumentar o controle do afeto aguçou a separação entre o mundo privado e o público, e pode ter alcançado seu auge temporário na atual sociedade de classe média. Banheiros e quartos de dormir tornaram-se privativos, de modo que muitas emoções só podem ser experienciadas e vividas dentro destas áreas bem restritas. Enquanto na Idade Média os banheiros e quartos comuns eram a regra, atualmente são a exceção.
Wouters (1986) afirma que as barreiras sociais diminuídas entre pessoas e grupos de pessoas requerem crescente autocontrole dentro da vida social, e que, embora as crianças raramente tenham uma educação autoritária que lhes ensine limites rígidos, elas serão, mais tarde, cobradas a exercer um elevado grau de autocontrole. Uma sociedade exige, em geral, de seus membros o mesmo grau de controle emocional em reações de estresse. Assim, a disponibilidade de drogas psicotrópicas e de intervenções psicoterápicas tais como meditação, relaxamento, terapia cognitiva e hipnose, que podem amortecer ou reduzir reações emocionais, podem todas ser interpretadas como sinais para a necessidade de inibição emocional. Na Alemanha, por exemplo, os médicos de clínica geral prescrevem aproximadamente uma caixa de drogas psicotrópicas por habitante anualmente.
Na década de 50, o cientista social C. Wright Mills percebeu que as pessoas estavam ficando mais e mais absorvidas pelo mundo do trabalho: “A parte de suas vidas profissionais na qual poderiam agir ‘livremente’ usando sua própria personalidade está agora organizada, bem como transformada num modo de vida, mas, ao mesmo tempo, em instrumento servil/subserviente para a distribuição da carga.” (1956, pg 45). Durante 150 anos de industrialização, o trabalho era dominado pela produção de bens mais do que hoje, onde o foco cada vez mais se coloca nos negócios e na prestação de serviços. Entretanto, o mundo do trabalho esta agora mais do que nunca interessado em subordinar ou explorar antigos aspectos particulares da personalidade das pessoas que trabalham, cujos sentimentos individuais e particulares se tornam comercializados. Esta comercialização refere-se ao uso dos sentimentos tanto para o lucro, quanto para o controle dos sentimentos.
Muitos locais de trabalho e algumas vezes até de moradia são mais ou menos estruturados hierarquicamente e funcionam de acordo com sistemas de controle governamental, incluindo regras que foram estabelecidas por autoridades e que têm que ser seguidas por subordinados. A maioria das instituições segue este esquema mesmo que, de tempos em tempos, sejam feitas tentativas para convertê-las nos chamados sistemas centrados na pessoa. Especialmente em tempos de crise econômica, há uma tendência para a quebra de regras normalmente estabelecidas firmemente na burocracia. Supõe-se que o aumento do controle sobre as emoções e a comunicação entre os empregados subordinados também afete sua criatividade, causando, dessa maneira, perdas à instituição. Mesmo que as conseqüências de liberar poder dinâmico de trabalho sejam muitas vezes drásticas – por exemplo, quando estruturas completas de administração são dissolvidas, a estrutura real de poder e as hierarquias entre empresas e empregados subordinados ou superiores e subordinados permanecem intocados. Estas mudanças ocultam/dissimulam freqüentemente o conflito de interesses e a estrutura de poder. Tais condições não ajudam os indivíduos a lidar com seus próprios sentimentos e os dos das outras pessoas. As regras mais importantes nos sistemas de controle governamental e estruturas hierárquicas são;
1) Os sentimentos de proprietários e superiores são mais importantes do que os do subordinados. Os sentimentos dessas pessoas têm que ser rigorosamente observados, analisados e reconhecidos, e têm que ser atendidos. Os sentimentos de uma pessoa comum são menos importantes e precisam ser controlados. Sua expressão aberta poderia ser danosa e por em risco a segurança de alguém.
Estas regras também se aplicam a instituições que se orgulham de seu liberalismo. Tolerar o comportamento emocional das pessoas de posição mais alta durante debates profissionais requer que o pessoal de posição inferior suprima seus próprios sentimentos de frustração e raiva. Sem poder demonstrar isto com números, estamos convencidos de que este trabalho emocional contribui consideravelmente para o estresse de nossa vida profissional.
Outro aspecto de se controlar os sentimentos no contexto de trabalho precisa ser mencionado. Arlie Hochschild pesquisou o trabalho emocional em diferentes esferas de vida – particulares e profissionais – especialmente de aeromoças e de cobradores de impostos. Os dois grupos profissionais são notadamente caracterizados por usar um tipo específico de trabalho emocional e de sentimentos em sua atividade profissional. Nos programas de treinamento, esses profissionais são sistematicamente ensinados a como usar seus sentimentos.
Hochschild define sociologicamente trabalho emocional como uma administração de sentimentos que visa à formação de expressão de corpo e rosto passíveis de demonstração pública, e à supressão de expressões faciais indesejáveis (Hochschild, 1983).
Trabalho emocional “requer mostrar e suprimir sentimentos, com o intuito de preservar a atitude externa que tem o efeito desejado nas outras pessoas” – esta afirmação refere-se aos efeitos positivos desejados nos passageiros de vôo, e os efeitos negativos, como o medo, nas pessoas que são obrigadas a pagar imposto. Como resultado de seu estudo, Hochschild confirma que o trabalho emocional tem aumentado em quase todas as profissões de serviços comerciais, administrativos e sociais, e que, por causa disso, está surgindo uma nova dimensão de seres humanos alienados dos produtos e dos resultados de seu próprio trabalho. Hochschild, baseada em auto-apresentações em entrevistas detalhadas, formou quatro grupos com estratégias diferentes de trabalho emocional: (1) Os membros do grupo instrumentalmente orientado exigem ser pessoas ativas que se utilizam de sentimentos na profissão, mas embora usem-nos instrumentalmente, não acreditam que suas personalidades mudariam de verdade. (2) os membros do segundo grupo descrevem-se como adaptados a sua própria emocionalidade. Expressam sentimentos específicos quanto à situação, porém guardam seus verdadeiros sentimentos particulares. (3) Um terceiro grupo de pessoas observa uma mudança em seu comportamento emocional sob a influência do trabalho emocional. Hochschild cunhou a designação grupo emocionalmente deformado para eles. Eles se adaptam gradualmente às demandas profissionais. (4) Finalmente o quarto grupo adota uma adaptação ativa com respeito às demandas profissionais de seu trabalho. Conforme a situação, eles tentam mudar, suprimir seus sentimentos, ou “realmente” criar sentimentos necessários.
A expressão trabalho emocional se aplica especialmente aos terceiro e quarto grupos. Aqui, surgem a maioria das deformações pessoais e o maior estresse causados pelo manejo de sentimentos. Como trabalhadores emocionais, os seres humanos não apenas são alienados dos resultados diretos de seu próprio trabalho, como também de si mesmos, já que nada na vida emocional interior de alguém está mais diretamente conectado a sua própria personalidade do que os sentimentos pessoais. Trabalho emocional em serviços sociais e comerciais é potencialmente efetivo e profissional uma vez que ninguém queira interagir com pessoas irritáveis. Mas, qual é o preço deste trabalho emocional quando as tensões internas crescem para enfrentar as demandas profissionais no autocontrole emocional?
Outro indicador de uma comercialização crescente da emocionalidade humana, particularmente nos países do ocidente neocapitalista, é o fato de que os sentimentos reais estão se tornando um bem interpessoal escasso. Nunca houve antes tantas ofertas de especialistas em psicologia para ajudar seus semelhantes seres humanos a entrarem em contato consigo mesmos e com seus próprios sentimentos autênticos. Estas ofertas referem-se à vida profissional tanto quanto à particular. Elas são resultado da experiência de que a manipulação de emoções paga um alto preço social de uma distância crescente entre o indivíduo e seu self emocional. É verdade que o trabalho emocional é necessário para a vida social humana, mas as emoções não devem estar à mercê da comercialização. Na mesma medida que a comercialização está se alastrando, a experiência e o partilhar dos sentimentos autênticos serão forçados a recuar e ir desaparecendo mais e mais da vida cotidiana interpessoal.
Diferenças individuais na inibição das emoções
As pessoas diferenciam-se consideravelmente quanto à amplitude de seu comportamento emocional, o qual desenvolve diferentes funções. O comportamento expressivo funciona como um sistema de sinais interpessoais, usado para comunicar avaliações emocionais de situações ao meio social, e está bastante envolvido na regulação do comportamento social. O feedback facial ao comportamento expressivo fornece informações essenciais à avaliação das situações. Se o comportamento expressivo for inibido, a regulação do comportamento social fica perturbada, e o indivíduo fica privado de uma fonte essencial de informações para a avaliação de situações. Alguns estudos, conduzidos de diferentes perspectivas, mostram que o comportamento emocionalmente inibido tem que ser considerado um fator de risco, que pode originar e manter desordens psicossomáticas. Ele é um fator componente de um modelo de saúde e doença, o qual delineia como trajetórias as interações bio-psicossociais entre a inibição emocional e as desordens de saúde (ver também Traue 1988). Aqui, a inibição do comportamento emocional é classificada em diferentes tipos que influenciam o curso das doenças, dependendo da intensidade da desordem emocional.