26 – Título do trabalho
O PAPEL DO APEGO NA CRENÇA RELIGIOSA E NO COMPORTAMENTO
DEUS, OBJETO TRANSICIONAL. A INFLUÊNCIA NA FORMAÇÃO DO SENSO DE SELF
Odila Weigand
International Trainer, IIBA
Utilizando referenciais Winnicottianos e da Teoria do Apego, vamos explorar a relação do homem com um objeto especial que ele chama Deus.
Não é um estudo da religião, mas sim o estudo de um aspecto central da experiência religiosa: a maneira como a representação de Deus é formada (do ponto de vista epigenético e do ponto de vista do desenvolvimento), bem como a maneira como essa representação de Deus é transformada e utilizada, no decorrer da vida humana.
O processo relacionado com o desenvolvimento, na formação da representação de Deus, é sumamente complexo e é influenciado pelos múltiplos fenômenos culturais, sociais, familiares, individuais, que vão desde os níveis biológicos mais profundos da experiência humana até as realizações espirituais mais sutis.
Meissner (1978) num artigo intitulado “Psicanálise e Religião” reflete: “Sempre foi algo enigmático que a tentativa psicanalítica de trazer compreensão para uma das mais vastas áreas de experiência da humanidade, a da experiência religiosa do homem, sempre foi relativamente inadequada e pobre…A questão crítica é saber se o dinamismo da crença religiosa tem a capacidade inerente para superar seus próprios arcaísmos…Na obra de Freud… a religião é vista como a repetição de suas próprias origens… A ênfase na repetição e na volta das coisas reprimidas, conduz a uma exclusão de possíveis dimensões epigenéticas para a qualidade afetiva da experiência religiosa… O embasamento do argumento na analogia e na repetição não consegue suportar o peso de toda a carga da experiência religiosa.” (Nota 1)
Meissner afirma que os símbolos primitivos e arcaicos sofrem uma transformação de função e significado, que nos permite identificar o contexto de origem e a relevância do símbolo arcaico, sem reduzir esta conexão a uma fórmula da repetição, que impede o desenvolvimento. A essência do desenvolvimento reside na “superação” e na substituição diferenciada das origens, e não em sua mera repetição.
O PONTO DE VISTA WINNICOTTIANO
Este estudo se propõe mostrar a importância primordial das representações objetais, e a relação entre elas e Deus, tanto nos anos de formação como no resto dos ciclos da vida.
No decorrer da vida, segundo Ana Maria Rizzuto, Deus permanece um objeto transicional a serviço da necessidade de equilibração consigo próprio, com os outros e com a própria vida. Isso acontece não porque Deus é Deus, mas porque, como o bichinho de pelúcia, ele ganhou boa parte do seu conteúdo a partir dos objetos primários que a criança “encontrou” em sua vida. A outra parte do conteúdo de Deus provém da capacidade que a criança tem para “criar” um Deus de acordo com as suas necessidades.
Assim, a relação com Deus também é um fator de regulação emocional. Como demonstra Allan Schore em Affect Regulation and the Origin of the Self, a relação face a face entre criança e cuidador é um fator da regulação emocional. Da mesma maneira, os adultos também se regulam no contato interpessoal. Ao propor que a relação com Deus é um relacionamento, estamos propondo que ela também possibilita regulação emocional. Pessoas que recorrem à oração em momentos de crise ou aflição confirmam que conseguem alivio e paz. A oração pode ser considerada como o protótipo da relação face a face com a imagem internalizada de Deus.
O PONTO DE VISTA DA TEORIA DO APEGO
A um determinado momento, segundo Kirkpatrick, os modelos mentais de Deus de uma pessoa parecem existir paralelamente aos modelos mentais de relacionamentos de apego do indivíduo (conforme a hipótese de correspondência), mas com o decorrer do tempo o apego inseguro parece inclinar-se para a conversão religiosa, desenvolvendo um relacionamento com Deus, e variáveis correlatas (conforme a hipótese de compensação).
Visto por este ângulo, o papel potencial de Deus na hierarquia individual de figuras de apego passa a ser analisado a uma luz muito diferente. Os indivíduos mais inclinados a verem Deus como uma figura de apego disponível e receptiva podem não ser aqueles que possuem apegos seguros bem estabelecidos em relacionamentos humanos, mas ao contrário, podem ser aqueles cujos apegos humanos ficaram insuficientes para manter os desejados níveis de sensação de segurança. Diversos pesquisadores (p.ex. Ainsworth, 1985) objetaram que os indivíduos que não conseguem estabelecer apegos seguros com os pais, vão procurar “substitutos” ou figuras de apegos substitutas, possivelmente nos professores, em irmãos mais velhos, em outros parentes, ou de modo geral em qualquer Outro mais forte, mais sábio que possa de modo confiável estar acessível e corresponda às necessidades de apego. Embora Ainsworth (1985) não tenha incluído Deus na sua lista de substitutos potenciais, parece razoável acreditar que Deus poderia potencialmente preencher este papel, para muitas pessoas.
A extensão da teoria do apego para a religião, tem em vista considerar com seriedade construtos do tipo modelo operativo interno, o porto seguro e a fonte de segurança oferecido pelas figuras de apego, e a regulação do sentimento de segurança.
DEUS COMO UMA FIGURA DE APEGO
O ponto de contato mais óbvio entre apego e religião é a noção de que as crenças religiosas sobre Deus (ou outras divindades) podem funcionar, do ponto de vista psicológico, como manifestações adultas do sistema de apego. Efetivamente, o relacionamento de adoração Deus / devoto é algo similar ao relacionamento de apego prototípico – a relação diádica criança – pessoa provedora, no mínimo de modo similar aos relacionamentos românticos dos adultos. Há diferenças importantes entre os relacionamentos amorosos dos adultos e os apegos da fase da infância. Nos relacionamentos adultos, o sistema do apego é complementado por no mínimo dois outros sistemas comportamentais, o papel do provedor e a parceria sexual. Enquanto os relacionamentos adultos tendem a ser mais ou menos simétricos, com os parceiros servindo alternadamente como figuras de apego mútuo, no relacionamento com Deus a divindade conserva tipicamente as características do mais forte, daquele que é Sábio, e os papéis “daquele que se apega”, e da “figura de apego” são consistentes e claramente diferenciados no decorrer do tempo. Além disso, os relacionamentos entre devoto e Deus raramente incluem um componente sexual explícito. (As raras exceções seriam um campo particularmente estimulante para investigações).
Mas será um “Relacionamento” verdadeiro? Estas analogias são interessantes mas será correto falar aqui de “relacionamento” com um ser imaginário, intangível? Muitos acreditam que sim, falam até que “O Cristianismo não é uma religião, mas sim um RELACIONAMENTO”.
Um caminho para abordar a conexão apego-religião é por meio do construto de modelos operativos internos (ou modelos mentais). Embora geralmente seja aceito que estes modelos são maleáveis e que eles podem mudar, e realmente mudam com o tempo, a teoria que prevalece parece defender uma relativa estabilidade dos modelos operativos internos.
Aplicando-se esta abordagem à crença religiosa, Kirkpatrick propõe duas hipóteses: uma hipótese de correspondência, na qual as diferenças individuais nas crenças e na experiência religiosa deveriam ser paralelas às diferenças individuais em estilos de apego e modelos mentais. Por exemplo, poderíamos encontrar adultos manifestando um estilo de apego seguro, que consideram Deus, assim como seus parceiros humanos de relacionamentos, como uma figura de apego disponível e compreensiva. Uma segunda hipótese seria de compensação, segundo a qual os indivíduos mais inclinados a verem Deus como uma figura de apego disponível e receptiva podem não ser aqueles que possuem apegos seguros bem estabelecidos em relacionamentos humanos, mas ao contrário, podem ser aqueles cujos apegos humanos ficaram insuficientes para manter os desejados níveis de sensação de segurança. Diversos pesquisadores (p.ex. Ainsworth, 1985) objetaram que os indivíduos que não conseguem estabelecer apegos seguros com os pais, vão procurar “substitutos” ou figuras de apegos substitutas, possivelmente nos professores, em irmãos mais velhos, em outros parentes, ou de modo geral em qualquer Outro mais forte, mais sábio que possa de modo confiável estar acessível e corresponda às necessidades de apego. Embora Ainsworth (1985) não tenha incluído Deus na sua lista de substitutos potenciais, parece razoável acreditar que Deus poderia potencialmente preencher este papel, para muitas pessoas.
Segundo esta visão, num determinado momento, os modelos mentais de Deus de uma pessoa parecem existir paralelamente aos modelos mentais de relacionamentos de apego do indivíduo (conforme a hipótese de correspondência), mas com o decorrer do tempo o apego inseguro parece inclinar-se para a conversão religiosa, desenvolvendo um relacionamento com Deus (conforme a hipótese de compensação).
Nota 1. Weston La Barre fala da relação entre biologia e religião:
Movido pela convicção de que esta psicologia freudiana baseada no corpo é correta, eu tenho defendido durante minha carreira profissional o ponto de vista de que nenhuma antropologia pode pretender chegar a qualquer lugar sem levar em conta a natureza específica da espécie, do corpo humano…
Nunca surgiu uma resposta, na verdade poucas pessoas parecem ter perguntado sequer: por que, tendo em vista as inadequações empíricas da magia, e a total ausência de consenso quanto às “verdades” religiosas, por que então os dois comportamentos, mágico e religioso, são tão cheios de fervor, tão generalizados e persistentes, abrangendo todos os povos da terra? Uma resposta superficial considera que magia e religião representam uma forma de “pensamento positivo”. Mas quais são as experiências que conferem um caráter plausível ao pensamento positivo? E como é que um mero desejo pode se transformar numa “representação coletiva?” Os teóricos propõem numerosas explicações éticas, como por exemplo, de que a religião tem funções sociais – e consideram como objetivamente irrelevante a posição subjetiva do fiel religioso. Mas a função não é essência. Nem passou pela cabeça dos observadores behavioristas entrar nas mentes dos crentes, para examinar as notórias anomalias epistemológicas destas crenças. De fato,…. todas as crianças humanas aprendem onto-geneticamente as posições afetivas que estão por detrás da magia e da religião, uma tese que pode ser demonstrada na biologia específica da espécie humana.
Referências Bibliográficas
AINSWORTH, M D S. Attachments accross the life span. Bulletin of the New York Academy of Medicine, 61, 792-812, 1985.
KIRKPATRICK, LEE A . O Papel do Apego na Crença Religiosa e no Comportamento. In: Kim Bartholomew & Daniel Perlman Attachment Processes in Adulthood, London and Bristol, Pensylvania, Jessica Kingsley Publishers, 1994.
MEISSNER, W. Psychoanalysis and Religion. Journal of Psychoanalysis, 1978.
RIZZUTO, ANA MARIA. The Birth of the Living God. Chicago Univ. Press, 1979.
SCHORE, N A The Effects of a Secure Attachment Relationship on Right Brain Development, Affect Regulation and Infant Mental Health. Infant Mental Health Journal. 22, 7-66, 2001. Disponível em www.trauma-pages.com (Acesso Março 2002).
Apresentação na 17ª. Conferência Internacional de Análise Bioenergética
Salvador, BA – 7 a 10 de Outubro de 2003
Odila Weigand
Análise Bioenergética, Trainer Internacional
Rua Arapiraca, 7 – 05443 020 – V. Madalena, SP, SP – Brasil
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