Alexander Lowen – Criador da Análise Bioenergética
Na primeira página do livro de oftalmologia em que estudei na faculdade de medicina, havia esta afirmação: “os olhos são o espelho da alma”. Eu fiquei intrigado com este fato, porque já tinha ouvido esta afirmação antes e, ao mesmo tempo, fiquei ansioso para aprender mais sobre a expressiva função dos olhos. Mas fiquei decepcionado. O livro não tinha mais nenhuma referência à relação entre os olhos e a alma, ou entre os olhos e os sentimentos.
A anatomia, a fisiologia e a patologia dos olhos eram amplamente descritas de maneira mecanicista, quer dizer, como se os olhos fossem uma máquina igual a uma câmera, e não um expressivo órgão da personalidade.
Suponho que a oftalmologia ignora este aspecto dos olhos por ser uma disciplina estritamente científica com um objetivo preciso.
A expressiva função dos olhos não pode estar sujeita à objetificação ou medição. Mas, isto levanta uma questão: uma visão científica objetiva pode compreender plenamente o funcionamento de um olho, ou para isso é preciso compreender o ser humano?
Os psiquiatras e outros estudiosos da personalidade não podem se permitir um ponto de vista tão limitado. Devemos ver a pessoa na sua natureza expressiva e o modo como a vemos vai determinar não só o modo como a compreendemos como também o modo como ela reage a nós.
A linguagem do corpo revela a sabedoria das idades. Não tenho dúvidas de que a afirmação a respeito dos olhos serem o espelho da alma é verdadeira. Esta é a nossa impressão subjetiva quando olhamos em certos olhos e acredito que ela corresponde à expressão do que vemos. Esta qualidade sentimental é particularmente evidente nos olhos de um cachorro ou de uma vaca. Estes animais, quando estão relaxados, possuem suaves olhos castanhos que mais parecem poços límpidos e profundos. Esta expressão emotiva está associada, em minha mente, com o contato, com a sensação de pertencer ou de ser parte da vida, da natureza e do universo.
Cada tipo de animal tem um olhar especial que reflete sua qualidade própria. O olhar de um gato, por exemplo, demonstra as qualidades de independência e distância. Os olhos de um passarinho são diferentes. Mesmo assim, os olhos de todos os animais são capazes de expressar sentimentos. Quando vivemos, por algum tempo com um gato ou com um passarinho, somos capazes de distinguir suas diferentes expressões. Podemos dizer quando seus olhos se tornam pesados de sono ou brilhantes de excitação. Se os olhos são o espelho da alma, então a riqueza de organismos inferiores devem estar refletidas na amplitude dos sentimentos visíveis em seus olhos.
Prosaicamente, podemos afirmar que os olhos são as janelas do corpo, uma vez que eles revelam o sentimento interior. Mas, como todas as janelas, eles podem estar fechados ou abertos. No primeiro caso, eles são impenetráveis; no segundo, podemos ver dentro da pessoa. O olhar pode ser vazio ou distante. O olhar vazio nos dá a impressão de que “não há ninguém lá”. Este olhar é comumente visto em pessoas esquizóides. Olhando dentro dos olhos de um esquizóide enxergamos o seu vazio interior.
O olhar distante indica que a pessoa está ausente, em outro lugar. Podemos trazê-la de volta chamando sua atenção. Seu retorno coincide com o contato estabelecido entre seus olhos e os nossos, no momento em que nos olha e seus olhos se fixam nos nossos.
Os olhos brilham quando a pessoa está excitada e se apagam quando a excitação acaba.
O conceito dos olhos como janelas (e eles são muito mais do que isso, como veremos) nos permite postular que a luz que eles refletem é uma fulguração interior emanada do fogo que aquece o corpo.
Falamos dos olhos de um fanático dizendo que é consumido por um fogo interior. Existem, também, os olhos risonhos, os olhos cintilantes, os olhos reluzentes, e eu posso dizer que já vi estrelas nos olhos das pessoas.
Contudo, em geral, vemos tristeza e medo nos olhos das pessoas quando estão abertos. Apesar do aspecto da expressão dos olhos não poder ser dissociado da região ocular e do resto da face, essa expressão é grandemente determinada pelo que está no próprio olho. Para ler esta expressão é preciso que olhemos delicadamente nos olhos de uma pessoa, não invadindo, mas permitindo que sua expressão chegue até nós. Quando isso acontece, consegue-se captar o sentimento. Sente-se a outra pessoa. Raramente duvido de minhas impressões, porque confio em minhas sensações.
Entre os sentimentos que tenho visto expresso nos olhos das pessoas, estão os seguintes:1. Apelo: “Por favor, me ame.”
2. Desejo: “Eu quero amar você.”
3. Cautela: “O que será que você vai fazer.”
4. Desconfiança: “Não posso me abrir com você.”
5. Erotismo: “Você me excita.”
6. Ódio: “Odeio você.”
7. Confusão: “Não compreendo.”
Há muitos anos atrás, eu vi um par de olhos que jamais esquecerei. Minha mulher e eu estávamos num metrô e, simultaneamente, olhamos nos olhos de uma mulher que estava sentada na nossa frente. O contato com os olhos dela produziu um choque em mim. Seus olhos tinham um lampejo tão demoníaco que eu quase gritei de horror. Minha mulher teve uma sensação idêntica e, depois, ao discutirmos este fato, concordamos que nunca havíamos visto um olhar tão cheio de maldade como aquele. Antes desta experiência eu não acreditava que fosse possível um olhar ser tão maligno.
Este incidente me fez lembrar as histórias que costumava ouvir na minha juventude sobre o “olho maligno”, que tinha poderes estranhos e ameaçadores. Desde então, nunca mais vi um olhar tão mau, e apenas este me impressionou por sua maldade.
O processo fisiológico que determina a expressão dos olhos é desconhecido. De fato, sabemos que as pupilas se dilatam quando a pessoa está sofrendo ou com medo, e se contraem nos momentos de prazer.
A contração das pupilas aumenta o foco. A dilatação das pupilas amplia o campo da visão periférica e, ao mesmo tempo, reduz a nitidez do foco. Estas reações são transmitidas pelo sistema nervoso automático, mas isto não explica o misterioso fenômeno que acabamos de descrever.
Na verdade, os olhos têm uma dupla função: são o órgão da visão, e também o órgão do contato.
Quando os olhos de duas pessoas se encontram, há uma sensação de contato físico entre elas. A qualidade deste contato depende da expressão do olhar. O olhar pode ser tão duro e forte que faz o efeito de um tapa no rosto, ou pode ser penetrante, desnudante, etc..
Podemos olhar dentro da pessoa, através dela, além dela, e em torno dela.
O ato de olhar envolve um componente de agressividade ou de afetividade que pode ser definido como uma “invasão” com os olhos. O contato é uma função do olhar. Por outro lado, o ver é um processo mais passivo no qual permitimos que o estímulo penetre nos olhos e dê origem apenas a uma imagem. Em olhando, uma pessoa se revela através dos olhos.
O contato dos olhos é uma das formas mais fortes e íntimas de contato entre as pessoas. Este contato envolve a comunicação do sentimento num nível mais profundo do que o verbal, porque o contato dos olhos é uma forma de toque. Por esta razão pode ser um contato bastante excitante. Quando, por exemplo, os olhos de um homem e de uma mulher se encontram, a excitação pode ser tão forte que corre pelo corpo todo, da boca do estômago para os genitais. Tal experiência é descrita como “amor à primeira vista”. Os olhos ficam abertos e convidativos, e o olhar tem uma característica de erotismo.
Qualquer que seja o sentimento trocado entre dois pares de olhos, o efeito de seu encontro é o desenrolar de um entendimento entre as duas pessoas.
O contato dos olhos é, provavelmente, o fator mais importante da relação entre pais e filhos e, especialmente, da relação entre uma mãe e seu bebê. Podemos observar que uma criança quando está sendo amamentada, olha sistematicamente para cima, buscando os olhos da mãe. Se a mãe responde carinhosamente, há uma reciprocidade de prazer na intimidade física, que reforça a sensação de segurança e fé da criança.
Contudo, esta não é a única situação em que uma criança procura contactar os olhos de sua mãe. Cada vez que a mãe entra no quarto da criança, seus olhos buscam os dela numa antecipação do prazer ou do medo daquilo que este contato possa propiciar. A falta de contato devido a uma falha da mãe será vivenciada pela criança como uma rejeição e lhe dará uma sensação de isolamento.
Seja qual fôr a maneira com que os pais olhem para a criança, seu olhar afetará os sentimentos dela e pode influenciar profundamente seu comportamento. Como tenho dito, o olhar é mais potente do que as palavras.
O olhar desmascara as palavras. A mãe pode dizer ao filho que o ama, mas se seu olhar é frio e distante, e se sua voz é inexpressiva ou ríspida, a criança não terá a sensação de ser amada. É mais provável que sinta o oposto. Isto produzirá na criança uma confusão que será resolvida neuroticamente, pois a criança, ansiosa para acreditar nas palavras da mãe, se volta contra suas próprias sensações.
Os olhares de ódio que causam prejuízo à criança não são aceitáveis, e os olhares sedutores de um dos pais são ainda mais difíceis de serem suportados. Não é fácil se zangar por causa de um olhar desse tipo, porque o pai ou a mãe o justifica como sendo de pura afeição.
Um olhar sedutor ou erótico vindo de um dos pais, também excita a criança e leva à formação de um vínculo incestuoso entre ambos. Estou certo de que a maioria das relações incestuosas estão baseadas mais em olhares do que em ações.
Muitas pessoas evitam o contato dos olhos, porque têm medo daquilo que seus olhos possam revelar. As pessoas ficam embaraçadas com o fato de outras pessoas perceberem seus sentimentos, por isso desviam o olhar ou olham fixamente. O olhar fixo é muito usado para evitar ou desestimular o contato.
O ponto importante é que não há contato sem que haja uma relação de troca de sentimentos entre as partes. O sentimento necessário é apenas o de reconhecimento da outra pessoa como um indivíduo. Sobre este ponto, eu gostaria de lembrar que os povos primitivos usavam a expressão “Eu vejo você” como uma forma de saudação.
Sendo o contato dos olhos uma forma de intimidade, pode ter, por isso mesmo, uma implicação sexual particularmente quando as partes são de sexos opostos. Não se reconhece outro indivíduo senão pelo conhecimento do sexo dele ou dela.
Pelo fato dos olhos serem uma importante via de comunicação, muitos dos tipos mais modernos de grupos de terapia, encorajam o contato dos olhos entre seus membros durante determinados exercícios. A maioria dos pacientes acha esses exercícios muito úteis, porque fazem aflorar o sentimento em seus olhos e isto os torna mais vivos. Quando as pessoas estão fechadas, seus olhos ficam igualmente fechados e elas não captam o ambiente de maneira visível. Elas vêm o ambiente, mas esta percepção é isenta de sentimento ou de excitação.
Numa terapia individual, esforço-me para estabelecer o contato dos olhos com meu paciente. Isto não apenas me ajuda a saber o que está se passando com ele a cada momento, como também dá ao paciente uma profunda certeza de que eu estou com ele.
Quando se propõe o contato dos olhos como parte de um exercício de grupo, ou numa terapia individual, isto deve ser feito com certa espontaneidade a fim de garantir que a expressão seja autêntica. Para garantir esta autenticidade, faz-se um contato breve, um olhar, um toque, um ligeiro entendimento e, então, afasta-se novamente. Manter o contato dos olhos além de um breve período é artificial e estranho. O olhar fica forçado e mecânico.
OS OLHOS E A PERSONALIDADE
Os olhos são o espelho da alma porque refletem direta e imediatamente o processo de energia do corpo.
Quando a pessoa está carregada de energia, seus olhos brilham. O brilho dos olhos de uma pessoa é, assim, um bom sinal de seu estado de saúde. Qualquer depressão no nível de energia de uma pessoa diminui a luz de seus olhos. Na morte, os olhos se tornam opacos. Há, também, uma relação entre a carga dos olhos e o nível de sexualidade. Não estou falando de excitação genital, que também tem reflexo nos olhos. A sexualidade é um fenômeno do corpo todo e revela o grau em que a pessoa está identificada com seu funcionamento sexual. Na pessoa que tem um elevado grau de sexualidade, o fluxo de energia é total, e os pontos periféricos de contato com o mundo estão bem carregados. Estes pontos, como já mencionei, são os olhos, as mãos, os genitais e os pés. Isto não significa que os órgãos genitais estejam excitados. Este fenômeno acontece quando o sentimento ou a energia se torna enfocada sobre qualquer destes órgãos.
A relação entre os olhos e a sexualidade é expressa na frase “olhos brilhantes e rabo assanhado”.
Um dos aspectos do grounding é estar identificado com a sexualidade da pessoa. Qualquer atividade ou exercício que aumente a sensação de estar firme, aumenta a carga dos olhos. Todo o funcionamento dos olhos é afetado pelo fortalecimento do contato de uma pessoa com suas pernas e com o chão. Os vários exercícios de grounding que usamos na Bioenergética são úteis para este fim. Muitos pacientes relatam que após terem trabalhado bastante com as pernas, sua visão melhorou a tal ponto que os objetos da sala pareceram mais claros e nítidos. Quando uma pessoa não tem os pés firmes no chão, não consegue ver claramente o que está em torno de si. Pode-se até dizer que esta pessoa está cega por suas ilusões.
Estas considerações sustentam a hipótese de que o grau da carga de energia dos olhos revela o grau da força do ego. O indivíduo que tem ego forte, consegue olhar diretamente nos olhos de outra pessoa. Este indivíduo pode fazer isso facilmente, porque está seguro de si mesmo. Olhar para outra pessoa é uma forma de auto-afirmação, tanto quanto o olhar-se é uma forma de auto-expressão. Creio que somos naturalmente conscientes destes fatos e, contudo, é surpreendente que haja pouca referência à importância dos olhos na maioria das discussões sobre a personalidade.
O próximo passo da nossa compreensão da relação entre olhos e personalidade é estabelecer uma conexão entre o olhar nos olhos dos diferentes tipos de caráter.
Cada estrutura de caráter tem um olhar típico que, nem sempre, pode ser visto pelo observador, mas que é, apesar disso, comum bastante para servir de critério para um diagnóstico. Isso se aplica aos indivíduos esquizofrênicos, cujos olhos tem olhar “distante”. Muitos psiquiatras notam isto.
Reich comentou este fato e o relatou em sua obra “O Corpo Traído”. Pode se saber que alguém está “ausente”, ou que pode se “ausentar”, apenas olhando nos seus olhos.
Vou fazer um resumo dos olhares que associei nos diferentes tipos de caráter. Permitam-me enfatizar que estes olhares não são continuamente presentes e que um olhar casual não é significativo, neste caso. O que nos interessa é o olhar típico.
I CARÁTER ESQUIZÓIDE
Podemos descrever o olhar típico do esquizóide como sendo vago e inexpressivo. É a ausência de sentimento nos olhos que caracteriza esta personalidade. Quando uma pessoa esquizóide nos olha, sentimos a falta de contato. O esquizóide consegue olhar através dos outros. Ninguém se livra da divisão. O olhar não estabelece contato.
II CARÁTER ORAL
Neste caráter o olhar típico é o de apelo. Apelo de amor e segurança. Isto pode estar mascarado por uma atitude de pseudo-independência, mas, em geral, esta atitude é tão convincente que não dá para se fazer uma distinção clara entre essas duas conotações na personalidade oral.
III CARÁTER MASOQUISTA
O olhar típico do masoquista é o de sofrimento ou de dor. Entretanto, este olhar é, frequentemente, disfarçado por uma expressão de confusão. O masoquista se sente preso numa armadilha e este sentimento é mais forte do que a sensação de sofrimento.
IV CARÁTER PSICOPATA
São dois os olhares típicos desta personalidade. Eles correspondem às duas abordagens ou atitudes psicopatas. Um deles é o olhar irresistível ou penetrante, próprio dos indivíduos que têm necessidade de controlar ou de dominar os outros. Esses olhos se fixam em nós como se quisessem nos impôr sua vontade. O outro olhar é suave, sedutor ou misterioso, que engana a pessoa à qual é dirigido, fazendo com que ela se entregue ao indivíduo psicopata. O psicopata olha para você, mas não revela o que está sentindo.
V CARÁTER RÍGIDO
Em geral, esta personalidade tem olhos mais ou menos brilhantes. Contudo, quando a rigidez é muito marcante o olhar se torna firme, mas sem perder o brilho. A firmeza é uma defesa contra a tristeza que está sob a superfície rígida e que é relacionada à frustração ao amor.
Diferentemente do caráter masoquista, o indivíduo rígido compensa a frustração com uma atitude forte e agressiva que ilumina seus gestos e seus olhos.
A esta altura, eu gostaria de fazer um comentário sobre aquilo que meus próprios olhos revelam. Eu costumava sempre pensar que meu olho direito era o mais forte. Ele tinha um olhar mais determinado com o qual eu me identificava. Alguns anos atrás, por ocasião de um teste para dirigir automóvel, soube, com surpresa, que este olho era o mais fraco dos dois. Meu olho esquerdo sempre tinha me impressionado por ser mais fraco pelo fato de chorar com mais facilidade e mais copiosamente numa situação de tristeza ou sob ação de um vento forte. Agora, percebo que esta qualidade do meu olho esquerdo preservava sua acuidade visual, enquanto que meu olho direito, aparentemente mais forte, era obrigado a defender meu sentimento profundo de tristeza que meu olho esquerdo era livre para expressar.
Esta foi uma experiência pessoal que me fez perceber que a expressão de sentimentos nos olhos está intimamente relacionada e também influi na função da visão.
Eu nunca usei óculos e ainda não uso, apesar do fato de já ter passado muito da idade em que óculos para ler é supostamente obrigatório. Quando eu tinha 14 anos, entretanto, o médico me receitou óculos. Num teste de vista rotineiro, na escola, eu errei uma ou duas letras nas linhas inferiores do cartão. Na clínica, fizeram-me um exame mais detalhado e o resultado foi a receita dos óculos. E nunca me disseram que defeito eu tinha nos olhos. Nunca tive nenhuma dificuldade na escola ou em qualquer outro lugar. Agora, desconfio que tinha astigmatismo. Isto está de acordo com o que sei sobre minha personalidade, mas nunca me trouxe problemas no trabalho.
Comprei os óculos, mas me recusei a usá-los a não ser para ler. Eu me opunha fortemente à idéia dos óculos. Na minha juventude, eles tiveram uma conotação negativa. As pessoas que usavam óculos eram apelidadas de “quatro olhos”.
Suponho que por causa disto, perdi os óculos na primeira semana. Minha mãe, que era muito preocupada com a minha saúde, insistiu para que eu comprasse outros óculos. Eu cedi e comprei. Mas também os perdi em uma semana. Meus pais não puderam comprar um terceiro par de óculos e assim minha mãe abandonou a idéia.
Atribuo minha boa visão de hoje a um hábito que eu tinha de ler de dia e, também, à ajuda da terapia, que me fez capaz de chorar e de expressar meus sentimentos abertamente. Eu adoro o sol e a claridade de um dia de verão. Eu costumava jogar tênis, exposto à luz do sol. Nunca tinha percebido o quanto isto era importante, até que há seis anos atrás aprendi que olhar uma cena ensolarada, ou se retratar num agradável ambiente cheio de sol, são técnicas que os seguidores de Bates usam para melhorar a miopia. Recordando isto, vejo que tinha necessidade de ver mais viva e claramente. Para mim, ver é crer. Eu gostaria de me descrever como uma pessoa visualmente orientada e isto explica meu interesse na expressão corporal.
PROBLEMAS DOS OLHOS E A BIOENERGÉTICA
O distúrbio ocular mais frequente é a miopia. É tão comum que, estatisticamente, é quase uma condição normal. Neste sentido pode ser comparada com a dor na coluna e a depressão, que muitas autoridades no assunto consideram normal na nossa cultura quando não inutilizam a pessoa. Parece-me que estamos nos tornando tão aleijados, emocional e fisicamente, que a tendência é considerar a saúde uma anormalidade. Infelizmente, ser saudável está se tornando uma raridade.
Muitas pessoas que usam óculos estão conscientes de que, se por um lado os óculos melhoram a visão, por outro interferem ou bloqueiam o contato dos olhos.
Quando trabalho com pacientes, peço que tirem os óculos para que eu possa ler a expressão de seus olhos e entrar em contato com eles. Em alguns casos, estas distorções são grandemente reduzidas à proporção que as tensões diminuem. Tenho visto notáveis mudanças operadas nas pessoas em função dos exercícios e da terapia bioenergética. Conheço uma pessoa que superou completamente sua miopia, através do método Bates. Uma das dificuldades de se trabalhar com olhos míopes é que a tensão dos músculos do olho não são acessíveis ao toque e à pressão. A dificuldade de se usar o método Bates é que ele exige o compromisso com um programa intensivo de exercícios que as pessoas parecem incapazes de cumprir. Mesmo se não levarmos em conta estas dificuldades, permanece o fato de que a miopia deve ser melhorada. Tenho visto acontecerem melhoras só em função de uma dramática sessão de terapia. Infelizmente, esta melhora é temporária. Contudo, alguns pacientes relatam que alguma melhora sempre fica durante a terapia bioenergética.
A Bioenergética lida com as estruturas corporais e busca compreender esta estrutura dinamicamente, no sentido das forças que a criaram.
Reich afirmava que a estrutura é o movimento congelado e embora este seja um conceito amplo e filosófico, tem uma aplicação prática nos casos em que a estrutura se desenvolve em função daquilo que geralmente chamamos de traumas psicológicos. Por isso, é verdade que os olhos míopes são exageradamente abertos e fixos. Há pouca mobilidade no globo ocular. Os músculos do olho são contraídos e tensos. Se pudéssemos restaurar a mobilidade do olho, poderíamos reduzir substancialmente a miopia. Para isso, contudo, precisamos entender a expressão dos olhos míopes.
Os olhos arregalados e o globo ocular ligeiramente saliente, típicos da miopia, é uma expressão de medo. Um medo extremo deve ter causado esta expressão na pessoa míope. O indivíduo míope, entretanto, não sente nenhum medo, nem tem consciência da relação entre seus olhos e este sentimento. A razão disso é que o olho míope está num estado parcial de choque e, portanto, impedindo que qualquer emoção seja registrada por este órgão.
Não é difícil explicar este medo. Quando uma criança percebe a raiva ou o ódio nos olhos de sua mãe, seu corpo experimenta um choque, particularmente nos olhos. Este olhar de um dos pais equivale a um tapa no rosto. Muitas mães têm consciência do olhar que lançam a seus filhos. Vi, uma vez, uma mãe olhar sua filha com um tal olhar de ódio que me assustou. A menina não prestou atenção. Pode ter sido um fato corriqueiro para ela, e a mãe logo esqueceu aquele olhar. Mas imagino quantos problemas na personalidade da filha tiveram origem naquele olhar. A menina era míope. Desde aquele dia ela bloqueou qualquer lembrança da expressão de sua mãe, mas seus olhos ficaram arregalados de medo.
Cada situação de medo é um choque momentâneo para o organismo. Tanto o medo quanto o choque produzem contração do corpo. Geralmente, o corpo responde a este estado de contração com um desabafo violento – chorando, gritando ou agredindo. Estas reações liberam o corpo do choque e do medo, e então os olhos retornam a sua condição normal. Como será se este relax não acontecer? Isso pode acontecer quando a raiva ou a irritação da mãe é provocada pelo choro, pelo grito ou pela malcriação da criança, mais do que quando a hostilidade da mãe é continuamente experienciada pela criança. Pessoalmente experimentei tal choque aos nove meses e ele teve um efeito duradouro sobre mim. Felizmente este fato não se repetiu. Minha mãe me olhava, na maioria das vezes, com um olhar de afeto, pois eu era a “maça” de seus olhos. Mas, nem todas as crianças têm esta sorte. Se uma criança prevê um olhar hostil de um dos pais, seus olhos tendem a permanecer arregalados de medo. Os olhos arregalados, como já disse anteriormente, ampliam o campo da visão periférica, mas reduzem o campo da visão central. Para recuperar a sua acuidade visual, a criança deverá, forçosamente, contrair os olhos, criando uma situação de rigidez e constrangimento. Há ainda um outro elemento: os olhos arregalados de medo têm a tendência de revirar para cima. Esta tendência também deve ser superada por um esforço de vontade, pois a criança tem que manter os olhos em foco. Porém, o constrangimento destes esforços não pode perdurar indefinidamente. Num dado momento, os músculos do olho se cansarão e a criança desistirá de fazer força para ver.
A miopia se instala quando esta compensação falha. Isso dependerá de muitos fatores, inclusive da energia da criança e da quantidade de estresse que ela suporta em casa. Na maioria dos casos, a descompensação aparece entre os 10 e os 14 anos, quando o desenvolvimento da sexualidade reativa velhos conflitos e cria novos. A tentativa de manter uma visão acurada falha, e os olhos se tornam arregalados de medo novamente, mas desta vez o medo não é de natureza específica. Uma nova defesa contra o medo é construída num nível inferior. Os músculos da base do crânio, particularmente os da região occiptal e abaixo do maxilar, contraem-se para interromper o fluxo de energia para os olhos. Este anel de tensão é encontrado em todos os casos de miopia. Psicologicamente, a criança se encolhe num espaço menor e mais confinado, e se isola do problema.
Pelo fato da miopia ser um estado de choque, os exercícios especializados, como os do método Bates, embora úteis não resolvem completamente o problema. A eficácia destes exercícios pode ser grandemente aumentada se as tensões da base do crânio e em torno dos maxilares forem relaxadas para permitir um fluxo maior de energia e de excitação para os olhos. É muito importante trazer à tona o medo latente para ser vivenciado e liberado. Este é o fundamento da Bioenergética com relação ao problema da miopia. Esta abordagem é limitada apenas pelo fato de que a maioria dos pacientes tem tantos problemas e tensões que exigem atenção, que não podemos dar ao problema dos olhos o tempo necessário.
Devemos admitir que, a despeito de tudo que dissemos sobre as diferentes atitudes defensivas, há casos em que a miopia não se desenvolve, apesar das condições favoráveis para isto. Já vi pacientes cuja experiência de vida apresenta igual ou maior quantidade de medo, mas que não são míopes. Não creio que a diferença seja devida à hereditariedade. Quando o choque da criança, em razão da hostilidade ou rejeição dos pais, é mais grave, o corpo todo é afetado. A criança pode apresentar uma paralisia que reduz todo sentimento a um nível mais profundo, limitando todas as formas de auto-expressão. Isto é muito comum nos indivíduos esquizóides. Seu nível de energia diminui, a respiração fica restrita, a mobilidade é pouca. O conflito é retirado da área dos olhos e localizado no corpo inteiro. Aparentemente, os olhos ficam arregalados porque a pessoa bloqueia inteiramente seu mundo inter-pessoal, e não apenas o mundo visual. Porém, embora os olhos da pessoa esquizóide possam não ser míopes, eles também não são energizados e nem expressivos. Sua função visual é restringida pela dissociação da função da expressão emocional.
A terapia bioenergética, com relação ao problema dos olhos para a expressão do sentimento, tanto é geral como específica. Como nos problemas de mobilidade e de expressão vocal, o nível de energia do indivíduo deve ser aumentado através da prática de uma respiração completa e profunda. Isto não somente aumenta a sensação corporal e do sentimento, como também proporciona a energia extra necessária para carregar os pontos periféricos de contato com o mundo, inclusive os olhos. A respiração tem um efeito positivo sobre os olhos. Depois de exercitarem uma respiração profunda através dos vários procedimentos bioenergéticos, os olhos da maioria dos pacientes ficam notavelmente mais brilhantes. O próprio paciente comenta a melhoria da visão. Os exercícios de grounding também ajudam muito neste processo.
O aumento do sentimento resultante do aprofundamento da respiração geralmente encontra manifestações na expressão vocal. Frequentemente estes sons se transformam em soluços. As mulheres choram com mais facilidade do que os homens, porém o choro, em geral, indica que a pessoa está entregue e chama por “mamãe”. Esta atividade sempre desperta o desejo e a tristeza, e sempre, também, termina em choro. Às vezes é preciso relaxar a tensão dos maxilares e da garganta para liberar o choro. Todos nós temos boas razões para chorar. Todos nós fomos profundamente feridos e carregamos conosco a tristeza. O choro relaxa o corpo, permitindo que as ondas de excitação fluam através dele e as lágrimas, por outro lado, relaxam os olhos. Depois de um choro profundo, os olhos da maioria dos pacientes tornam-se claros e brilhantes como um céu lavado pela chuva. As mulheres que se sentem atraídas pelo comando, no final de uma experiência como esta, exclama: “Eu devo estar muito desarmada”. O contrário disso, são aquelas mulheres que ficam bastante surpresas ao se olharem no espelho e verem seu verdadeiro aspecto.
A terapia específica para os problemas da vista exige o conhecimento dos caminhos do fluxo de energia para os olhos. Há dois caminhos sobre os quais vou falar e retratar numa figura.
Um dos caminhos é ao longo da parte da frente do corpo, partindo do coração para a garganta e da face para os olhos. O sentimento que está associado a este fluxo é o desejo de contato que se serve dos olhos para sentir e tocar. O segundo caminho é ao longo das costas e para cima, partindo da cabeça em direção à fronte e aos olhos. Este fluxo acrescenta um componente de agressividade ao olhar. Este processo é bem definido pela expressão “penetrar com os olhos”. No olhar normal estes dois componentes estão presentes em diferentes graus. Se o comportamento afetivo relacionado com o desejo foi tolhido, o olhar se tornará duro e até mesmo hostil. É tão forte quanto empurrar a outra pessoa. Se o componente de agressividade for fraco, o olhar será de apelo, mas não atingirá o outro. Ambos os componentes são necessários para um bom contato dos olhos.
Obs: Este texto, autorizado pela editora Summus, consta do livro, páginas 244 a 255,
Bioenergética de Alexander Lowen, Editora Summus.
1 Comment
Eu andei pesquisando na internet sobre olhar demoníaco, e a postagem mais interessante que encontrei foi esta, pois tinha frequentemente um sonho que me aterrorizava de um olhar que me causava horror, sempre de mulher, como se pudesse enxergar minha alma.