Eu tenho a bondade de minha avó, a inteligência e a malícia de meu avô, a violência de meu pai, o savoir-faire de minha mãe, o amor de cada uma das mulheres que deu ânimo a minha caminhada. De alguma maneira, eu sou portador dos sonhos de todas essas pessoas que fizeram parte de minha vida.
Desses traços de caráter, eu me apropriei sem me dar conta. Foi mais forte do que eu. Mas, influenciou, também, nessa construção, a guerra nos tempos da infância, levando a família a viver em constante mudança. Sua composição variava de acordo com essas mudanças sucessivas e era marcada pela precariedade dos tempos da guerra.
Enfim, eu não sou o fruto apenas de um casal, mas de uma família maior, de um clã, de um meio, de uma época particular, de uma cultura, de tantos antagonismos, de “deslocamentos”. É como se o triângulo edipiano fosse arrebatado pela força dos ventos que sopram a cada tempo, a cada contexto de uma época, a cada encontro possível.
Em suma, eu sou tão complexo quanto minha estrutura de caráter.
Vejamos o acontece na Rússia
Tatiana diz: “A vergonha está em mim.” Na realidade, foi sua mãe que, na condição de mãe solteira, carregou sobre si um “manto de vergonha”, do qual sua filha se apropriou.
Ao mesmo tempo, sua família maior é incapaz de reagir aos excessos de sua mãe, de sua loucura, e fez da garota um ídolo: odiada pela mãe, amada pela avó e bajulada pelos demais.
A loucura circula. A garota está presa num turbilhão. Ela fará tudo para se tornar forte, grande, ativa e generosa. Mas, precisa de chão, de aterramento, comum e vital para todos; de se tornar capaz de chorar e de reconhecer: “eu preciso”.
Tatiana é paradoxalmente rica dessa louca aventura familiar.
Nós não somos apenas filhos e filhas de nossos pais. Somos o resultado de um contexto humano, de um tecido social, de uma rede familiar, de múltiplas correntes que nos ancoram e solidificam o nosso caráter, o nosso temperamento.
Para o melhor ou para o pior …
Pois a vida está além da estrutura …
Deixemos nos levar…
J.M. Guillerme
Moscou, abril/2014