Gustavo Rihl Kniest – Psicólogo –
Gostaria de iniciar esta reflexão, citando uma idéia que fora ventilada no “VI Congresso de Psicoterapia Corporal”, realizado em Curitiba, em abril de 2001:
O profissional de psicologia que não estiver engajado na pesquisa científica, irá desaparecer, pois haverá(ao) área(s) científica(s) que tomará(ão) este lugar se não o ocuparmos.
O mais importante, ao meu ver, é a iniciativa de acabarmos com o conhecimento pseudo-científico que, principalmente na área psicoterápica, é muito comum (em posicionamentos pessoais inflamados), como por exemplo o mito de que a homossexualidade é um desvio, inversão, doença.
O próprio CFP – Conselho Federal de Psicologia, há pouquíssimo tempo atrás, teve que homologar uma Resolução (nº 001/99, de 22/03/99), devido à atuação inescrupulosa de profissionais psi, onde fica proibido (vetado, se preferirem) ao psicólogo, enquanto profissional pertencente e participante de uma categoria, de referir-se à homossexualidade como doença, ou de fazer qualquer propaganda de tratamento, e muito menos cura, para paciente(s) dito(s) homossexual(is). Isso não acaba com o preconceito, mas, como diz Júlio Nascimento (Psicanalista e Especialista em Sexologia humana), “impede de travestir uma crença aprendida culturalmente de verdade objetiva baseada em uma análise de profissional especialista no assunto.”
Homossexualidade não deve ser vista como doença nem do indivíduo, nem da sociedade, mas como uma possibilidade de desenvolvimento na esfera sexual (que é apenas uma das facetas do ser humano), onde haverá uma prática a nível de sexualidade diferenciada da heterossexualidade (man)tida como normal.
Mas o que é o normal mesmo?
Normal é tudo aquilo que é aceito enquanto padrão de comportamento pela maioria na sociedade. Só porque é manifestado pela maioria (como o caso da heterossexualidade) algo deve ser normal com exclusi Se ser normal é isso, o psicopata, o comportamento narcísico, é o mais normal que existe, pois vivemos em uma sociedade narcisista (não é?)!
Ao meu ver, o que acontece é uma não aceitação (ou pelo menos muito pobre) de condutas sexuais que se diferenciem da moda estatística. Reclama-se da conduta feminilizada, emasculada, do homossexual masculino (no termo politicamente correto – gay), mas será que, se a sociedade, como um todo, começasse a encarar a homossexualidade como uma possibilidade (ou pelo menos se preocupar com coisas mas práticas e necessárias à vida em sociedade), com aceitação real, seria necessário ao homem que se percebe diferente do modelo masculino vigente (racional, agressivo, insensível, braçal, chauvinista, etc) se dissociar de seu gênero, no comportamento, e assumir posturas “femininas” para poder se relacionar com outro homem? Talvez não, só a sociedade mudando é que poderíamos comprovar. Por enquanto não passa de mera conjectura diletante… Se isso acontecesse, hipoteticamente, o homossexual masculino não necessitaria se ver e ser diferente de outro homem heterossexual; apenas teria relações sexuais com uma pessoa de mesmo sexo.
Mas também não podemos deixar de ver que já há avanços neste sentido, pois tendo em mente o passado, onde pessoas eram presas e desacreditadas publicamente somente pelo fato de serem homossexuais, percebemos que hoje há homossexuais (diferenciados aqui por mera questão didática) em cargos políticos, médicos, dentistas, psicólogos, psicanalistas, juízes, advogados, professores, empresários, assistentes sociais, filósofos, escritores, atores, religiosos, enfim, referendando que o homossexual é muito mais que mera prática sexual – ao se levantar da cama se é humano e cidadão, com posturas, idéias e valores como outro qualquer. Outro diferencial positivo é o fato de que, em países desenvolvidos (ditos de 1º mundo), como por exemplo a Holanda, já é possível o casamento entre pessoas de mesmo sexo, assegurando todos os direitos do casamento heterossexual, como por exemplo o direto à adoção de filhos (no Brasil existe um Projeto de Lei da Senadora Marta Suplicy que trata do reconhecimento legal, em termos jurídicos, da relação entre pessoas do mesmo sexo). A mudança social é responsabilidade de todos: homo e heterossexuais.
Geralmente, o homossexual é visto como uma pessoa que tem problemas. Quem não os têm? Mas um heterossexual levará a problemática do homossexual, obviamente, para a dimensão sexual, tratando-o preconceituosamente como desviante, problemático em sua sexualidade que deveria ser normal – heterossexual. Daí pensar-se em homossexualidade enquanto desvio.
Mas afinal, já que estamos falando no tocante à psicologia, mais especificamente à psicoterapia, o problema terapêutico deve ser problema para quem, paciente ou terapeuta?
Na minha concepção, e na de muitos teóricos e profissionais, o problema terapêutico deverá sê-lo para o paciente, caso contrário quem tem um problema é o terapeuta e este não poderá ajudar seu paciente… Hipócrates já aconselhava aos médicos: “transforme duas coisas em hábito – ajudar ou, pelo menos, não fazer mal”!
Não há dúvidas de que possa chegar um paciente homossexual que diga ter um problema sexual, mas devemos pesquisar qual o sentido que ele está dando a esse sexual: pode ser o sentido fisiológico (impotência ou frigidez), pode ser a nível de identidade (papéis sexuais ativo-passivo, papéis sociais homem-mulher), ou talvez a nível de relação (amoroso, família, sociedade), e assim por diante.
Há uma tendência, inerente ao ser humano, até para que este se defenda das ameaças da vida, de sempre esperar algo conhecido previamente (não é à toa que existem profissionais que, de forma reducionista e simplificante, adoram as facilidades terapêutico-metodológicas que a Análise Bioenergética os oferece através da classificação dos 5 caráteres básicos com os quais “diagnosticam” seus clientes e propõem um “tratamento padronizado”). É ótimo, mas nos esquecemos, às vezes, que a cada momento há potencialmente uma situação desconhecida ser vivenciada, pois estamos diferentes a cada momento (até nosso corpo é completamente substituído por novos componentes a cada 10 anos aproximadamente) e cada indivíduo interpreta e responde às situações da vida de formas diferentes (o que pode ser bom para alguém, como por exemplo o casamento para o noivo, pode representar algo ruim na vida de outra, como por exemplo, aproveitando a mesma situação, para a mãe do noivo, que pode sentir esta situação como uma perda do filho, pilar importante em sua vida, podendo adoecer e até morrer como conseqüência).
Como profissionais comprometidos com o desenvolvimento do ser humano, através da ciência, práxis científica, temos por obrigação desenvolver e propagar o olhar crítico da vida e das teorias científicas. Aliás, uma condição para que uma proposição seja científica é a de que seja refutável, ou seja, verdadeira e falsa ao mesmo tempo para que se possa, através da experimentação (e daí a importância da citação no início do texto) a nível de pesquisa científica, ser comprovada ou não. Uma coisa interessante é que a ciência moderna buscava soluções e certezas, enquanto a ciência contemporânea busca proposições na incerteza (os livros de Ilya Prigogine, físico contemporâneo, são referências nesse assunto).
Lowen, ao meu ver, como todo precursor de uma forma de pensar, de uma teoria e médoto, teve que polemizar, extremizar seu discurso para poder se fazer compreendido em sua diferença. Além disso, seu referencial teórico sobre os comportamentos sexuais encontra-se em “Amor e Orgasmo – Guia revolucionário para a plena realização sexual”, livro escrito em 1965, editado no Brasil somente em 1988. Isto nos faz pensar que alguns de seus pensamentos, que hoje podem ser interpretados como preconceito, remontam àquele período – muito conhecimento acerca dos comportamentos sexuais já foi produzido após o lançamento deste livro. Cabe a nós, continuadores de seu pensar, destrincharmos seu pensamento (além de outros que o sucederam) e analizarmos seu conteúdo e aplicabilidade. Nenhuma teoria dá conta de tudo nem é estagnada. Somos humanos, falíveis, mutáveis, mas nem por isso devemos nos desacreditar, mas sim buscar sempre o conhecimento, o qual se atualiza eternamente.
Reich já dizia “o amor, o conhecimento e o trabalho são as fontes da vida, deveriam também governá-la!”, então por quê nós seríamos aqueles que não os desenvolveríamos?
O Psicoterapêuta Corporal, seguidor e representante do Ideal Reichiano, deve contestar os tabus (principalmente sexuais) para o trabalho com a(s) verdade(s) humana(s).
João Pessoa, maio de 2001.
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