Participação: Diálogo – Título: O futuro é agora.
OSWALDO GUIMARÃES
Psiquiatra, Terapeuta certificado em Análise Bioenergética (CBT)
O futuro é agora
Tudo o que somos, tudo o que efetivamente nos pertence está no presente.
Como zona de convergência, ou mais propriamente, de encontro, o presente admite uma metáfora 300-209 espacial, ao lado da sua imediata denotação temporal. Numa fórmula sintética, os limites do presente confundem-se com os limites do próprio corpo, este para além de uma estreita, e algo desajustada, «vestimenta» física.
O corpo, como sabemos – como herdeiros da psicanálise, mas principalmente, como seus críticos, a partir de Reich e Lowen -, também «incorpora» a mente, numa tessitura que é tanto energética quanto discursiva, que é tanto matéria quanto memória.
Mas se dentro da prática terapêutica as marcas do tempo e do próprio corpo são indissociáveis, no discurso místico essa relação se extrapola: a experiência do presente numa experiência da
074-344 eternidade, e a experiência individual do corpo numa vivência da plenitude do «corpo de deus», cuja imagem célebre é a do círculo, do qual o centro está em toda a parte e em parte nenhuma.
É o que parece ecoar no pensamento de Krishna que, no Bagvadad-Gita, diz a Arjuna, seu amigo guerreiro: «nunca houve um tempo em que eu não tenha existido, nem você. Nem haverá qualquer futuro em que deixemos de ser».
É a partir de uma série de fantásticas metodologias corporais que as mais diversas vertentes místicas irão induzir uma percepção hiper-aguçada do corpo e do tempo, um dueto, não um duelo.
Ressalte-se, ainda, que a nova «ordem» – o sentido original da palavra «cosmos» – descrita pela física quântica, colocou em xeque os conceitos clássicos que regiam as relações entre a pessoa e seu tempo. Por conseguinte, não apenas o tempo é sabidamente relativo, como «singularidades» se produzem no tempo que «negam», por assim dizer, a progressividade e a consecutividade lógica entre o passado, o presente e o futuro. Além disso, a pessoa não pode ser doravante vista como uma abstração desvinculada da experiência, mas passa a ser vista como presença que necessariamente modifica, que mesmo «cria» a experiência.
De todos esses ensinamentos, nos interessa sobretudo o fato de que assim como o presente é o tempo onde se dá a construção de todo evento «futuro», o presente também será o tempo por excelência da libertação das cadeias que tanto mantêm o passado vivo quanto o sujeito preso ao passado. Não é novidade para ninguém, especialmente para nós, que a experiência do tempo e do próprio corpo pode ser bastante difícil. Como escreveu Borges, «… o hoje é fugaz e eterno: outro céu não esperes, nem outro inferno».
Na verdade, estamos falando do que deve ser entendido como o nosso tempo interior, o nosso mundo interior, daí a consciência de que a eternidade não é o futuro nem o passado. A eternidade é agora.
Joseph Campbell uma vez apontou como uma necessidade primordial do indivíduo aquela de manter um «sentimento de assombro e gratidão ante o que é e que para sempre será o mistério do ser, o mistério do mundo». O encontro com esse mistério não será viver exata e plenamente o nosso agora?
Assim, a eternidade, segundo nos provoca Campbell, não se insere em absoluto na natureza do tempo, mas, está inscrita numa dimensão do «agora e para sempre», uma dimensão da consciência do ser que devemos descobrir e experimentar interiormente.
Mas, novamente, a questão essencial se coloca: que lugar é esse onde nos encontramos «agora e para sempre», senão primordialmente em nosso corpo?
No entanto, a ênfase na dimensão corporal se afasta do mero «culto» ao corpo, e de uma interpretação individualista e hedonista: a verdadeira consciência corporal só se constrói a partir da relação. É na relação com o mundo e com os outros que nos abrimos para uma experiência profunda do próprio corpo, e portanto, do tempo.
A comunhão com o outro e com a natureza passa, obrigatoriamente, pelo reconhecimento desse agora e para sempre em que todos vivemos simultaneamente.
Temos um encontro marcado com nosso corpo, um encontro marcado no presente, do qual não podemos fugir, e a partir do qual podemos caminhar para o próprio céu ou para o próprio inferno.
De um círculo vicioso que, infelizmente, talvez uma certa forma de psicoterapia não ajude a quebrar, ou seja, a perversa manutenção do sujeito entre o passado e o futuro, aquele o tempo da doença e este o tempo da cura, só podemos escapar fazendo no presente uma porta aberta para o novo, para os outros através da experiência libertadora do amor.
Se o amor é a prova final da nossa capacidade de nos relacionarmos, ele é a senha que nos admitirá nesse encontro do nosso corpo com o presente sem medo, sem fuga.
Enfim, em relação à questão fundamental de construirmos no mundo atual um lugar melhor para toda a humanidade, melhor no sentido do equilíbrio, da preservação, sem esquecer da felicidade, quero enfatizar a importância da nossa possível contribuição para ajudar as pessoas a encontrarem essa dimensão na sua relação consigo mesmas, com os demais, e com a Terra.
O homem que vem da natureza e que, tal como a conhecemos, pode destruí-la e destruindo-se no processo, precisa saber que na história do nosso planeta ocupa uma parcela insignificante do seu tempo: estima-se em cerca de 5 bilhões de anos o tempo da sua experiência, de cerca de 2 a 3 milhões de anos para o aparecimento da espécie humana, e de cerca apenas de 20 a 50 mil anos para o aparecimento do homo sapiens.
Portanto, é certo que a natureza em muito nos antecede, e que a Terra certamente nos sobreviverá.
É urgente, sem dúvida, que nos tornemos conscientes de nós mesmos, nessa dimensão que é agora, e é dessa iluminação de cada um que nascerá um verdadeiro cuidado com o outro e com a nossa casa nos Cosmos.
Neste instante, eu me torno responsável por tudo e por todos.
Obrigado.