O DESENVOLVIMENTO DA TEORIA REICHIANA
Quando Reich alcança a psicanálise, em 1920, cursando o penúltimo ano de medicina, a maioria dos conceitos psicanalíticos está bem desenvolvida, assim como a técnica da livre associação já ocorre tal e qual a conhecemos atualmente. O acolhimento por parte da psicanálise às questões sexuais foi o que mais interessou Reich nesses estudos. Em seus estudos anteriores à psicanálise, buscou guarida para suas dúvidas sobre a importância da sexualidade na formação do psiquismo.
Entretanto, não encontrou nada que o satisfizesse.
Ingressou no seleto grupo de estudos de Freud e passou a trabalhar como psicanalista.
Pensar na sexualidade é pensar nas diferentes maneiras de vivenciar o prazer. A libido na psicanálise tem a conotação de energia sexual, ligada às pulsões sexuais, como energia buscando fluxo, buscando um caminho de resolução. Freud define a pulsão como um fluxo contínuo; é uma força constante interna ao organismo, da qual não se pode escapar. Reich segue esse mesmo caminho e desenvolve sua teoria da análise do caráter tomando o conceito de libido como energia sexual. No primeiro momento, a teoria reichiana se chama economia sexual.
No decorrer de sua prática clínica, Reich encontrou grandes dificuldades com a aceitação da regra básica da psicanálise: a livre associação. Alguns pacientes seguiam essa regra e faziam associações valiosas para o processo analítico. A maioria, contudo, não seguia a regra e apresentava forte resistência que, para Reich, significava “resistência” à eliminação do recalque. Chamou essa resistência de “contrainvestimento” do ego (uma força inconsciente que se opões ao desejo de análise).
Exatamente em cima dessas dificuldades é que Reich vai desenvolver a técnica da análise das resistências e, como consequência disso, a teoria da análise do caráter. É no desenrolar da prática que Reich cerifica a limitação da técnica de livre associação. Busca então outra solução para a prática clínica, a qual vai denominar análise do caráter.
A teoria da libido foi, para Reich, o grande ponto de apoio para a teoria da análise do caráter. No desenvolvimento libidinal ele encontrou também o estabelecimento e a estruturação do caráter, ou seja, o caráter teria sua formação, mas diferentes fases do desenvolvimento libidinal, de acordo com as experiências vividas.
O desenvolvimento da criança se dá tanto do ponto de vista fisiológico como do ponto de vista psicossexual. O desenvolvimento psicossexual se inicia com o autoerotismo (gratificação direta das pulsões parciais), quando a criança tem o próprio corpo como objeto; nesse momento, o pequeno busca gratificação imediata, tocando, chupando diferentes partes do corpo no momento em que se sente excitado para isso. Depois passa pelo narcisismo primário, quando ocorre o surgimento da estrutura psíquica conhecida como ego, e, por fim, direciona-se a um objeto externo, caminhando em direção ao amor objetal. Isso se dá no momento em que as pulsões parciais se submetem ou são submetidas à primazia da genitalidade.
Para a psicanálise, o relacional é tido como um acontecimento entre sujeito e objeto. O objeto de amor de uma criança, na fase fálica, de acordo com a cultura, é incestuoso, ou seja, é o amor pela mãe ou irmã, pai ou irmão.
Segundo Reich, Freud vê no Édipo o complexo nuclear das neuroses. Justifica isso apontando que, no desenvolvimento infantil, a criança necessariamente fica com a resolução libidinal comprometida para seu primeiro objeto de desejo, assim como tem de se subjulgar à vontade/autoridade do pai, dessa maneira ficando impedida, nesse momento, de direcionar a libido para um objeto sexual externo. Tanto para a psicanálise como para Reich, o complexo de Édipo se apresenta como estrutural para o psiquismo e vai desempenhar papel fundamental também na estruturação do desejo. É o momento definitivo para a futura organização psicossexual, em que as pulsões parciais deverão dar lugar à prioridade da zona genital. Do ponto de vista do direcionamento da libido, há uma primazia para os órgãos genitais. Nessa fase, manifestam-se os rudimentos da futura organização sexual, na qual a busca do prazer envolverá o todo e não apenas o prazer de órgão, assim como a preocupação com o prazer do outro, não apenas o próprio. Esse assunto é muito complexo e envolveria muito mais que a simples noção mencionada aqui.
A grande questão, para Reich, é que esse pai/mãe está ali como representante da cultura, ou seja, a proibição como uma resolução da cultura e não como um determinismo biológico. Nessa medida, o complexo de Édipo pode ser visto como uma formulação repressiva da cultura e não algo da natureza do psiquismo. Reich vê na opressão da cultura a origem das dificuldades para o homem se desenvolver livremente, e não algo inscrito de modo determinista em seu psiquismo.
A repressão da sexualidade entraria como um componente fundamental na formação do caráter.
Do ponto de vista do desenvolvimento psicossexual, antes da fase fálica, o prazer que o bebê sente ao sugar o leite da mãe é socialmente aceito, pois é visto como necessidade de se alimentar,assim como, na fase anal, o prazer da criança em defecar ou fazer a sua “obra” também é socialmente aceito; diz respeito à higiene, e isso é ignorado como zona erógena. Na fase fálica, porém, isso não está mais escondido. O prazer de órgão está voltado para os genitais. A sexualidade fica explícita, uma vez que a criança, que se expressa livremente, antes de introjetar a repressão da cultura, o faz em relação ao seu genital.
É nesse momento que a repressão sexual se explicita. E, n o conflito com seu meio, o pequeno ser acaba estruturando sua maneira defensiva, isto é, seu caráter.
A repressão provém da memória de experiências dolorosas vividas anteriormente e que hoje não podem chegar à consciência. O que causa a repressão é uma impossibilidade de elaboração psíquica para uma determinada situação.
Então, a condição básica para a repressão é a presença de um conteúdo não elaborado que traz angústia e que é mantido, então, sem representação simbólica.
Reich segue dizendo que o que decorre da insatisfação libidinal é a frustração. O efeito patogênico da frustração se dá quando há um único objeto de desejo ou uma única forma de gratificação. Quando é possível uma compensação por meio de outra forma de gratificação, temos, então, a sublimação. Nesse caso, os objetivos sociais estão acima dos sexuais.
Ocorre que as pessoas têm capacidade limitada de sublimar. Também a satisfação fica presa a um pequeno número de objetos e fins. Isso interfere na mobilidade da libido. Em suma, na etiologia da neurose, a fixação libidinal – fixação em uma fase do desenvolvimento psicossexual- apresenta-se como fator interno e a frustração, como fator externo. Esses dois fatores são igualmente preponderantes na causa das neuroses.
Conclui Reich, assim, que há três fatores na etiologia das neuroses: a frustração, a fixação da libido que busca um caminho de escoamento e a tendência ao conflito entre as forças do ego e a energia libidinal – ou seja, a frustração á realização do desejo sexual; a fixação da libido em um momento do desenvolvimento, que procura apenas esse tipo de gratificação; e o conflito entre as estruturações defensivas do ser e a energia libidinal que pede passagem.
Da mesma forma, como a libido percorre essas fases, sofrendo intervenções e influências do contato com o meio, também o caráter vai ter sua formatação de acordo com o grau, maior ou menor, de fixação em cada um desses momentos.
A base da formação do caráter está na maneira como o sujeito dá uma resolução para a situação enfrentada, isto é, na consolidação de um jeito particular de lidar e funcionar com situações que venham a reproduzir is sentimentos daquele primeiro momento. É uma resposta defensiva que é vivida pelo consciente como algo constitucional e não fruto de uma fixação neurótica. A formação do caráter se dá no conjunto de mecanismos de defesa que se repetem a cada nova situação; há um investimento em defesa e não em busca de vivenciar o prazer.
Os mecanismos de defesa passam a ser preponderantes, independentemente do conteúdo.
A finalidade desses mecanismos de defesa seria preservar o ego das exigências internas e externas. Seria o caráter o defensor do ego quanto às solicitações do id e as restrições do superego.
Os mecanismos de defesa utilizam-se da energia disponível não para obter prazer, mas tranquilidade. É um investimento energético em paralisia, em conter o fluxo, em permanecer estático para não sofrer. Os mecanismos de defesa nos protegem na angústia. Com eles, perdemos parte de nossa vida psíquica, embora o restante continue funcionando. Mas há uma perda na capacidade de usufruto da vida.
Reich denomina a formação do caráter de encouraçamento, por essa formação restritiva da mobilidade do psiquismo como um todo. Os fluxos vitais espontâneos se detêm diante da rigidez da couraça. O autor observou que, assim como há um enrijecimento no psiquismo, também lhe corresponde um enrijecimento no corpo, ou seja, as tensões que objetivam defender o corpo das vicissitudes da vida se cronificam. Assim, o corpo não perde a estrutura defensiva, mesmo que não esteja ameaçado. As tensões crônicas enrijecem i corpo, que, da mesma forma como está defendido de receber sensações prazerosas. A couraça limita a mobilidade e diminui a amplitude das sensações. Tende a respostas automáticas e percepção reduzida.
Há um estancamento da energia vital, limitando o seu fluxo e a vitalização do organismo.
A energia da qual estamos falando é a energia vital, aquela que possui qualquer ser vivo, enquanto está vivo. Sobre energia nos diz Lowen (1982): “a energia está envolvida em todos os processos da vida, nos movimentos, nos sentimentos e pensamentos, e os mesmos chegariam ao fim se a fonte de energia para o organismo se esgotasse”. Essa energia advém dos alimentos, da respiração e dos processos metabólicos vivenciados por cada ser vivo. Ela produz o calor que aquece os corpos e também oferece energia para os movimentos corporais, metabolismo e processos mentais. A disponibilidade de energia que cada ser possui e como ele irá utilizá-la determinarão tanto os seus processos fisiológicos como mentais e emocionais.
Não se pode pensar a energia sem pensar na carga e descarga dessa energia. A vida necessita de um equilíbrio entre carga e descarga. Na psicoterapia corporal, a principal forma de trabalhar com a carga é por intermediário da respiração, mas se trabalha também com exercícios e massagem.
Pensar em energia nos leva também a pensar no fluxo dessa mesma energia. É o fluxo da energia vital que dá a qualidade de vivo; fluxo como circulação dessa mesma energia, como movimento. A forma mais ilustrativa para falar em fluxo é fazer uma analogia com o fluxo sanguíneo, que percorre todas as células do organismo vivo, levando nutrientes e oxigênio para a combustão em cada célula, assim como recolhendo detritos que não mais são necessários ao seu funcionamento.
A circulação da energia vital deveria ser constante e fluída, mas não é sempre assim. Na medida em que o organismo interage com o meio, desenvolve o que Reich chamou de couraça. Existe uma couraça muscular, que são os mecanismos de defesa organizados em forma de contração crônica, e existe também uma couraça caracteriológica, que se refere ao conjunto de mecanismos de defesa atuando no sistema emocional. Sendo assim, o psíquico é indivisível; atua tanto no corpo como no mental com a mesma energia.
É exatamente esse conjunto de mecanismos de defesa atuando tanto no corpo como nos psiquismo que aumenta ou diminui o fluxo de energia vital no organismo. Na medida em que o indivíduo entra em contato com as suscetibilidades da existência, arma-se ou desarma-se inconscientemente, diminuindo ou aumentando a circulação da sua energia vital.
A SEXUALIDADE NA PSICOTERAPIA CORPORAL
Embora, este capítulo trate da sexualidade, é necessário esclarecer que a psicoterapia corporal trata o paciente como um todo, não apenas as suas questões sexuais. A psicoterapia corporal se atém a todas as possibilidades de liberação de fluxo para uma vida mais afirmativa.
No século XX ocorreu uma verdadeira revolução sexual, mas essa mudança teve uma característica quantitativa e não qualitativa. A repressão sexual é um fator frequentemente limitador da expressão livre da sexualidade até os dias de hoje, ainda que, depois de mais de 100 anos da invenção da psicanálise, tenha passado por muitas modificações. Já não se encontram mais as mesmas manifestações histéricas que levaram ai surgimento da psicanálise, mas outras manifestações da repressão sexual estão presentes atualmente.
Nunca ocorreu tanta exacerbação do corpo e de apelos sobre a sexualidade por intermédio da mídia e das manifestações dos valores dessa época. Isso, no entanto, não corresponde a uma libertação sexual; ao contrário, é até um indicador de que novos tabus foram e estão sendo criados.
Se, no passado, os sentimentos sexuais tinham de ser reprimidos por uma moral vigente que ditava os “bons costumes”, agora uma mesma moral diz de que forma o sexo e a sexualidade têm de ser vividos. Não parece existir nenhuma liberdade nisso. Continua sendo criada uma ideia exterior ao desejo sexual que comanda como o sexo deve ser feito, ditando formas e objetivos a serem alcançadas para se obter sucesso sexual. Isso mantém a ideia de tabu, apenas deslocado do lugar de pouco ou sem sexo para o lugar de como o sexo deve ser feito.
Há uma primazia da quantidade em detrimento da qualidade da experiência sexual, uma vez que a maneira de vivê-la é determinada de fora.
Não é o caso de se desconsiderar que alguns ganhos ocorreram ao longo desses anos, quando alguns adventos da cultura mudaram para sempre a forma de as pessoas se relacionarem sexualmente – fatores como a entrada definitiva da mulher no mercado de trabalho e a consequente independência econômica que lhe permite escolher se quer ou não permanecer com um parceiro e também quando o quer, bem como o surgimento da pílula anticoncepcional, que propiciou um grau muito maior de liberdade no sentido de a sexualidade ser vivida com prazer, sem o risco de engravidar.
Na medida em que essas possibilidades aumentaram e, nas décadas de 1960 e 1970, foi possível viver a era do “amor livre”, na década de 1980 surge outro fator de repressão muito poderoso: a AIDS. A partir desse momento, a pílula já não era mais tão segura para garantir o prazer.
Os preservativos que já existiam antes disso passaram a ser regra para o “sexo seguro” que se propagava nesse momento. De novo, o lugar da experimentação sexual esta ameaçado.
Com o passar do tempo, o pavor inicial foi diminuindo. A AIDS já não mata como no começo e o jovem de hoje não se sente tão ameaçado pelos seus horrores. Outra PE a dinâmica dos amores contemporâneos. O casamento não é mais indissolúvel. As pessoas se casam e se divorciam, e vivem juntas sem a regulamentação de um contrato que lhes assegure a continuidade do vínculo. Já não é necessário estar casado nem mesmo namorando para se fazer sexo com alguém. Um encontro fortuito e casual pode levar os parceiros a se relacionar sexualmente. Não mais é necessário estar casado nem mesmo apaixonado para fazer sexo. O sexo parece estar sendo vivido bem distanciado do envolvimento amoroso que se pregava algumas décadas atrás. Aos poucos, os encontros sexuais deixam de ser tabu e as pessoas experimentam amar de forma mais ampla, sem tantas restrições da cultura. É inegável, todavia, que ainda há muito preconceito nessa direção, o que pode ser um fator altamente repressor no desenvolvimento da sexualidade.
De qualquer forma, a repressão que antes limitava a expressão livre do desejo sexual parece hoje vigorar em outro sentido. A repressão de hoje guarda uma exigência de desempenho qualitativo pré-formatado – é necessário possuir um corpo tal, gostar de um corpo tal, gozar de tal forma, etc. – e até mesmo um desempenho quantitativo – tantas vezes, com tantas pessoas, etc. Isso frequentemente desencadeia dificuldades na ordem da entrega aos sentimentos sexuais. Sendo assim, o desejo sexual fica aprisionado na forma e não ganha a expressão e o fluxo que poderiam gerar um prazer sexual mais genuíno.
E onde tudo isso está se passando? Nas relações. Nas relações entre os corpos. Os corpos dos amantes…Sejam fortuitos ou comprometidos com a continuidade.
Ao escrever a teoria da análise do caráter, Reich pensava nesses mecanismos de defesa organizados por cada um desde as primeiras relações, desde os primeiros contatos. Caráter como conjunto de características com manifestações no psiquismo como um todo, presente e, cada célula dos organismos. Assim como são contidas as formas de expressão verbal a partir desses mecanismos de defesa, também as expressões corporais estão amarradas em condições crônicas que emitem respostas repetitivas. Raramente é possível dar passagem a um livre fluxo de energia sexual.
Também a energia sexual se encontra em todo o corpo, não apenas nos genitais ou zonas erógenas. Sendo assim, toda a pele é um tecido excitável, assim como qualquer parte do corpo que possa ser excitada.
Quando escreveu “A Função do Orgasmo”, em 1932, Reich (1995) introduziu o conceito de potência orgástica como a “capacidade de abandonar-se, livre de quaisquer inibições, ao fluxo de energia biológica; a capacidade de descarregar completamente a excitação sexual reprimida, por meio de involuntárias e agradáveis convulsões do corpo” – isso no abraço genital. Para Reich, a potência orgástica está comprometida para todos os sujeitos neuróticos, sendo a entrega e as sensações sexuais apenas parciais. Isso decorre de seu caráter neurótico, que impede a qualquer neurótico experimentar o orgasmo plenamente.
Reich chegou a esse conceito depois de anos de observação e de tentativas de trabalhar dentro do método da psicanálise. Em centenas de casos que tratou ao longo desses anos diz nunca ter encontrado uma mulher que não tivesse uma perturbação orgástica vaginal, e que isso estava presente na origem de todas as doenças; e mais que a perturbação genital era um importante sintoma da neurose. Embora Reich tivesse 100% de resultados positivos para essa afirmação em relação às mulheres, com os homens isso não era tão frequente. Nesse momento Reich buscava a fonte de energia das neuroses e parecia-lhe que a repressão sexual era a explicação. Nesse momento, considerava-se que um homem era potente se conseguisse ter uma relação sexual e ainda mais potente se conseguisse fazê-lo por várias vezes seguidas. Para Reich, entretanto, nenhum paciente teria a capacidade de sentir uma satisfação genital plena. Mesmo homens que apresentavam potência eretiva experimentavam pouco ou nenhum prazer nas relações sexuais. Conclui ele que nenhum neurótico é plenamente potente orgasticamente.
Para recuperar a total potência orgástica, é necessário trabalhar com as neuroses do paciente de forma a liberar o fluxo vital energético que o permita usufruir plenamente de sua vida. Como diz Reich, a “convulsão bioenergética involuntária do organismo e a completa solução da excitação são as características mais importantes da potência orgástica”. Nesse caso, deve-se trabalhar para restabelecer o fluxo bioenergético, possibilitando maior troca com o meio com o uso pleno das suas funções vitais.
O TRABALHO PSICOCORPORAL
Em psicoterapia corporal, trabalha-se tanto do ponto de vista verbal como corporal. Farão parte desse tratamento a técnica da associação livre, na qual o paciente traz os conteúdos que o perpassam no momento da sessão, e a associação que o psicoterapeuta faz com seus processos energéticos e corporais, assim como exercícios ou toques que possam favorecer o desbloqueio da couraça.
A análise do processo histórico do paciente, sempre de acordo com o que está presente no momento da psicoterapia, complementa-se com o entendimento energético organísmico com o que está sendo contado e como está sendo vivido.
O corpo possui uma linguagem que é chamada de linguagem não verbal. O tom de voz, o ritmo da fala e o olhar muitas vezes dizem muito mais que o conteúdo das palavras. A forma de caminhar e a postura com que o paciente chega á psicoterapia falam muito sobre como ele se encontra nesse momento. A interação do corpo do próprio terapeuta, sua postura e a energia que despende na sessão também são informações passadas ao paciente por meio da linguagem não verbal. Reações na face, como franzir a testa, arregalar os olhos, etc., diante de alguma fala do paciente, são formas de expressão que devem ser consideradas pelo terapeuta.
A psicoterapia corporal trabalha com a possibilidade de carga e descarga de energia. Para Lowen, “o organismo vivo só pode existir se houver um equilíbrio entre a carga e a descarga de energia”. De acordo com o seu momento de vida, o indivíduo consome mais ou menos energia, carrega ou descarrega mais ou menos energia. Uma criança em fase de crescimento necessitará consumir mais energia, assim como alguém que esteja convalescente de alguma enfermidade. Para Reich, o indivíduo se abastece de mais energia do que consome e, no orgasmo, tem a regulação da sua energia, equilibrando o organismo.
O trabalho corporal vai se atentar e trabalhar para restabelecer o fluxo dessa energia, que, como já falamos, fica comprometida na medida em que a neurose se organiza em mecanismos de defesa. Esse trabalho tem como objetivo potencializar o paciente para que ele desfrute e afirme a vida da forma mais real possível. Os exercícios dessas práticas corporais tentam promover a autoexpressão e a sexualidade, assim como favorecer a graça e a coordenação dos movimentos.
Um dos pontos de enfoque inicial para o trabalho corporal é a consciência do próprio corpo. De maneira geral, as pessoas têm pouca noção do próprio corpo e a imagem corporal que cada um tem de si nem sempre corresponde ao que é visto de fora. O trabalho corporal compreende maior percepção de si, dos sentidos e como se manifestam em seu corpo, da sua respiração, da distribuição de energia, das tensões etc. É possível que a desconexão com o corpo seja resultante de medo de entrar em cointato consigo mesmo e com suas emoções. Na medida em que o indivíduo tome mais consciência de si, também é possível tomar mais posse de suas emoções e mais consciência da sua potência de agir, de pensar e de sentir. Nesse caso deixa de suprimir sentimentos e emoções quanto aos quais se sentiria ameaçado, conseguindo expressá-los no momento em que estão ocorrendo, tornando-se assim mais vitalizado e expressivo. No caso da sexualidade, ao ter consciência do corpo, pode ter mais consciência do seu desejo sexual. As reações diante dessa consciência podem ser favoráveis ou desfavoráveis, agradáveis ou desagradáveis, dependendo do nível de repressão vivido por cada um.
Para tanto, os exercícios não são formalizados, mas construídos junto com as necessidades do paciente e do momento que está vivendo. Não existem fórmulas prontas a serem aplicadas de acordo com o caso. Cada caso, cada momento requer uma determinada dinâmica que vai se montando de acordo com o andamento da sessão.
O tratamento procurará restabelecer a condição mais natural e espontânea que foi perdida ao longo da vida. Na medida em que a cultura tende a afastar o homem de sua força mais primitiva, impondo modos de ser e de agir mais dóceis e cordatos com o sistema vigente, vamos perdendo a força da nossa natureza animal. Para Lowen, “o homem só pode ser humano na proporção em que também for animal. E o sexo faz parte da natureza animal do homem” (1988,p.49). O sexo está ligado aos instintos e ao que se tem de mais primitivo. A educação tende a diminuir a força de tudo que é primitivo em nós. Por meio de uma sexualidade vivida plenamente, podemos nos apoderar de nossa força mais vital e nos tornar mais espontâneos na busca da satisfação do nosso desejo.
O sexo PE uma experiência de encontro. Ao se excitar, o que cada um deseja é estar o mais próximo e alguém, geralmente alguém “em especial”. Como nos diz Lowen: “Sensação sexual é o desejo de proximidade e de união entre dois corpos” (1988,p.73). A intensidade do contato é proporcional á excitação. Contudo, estar com o outro não significa estar para o outro.
Não é possível a ninguém satisfazer o outro. No máximo, pode-se estimular as sensações no outro. A satisfação sexual é algo que depende de cada um. Depende da entrega que cada um se permite, ás suas sensações, ás suas emoções, ao seu corpo, ao seu desejo.
Muitas das dificuldades sexuais – como impotência masculina ou frigidez feminina, dias das maiores dificuldades de relacionar-se sexualmente – estão presentes no momento do encontro. É frequente que essas pessoas consigam se excitar sozinhas, mas encontrem dificuldades na presença do outro.
Sendo assim, é possível que se atribua ao outro tais dificuldades, e não a si próprio. Mas, como dizia Moacir Costa, em “Sexo: o dilema do homem” (1993), “ a verdadeira impotência é a afetiva”. Ou seja, a dificuldade está na entrega ao outro. Está em não se permitir abrir o coração para o outro, ou esperar que o outro lhe satisfaça as fantasias para poder se entregar. É necessário que cada um se implique com o próprio desejo assim como com as próprias dificuldades.
Em uma relação sexual, na maior parte do tempo, os movimentos são voluntários e ganham intensidade na medida em que a excitação cresce. Somente no instante final do orgasmo PE que os movimentos do corpo se tornam involuntários. Esses movimentos tomam conta do corpo por inteiro. Sendo assim, a vontade de cada um, com a consequente participação ativa, faz-se necessária para que ocorra o encontro sexual profundo.
Por isso é tão importante que cada um participe por inteiro em uma relação. Assim terá posse de todos os seus sentimentos e sensações, entregando-se à experiência para desfrutá-la plenamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A psicoterapia corporal não vai trabalhar com estímulos PA excitação. Isso é pertinente ao encontro que cada paciente fará com seu parceiro sexual. Trabalhará, sim, com a possibilidade de diminuir os mecanismos de defesa que impedem a pessoa de se entregar afetivamente. Trabalhará na direção de diminuir os bloqueios e tensões crônicas que desvitalizam o organismo e o defendem de experimentar mais plenamente as sensações. Desenvolverá um trabalho na direção de permitir uma vida mais afirmativa na direção do seu desejo.
O trabalho pretende potencializar o indivíduo para a sua vida como um todo e não apenas para a sexualidade. É possível observar, contudo, que alguém sexualmente satisfeito, que pode experimentar o prazer de um encontro com entrega a si e ao outro, pode ser mais assertivo nas diferentes direções de sua vida, seja amorosa, profissional, familiar e social.
REFERÊNCIAS
COSTA,M. Sexo: o dilema do homem. São Paulo: Gente, 1993.
LOWEN,A. Amor e Orgasmo. 2.ed. São Paulo: Summus, 1988.
LOWEN, A. Bioenergética. 9.ed. São Paulo: Summus, 1982.
REICH, W. A Função do Orgasmo. 19.ed. São Paulo: Brasiliense, 1995.
LEITURA COMPLEMENTAR
BOADELLA, D. Nos Caminhos de Reich. São Paulo: Summus, 1985.
LOWEN, A. Alegria. São Paulo: Summus, 1997.
LOWEN, A. Medo da Vida. 5. Ed. São Paulo: Summus, 1986.
REICH, W. Análisis del Caracter. 3. Ed. Buenos Aires: Paidós, 1986.
SOARES, L. G. Ritmos e Conexões: dançando com Reich, Deleuze e Guatari. São Paulo, 2003, Dissertação (Mestrado) – Pontifíca Universidade católica de São Paulo.
Lorene Soares