A ANÁLISE BIOENERGÉTICA NO BRASIL
POSSIBILIDADES E DESAFIOS
Cristina Piauhy*
Texto apresentado no I Congresso Catarinense: Psicologia – Ciência e Profissão – Maio/2011
Como uma herança da sociedade industrial, os nossos saberes corporais atuais originaram-se na Europa nos meados do século XIX.
As mudanças trazidas pela produção industrial repercutiram na sociedade exigindo das pessoas uma nova forma de usar seus corpos buscando incorporar a nova realidade.
Com todas essas transformações – poderes, sentidos, tecnologias, velocidade e novos modos de produção e distribuição de dinheiro, os primeiros sinais de estresse na vida moderna aparecem.
Dos anos 20 até o final da segunda guerra mundial, os movimentos que rompiam com os limites dos ambientes acadêmicos e médicos, lugares tradicionais do saber, pesquisas e experimentos conduzidos por indivíduos ou pequenos grupos independentes na Europa foram fundamentais para o desenvolvimento das teorias corporais e práticas que moldaram uma nova cultura.
Escapando à perseguição racial e política e atraídos pela promessa da democracia na América, esses novos humanistas europeus, criadores e praticantes dessas novas concepções corporais entraram num ambiente onde esta nova cultura iria encontrar total acolhimento na tradição filosófica do pragmatismo americano primeiro. A cultura do pós-guerra americana tendia a se expandir por todo o Ocidente.
Nos anos 60 aparece o jovem considerado rebelde, que questiona o estilo de vida dos seus pais, o modelo anterior orientado por valores
e comportamentos da sociedade de consumo. Junto com esses movimentos o crescimento das práticas corporais trazidas pelos humanistas europeus para a América teve um grande papel na construção de novos usos do corpo e seus modos de se relacionar, trabalhar, viver, ter sexo, conceber família e gênero, dinheiro, educação, raça, cultura, política e poder.
A nova cultura corporal modelada nos Estados Unidos encontrou na Europa as idéias de Reich que já estavam produzindo frutos a partir das várias tendências educacionais, terapêuticas e psicoterapêuticas. Esta mistura com o modelo americano se proliferou rapidamente na forma de novas culturas e novos centros de crescimento pessoal.
As pessoas ansiavam por mudança, mudando seus corpos. Elas se juntavam a grupos, buscavam terapias, desejavam se tornar terapeutas. Havia um ideal de criar um mundo à parte, dito alternativo, que poderia influenciar o sistema de fora para dentro.
Em 1956, Alexander Lowen com John Pierrakos funda, em New York, o Instituto de Análise Bioenergética. Que à medida que foi se expandindo para outros países passa a se chamar Instituto Internacional de Análise Bioenergética (IIBA).
A década de 60 e 70, na América Latina, traz acontecimentos difíceis de serem processados. Cruéis ditaduras se impõem, aniquilando, em nome da “segurança nacional” e do “desenvolvimento econômico”, qualquer força, popular ou não, organizada ou não, que a elas se opusesse. Instala-se no continente a Doutrina de Segurança Nacional, em que toda e qualquer oposição é considerada crime e, como tal, é punida.
No Brasil, com o AI-5 de dezembro de 1968, a ditadura se impõe sem disfarces – a repressão age sem limites e sofistica sua atuação com a criação de novos serviços de informação.
Enquanto corpos estão sendo mortos e torturados, nesse segmento social há uma valorização do corpo como expressão, como lugar de vitalidade.
No Brasil, desde os anos 60, o movimento tropicalista, artístico, musical e político expressavam a urgência de se livrar das tradições autoritárias, agrárias, positivista, católica, militar e incorporar o novo crescimento industrial, reformatar os corpos e absorver a nova realidade social.
O movimento hippie, muitos deles ligados a produções “alternativas”, embalados pelo movimento da contracultura que haviam sacudido os Estados Unidos e a Europa nos anos 60, trazem resistências a essa repressão.
No Brasil, entre os anos de 1964 e 1968 algumas mudanças comportamentais estavam intimamente ligadas com a luta política contra a ditadura.
Ganhando cada vez mais visibilidade, o movimento da contracultura começou a ser perseguido pela repressão do governo ditatorial. A força social que o movimento tomava se mostrava cada vez maior e mais abrangente.
Outras formas de vida alternativa incluíam a possibilidade de uma vivência comunitária, alcançando assim o imaginário relativo às relações pessoais, repensando assim os laços familiares.
A contestação era a marca da juventude. As minissaias e os biquínis expunham com ousadia os corpos femininos. A pílula anticoncepcional liberava as práticas sexuais. Em lugar dos ternos e gravatas, do cabelo curto e dos valores da sociedade de consumo, os jovens usavam jeans, cabelos longos e acreditavam em sociedades igualitárias.
É neste contexto que se verifica um grande avanço e expansão da psicologia.
Foi fundado no Rio em 1953 o primeiro curso de psicologia do país na PUC. Apenas em 1962 a lei reconhece a profissão de psicólogo. Faz parte das atribuições legalmente reconhecidas do novo profissional, além do diagnóstico psicológico, da orientação e seleção profissional e da orientação psicopedagógica, a solução de problemas de ajustamento.
José Ângelo Gaiarsa sempre movido por sua conhecida inquietude pessoal e profissional, desde a década de 50 havia ido ao encontro primeiro de Jung e depois de Reich e fazia, nos anos 60, de seu consultório um lugar de transformação e resistência política, cultural e existencial. Por seus grupos passaram muitos terapeutas e futuros corporalistas.
Em 76, além do Movimento do Potencial Humano, tivemos a influência de workshops ministrados no Brasil por Emilio Rodrigué e Martha Berlim, argentinos radicados no Brasil, que criavam novas sínteses, com releituras da Psicanálise e Psicodrama.
Absorvida no Brasil, nos anos 70, como uma terapia alternativa criada com bases no movimento da contracultura e do potencial humano, A Análise Bioenergética, criada por Alexander Lowen, foi uma força que se juntou à luta contra o capitalismo, que através da ditadura reprimia todas as manifestações político-culturais.
Lowen foi beneficiado por um vasto movimento sociológico no hemisfério ocidental que estava buscando experiências corporais, expressão e liberdade. Naqueles dias a era hippie estava no auge, todos os tipos de experiências de crescimento pessoal estavam sendo feitas em Esalen, o desenvolvimento da psicologia humanística, a orientação vitalista na psicoterapia foi ganhando velocidade. A Análise Bioenergética movia-se ao mesmo tempo em direção a uma expansão internacional.
Era vista como uma forma de psicoterapia, mas também foi considerada uma abordagem preventiva e uma forma de promover hábitos de vida saudáveis, em particular através dos exercícios de bioenergética.
Em 1975 no Instituto Sedes Sapientiae, um instituto educacional de psicoterapias, tem início um curso sobre Reich.
Nos anos 80 outros institutos em São Paulo foram criados: Ágora, Ipê, Associação W. Reich.
Em 1981 foi fundada por Myrian de Campos e Odila Weigand, em São Paulo, a Sociedade Brasileira de Análise Bioenergética (SOBAB), a primeira Sociedade Brasileira de Análise Bioenergética do Brasil. Filiada ao International Institute for Bioenergetic Analyses – IIBA. Seu foco inicial esteve direcionado basicamente para a especialização em Análise Bioenergética. Já nos anos de 90 surgem os cursos multiprofissionais, a clínica para atendimento à comunidade e as classes de exercícios bioenergéticos.
1989 – O Instituto de Análise Bioenergética do Nordeste se originou a partir de um grupo de psicoterapeutas de São Paulo, Salvador e Recife, na ocasião da vinda de Alexander Lowen ao Brasil.
1996 – é fundada a Federação Latino Americana de Análise Bioenergética (FLAAB). Centro científico internacional, educacional em beneficio da psicoterapia corporal. Composta pelas sociedades de Analise Bioenergética da América Latina.
1997 – O Instituto de Análise Bioenergética do Nordeste deu origem à Sociedade de Análise Bioenergética da Bahia – SABBA, à Associação Brasileira de Análise Bioenergética de Belo Horizonte – ABBABH, e à Sociedade de Análise Bioenergética do Nordeste Brasileiro – SABNB.
2011 – A necessidade de vitalidade ainda é forte.
No mundo contemporâneo devemos levar em conta:
· A evolução da psicopatologia e da necessária evolução das metodologias da Análise Bioenergética.
· A evolução das necessidades das nossas populações com relação à saúde pública, embora sabendo que o contexto sociológico e geopolítico tem marcado um crescimento nos problemas de violência e desigualdades sociais demandam que nos tornemos criativos, o que pode significar sairmos dos nossos consultórios.
· Nossos membros brasileiros estão propondo modelos estimulantes com relação a isso. No despertar do século XXI, tudo isso exige de nós que estimulemos uma adaptação dos nossos paradigmas, uma renovação do modelo teórico da analise bioenergética.
· As Práticas Corporais podem ser utilizadas pelo indivíduo, pela família, pelos grupos de apoio, pela comunidade local ou por populações.
· Foram criadas para despertar os processos naturais de autoregulação, sobretudo, após choques traumáticos, podendo ser aplicadas a pessoas de diferentes níveis sócio-econômico-culturais.
· O momento atual suscita revisão de valores e a urgência do despertar das comunidades para a consciência e preservação da vida.
· As práticas corporais buscam promover o desenvolvimento de recursos que levem o indivíduo a lidar com a dor, resgatando a integridade física, emocional e mental. Habilitando-o a se reintegrar no seu cotidiano comunitário.
· Identifica o corpo como o lugar em que o sofrimento acontece, se expressa e carrega em si mesmo o potencial de transformação.
Nos tempos atuais a questão é a exclusão e a ameaça às possibilidades de existir. Nossa tarefa é lidar com o diferente em nós e no outro, criar dispositivos que viabilizem o fluxo liberado nos corpos individuais e coletivos, favorecendo a vida e as múltiplas formas de existir
FLAAB
VISÃO
A FLAAB trabalha com a perspectiva de promover formação para profissionais, que se tornarão multiplicadores na promoção da saúde mental, e na qualidade de vida das pessoas.
A FLAAB trabalha na possibilidade de resgatar a dignidade e a construção de autonomia, principalmente na população onde a opressão e a falta de recursos impossibilitam o acesso a serviços de saúde psíquica e qualidade de vida.
MISSÃO
Promove o desenvolvimento da Análise Bioenergética e sua aplicação nas áreas psicoterápica e psicossocial.
Contribui na homogeneização da qualificação profissional e na garantia de um procedimento ético.
Incentiva a cooperação e comunicação entre as sociedades nacionais e internacionais e com o Instituto internacional de Análise Bioenergética .
Fomenta a pesquisa no campo da Analise Bioenergética no que diz respeito à psicoterapia, e a atuação da Analise Bioenergética no campo social.
Incentiva a abertura e funcionamento de clinicas de atendimento popular, e atendimentos a comunidades.
Sociedades que compõem a FLAAB hoje:
u Sociedade de Análise Bioenergética do Brasil (SOBAB) – SP
u Associação de Análise Bioenergética do Nordeste brasileiro – RE
u Sociedade de Análise Bioenergética de Brasília (VIBRARE)
u Sociedade de Análise Bioenergética do Rio de Janeiro (SABERJ)
u Sociedade de Análise Bioenergética da Bahia (SABBA)
REFERÊNCIAS :
FAVRE, Regina – Terapias Reichianas 25 anos depois – Revista Reichiana nº3 -1993- Instituto Sedes Sapientiae
FAVRE, Regina – Um agenciamento conceitual para honrar e estimular a biodiversidade subjetiva: um modo político de ensinar e experimentar
A Anatomia Emocional de Stanley Keleman. – Laboratório do Processo Formativo, São Paulo – http://laboratoriodoprocessoformativo.com
REVOREDO, Luiza – A sombra da Análise Bioenergética – Texto apresentado na mesa redonda “Biodinâmica e Bioenergética – um diálogo”, promovida pelo Instituto de Biodinâmica.
REVOREDO, Luiza – Terapia Psicorporal: Quem Somos Nós – Texto apresentado no Segundo Encontro das três Bios, realizado em Campos do Jordão, SP, em dezembro de 2006 – http://www.bioenergetica.com.br
RUSSO, J. – O mundo Psi no Brasil – Jorge zahar Ed – 2002
TONELLA, Guy – Paradigmas para a Análise Bioenergética no alvorecer do século XXI – Seville 2007
*Psicóloga clínica, Analista Bioenergética, Psicoterapeuta sistêmica de casal e família, Diretora de Comunicação da Federação Latino Americana de Análise Bioenergética.
e-mail: cpiauhy@terra.com.br