ECOLOGIA DO CORPO
AS ESTRELAS, O HOMEM E O VENTO
Guy TONELLA
Doutor em Psicologia Clínica, Mestre em Psicofisiologia,
A ONU (Organização das Nações Unidas) proclamou 2008 o “Ano internacional do Planeta Terra”. O tema deste Congresso inscreve-se, de modo feliz, nesta preocupação planetária.
O planeta Terra existe há 4,6 bilhões de anos. Em seguida ao Big Bang, pequenos astros aglomeraram-se em planetas. A Terra – poeira de estrelas, na escala do universo – modelou-se, bombardeada por meteoritos e cometas que lhe esculpiram a paisagem. Entretanto, o acaso e as contingências podem revolucionar o destino dos planetas. E foi assim, há 65 milhões de anos, quando um bólido rochoso colidiu com a Terra, provocando o desaparecimento dos dinossauros, favorecendo o aparecimento dos mamíferos, a emergência da humanidade, da consciência e da cultura. A Natureza encontrou em si própria recursos para renascer das cinzas e da escuridão em que havia sido mergulhada. Através da “emergência” e da “auto-organização”, ela foi capaz de recriar, sobre a Terra, o Belo e a Felicidade.
Enquanto, em termos de existência da Terra, falamos em bilhões de anos, foi preciso apenas um século para comprometer seu equilíbrio, ver espécies desaparecerem, apagar-se parte de sua biodiversidade, e a própria espécie humana ficar ameaçada. Nenhum museu preservará sua memória. Nenhum bioquímico fabricará a vida pela síntese de moléculas, juntando átomos de carbono e hidrogênio; no máximo, conseguirá produzir material orgânico. Se a vida, pouco a pouco, acabar por se extinguir, nem a química mais sofisticada conseguirá reanimá-la. Querer fazer melhor do que a Natureza é uma loucura perigosa pela qual a humanidade prepara-se a pagar caro. O princípio da vida escapa a qualquer materialismo obstinado. O élan vital é mais do que a soma das funções e dos órgãos em boas condições de saúde. Ainda é um mistério em termos de explicação mas é uma realidade no nível da experiência íntima. É o que está no fundamento da nossa abordagem, enquanto terapeutas bioenergéticos : o élan vital, os fluxos energéticos que sentimos animar nosso ser. O Belo se impõe por si só. O Belo é como uma tira de Möbius: é a passagem imperceptível da natureza ao Humano, face e interface de um e de outro, filamento de DNA que traz em seu seio uma memória milenar.
No entanto, a natureza em perigo ameaça nos arrastar em sua queda, já que habita em nós.
A NATUREZA: UM MACROSSISTEMA ECOLÓGICO
Atualmente, o sinal de alarme vem sendo dado por uma tomada de consciência coletiva. É urgente preservar os grandes equilíbrios naturais maltratados e que são necessários para garantir a sobrevivência biológica da espécie humana. Em 1972, o célebre relatório The limits to Growth (Os limites para o Desenvolvimento), publicado pelo Clube de Roma e que reuniu economistas, cientistas e industriais do mundo inteiro, previu uma crise terrível a partir de 2010. Se, 35 anos depois, atualizarmos esse relatório, quais seriam os termos desta crise?
* O esgotamento dos recursos energéticos minerais (carvão e petróleo, entre outros) e a queda da produção industrial;
* O esgotamento dos recursos alimentares (cereais, entre outros) e a queda das cotas alimentares. Na verdade, 40% dos cereais produzidos no mundo destinam-se à criação de rebanhos (bovinos) para corte com a finalidade de alimentar os consumidores de carne dos países ricos. Uma parte cada vez mais significativa da colheita de cereais é, portanto, destinada aos animais, privando os seres humanos mais pobres. A Dinamarca consome 45% de calorias de origem animal contra 10% em Bangaladesh. A divisão da produção agrícola é terrivelmente desigual e reforça a má alimentação e a subnutrição em países como Índia e Brasil. Promove o desmatamento, como na Amazônia brasileira. Por outro lado, os gases emitidos pelo rebanho mundial de bovinos (o metano que se acumula na atmosfera cria um efeito estufa) são superiores, em quantidade, ao conjunto dos gases emitidos pelas indústrias poluidoras;
* A diminuição progressiva da qualidade da água (por exemplo, pelos pesticidas e fertilizantes agrícolas, poluição dos lençóis freáticos, modificação da composição do solo); modificação dos ecossistemas pelo bombeamento da água (por exemplo, o esgotamento do mar de Aral, na Ásia Central, do Lago Chade, na África Central); o deslocamento das zonas de chuva devido às mudanças climáticas; conflitos relacionados à água, às secas e à fome (por exemplo, Burundi, Darfour), uma vez que a água possibilita a vida. Entretanto, 1 a 2 bilhões de seres humanos ainda são privados do acesso à água potável e ao saneamento.
“Podemos provavelmente alimentar entre 9 e 12 bilhões de habitantes sobre a Terra, se derrubarmos todas as florestas, drenarmos todos os pântanos, construirmos barragens e canalizarmos todos os rios, transformando em terras cultivadas todas as superfícies disponíveis. Mas poderá a Terra e seus habitantes sobreviver a tal desastre ecológico? De quantos e quais ecossistemas o planeta precisa para sobreviver? Não sabemos. Assim, o que faltará não será a água e os cereais mas a biodiversidade, os ecossistemas naturais, a floresta virgem etc., quer dizer, o que torna o planeta habitável e … belo!” (G. de Marsily, Science, 2008).
É preciso evitar a anemia da Terra nutriz. Pensamos a ecologia em termos de macrosistema que nos envolve e de que dependemos para nossa sobrevivência. Um amplo movimento dos cidadãos emerge – finalmente – da consciência humana, para preservar a Natureza e, desse modo, preservar as mudanças de sobrevida da Humanidade.
É preciso, portanto, evitar a anemia da consciência individual e coletiva. Isso pode nos levar a pensar a ecologia em termos de microssistema sobre o qual nós, analistas bioenergéticos, podemos trabalhar, já que a Natureza nos habita – dela viemos, dela somos feitos e ela constitui nossa matriz corporal.
O CORPO: UM MICROSSISTEMA ECOLÓGICO
Nossa composição físico-química nos relembra: minerais provenientes da matéria terrestre constitutiva do universo, proteínas, glicídios e lipídios provenientes dos frutos da natureza que se desenvolveu sobre a Terra, todos os tipos de gases (entre eles, é claro, o oxigênio) oriundos da atmosfera e, para além, ventos interestrelares filtrados. Nossa fisiologia tubular (tubos respiratório, digestivo, neural, sanguíneo) é uma arborescência infinita que lembra a dos rios, das árvores, das folhas, das redes telúricas. Nossa anatomia é concebida como uma bomba que pulsa à imagem do universo em expansão, mas feita para resistir à força gravitacional. Nossa psicologia cria nosso cotidiano real, como o universo criou a Terra; ela cria fantasmas, como as miragens fotônicas do deserto; ela cria angústias sem fim, como os buracos negros das galáxias que absorvem energia e matéria. Mas a consciência cria, ainda, mais alguma coisa.
Estou sentado na praia, em Boa Viagem, e volto meu olhar para uma criança que acaba de entrar rindo na água. Uma série de acontecimentos sucedem-se, em menos de um milésimo de segundo, até que eu veja esta criança ou esteja “consciente” de que a vejo. Uma quantidade impressionante de fótons (10.000 bilhões de partículas luminosas por segundo) refletida pelo corpo da criança e viajando à velocidade de 300.000km por segundo (velocidade da luz) é absorvida pelo meu olho e chega à retina composta de mais de 100 milhões de células. As moléculas que a compõem excitam os neurônios que transmitem informações ao meu córtex cerebral. Grande parte das centenas de bilhões de neurônios conectados, percorridos pela corrente elétrica, analisam a informação. Ao final de alguns milésimos de segundo, uma imagem aparece no meu cérebro: eu vejo a criança.
Mas eu não apenas vejo a criança, eu começo a perceber sensações (induzidas pelo prazer de vê-la brincar, induzidas pela água na qual ela mergulha), tenho, agora, impressões emocionais (de alegria, de vitalidade, de felicidade inocente). Meu corpo celular (meu “organismo somático”) passou a vez ao meu “corpo próprio”, subjetivo. O que eu experiencio e a consciência que tenho dessa experiência ultrapassam a mecânica celular e tornam-se fenômenos subjetivos.
Na escala do corpo próprio, a vida não pode ser explicada de maneira puramente reducionista. O corpo próprio é mais do que a soma dos átomos, das moléculas, das redes nervosas que o compõem. Os princípios “emergentes”, “auto-organizadores”, de “complexidade crescente”, e os fatores epigenéticos (minha história pessoal) agem de forma holística. Compreendem o soma, o corpo próprio, o psiquismo, o ambiente social e o ambiente natural. As memórias implícitas e explícitas que conservam os traços filogenéticos e ontogenéticos de sua origem milenar e de seu próprio desenvolvimento agem como traçados arquetípicos. A visão que tenho do mundo me pertence ao mesmo tempo em que pertence à coletividade; ela é minha própria criação / ela é um reflexo da evolução da espécie. Eu sou “eu” (ego) / eu sou atravessado pelo “id”, como disse Groddeck.
O corpo próprio, matriz do Self, está na interface entre organismo somático e social, entre natureza e cultura. O corpo próprio é universo e átomo, matéria e energia, caos e estrutura, repetição e criação, mecânica física e obra da consciência subjetiva. Todo o Self está nesse intermédio, ao mesmo tempo funcionalidade corporal e obra psíquica de criação original, esteja ela, às vezes, na dor ou na loucura.
A análise bioenergética está presa no entremeio dessa complexidade: ela atua sobre o funcionamento orgânico, sua mecânica íntima, mas sem deixar de encontrar a pessoa levada por suas escolhas e seu livre destino. Nós, analistas bioenergéticos, não passamos de “intermediários” em múltiplos níveis, sendo que cada terapeuta tem suas preferências. Somos intermediários entre macro sistema ecológico (o sentimento universal da beleza infinita) e o micro sistema ecológico (a sensação de enraizamento corporal no “aqui e agora”): intermediários entre realidade celular e consciência de si, intermediários entre o pertencimento à Natureza e a inscrição na Cultura. Podemos ser regeneradores de consciência individual e coletiva. Podemos ser alguns grãos de areia que perturbam a máquina infernal.
O TERAPEUTA BIOENERGÉTICO: “INTERMEDIÁRIO” ENTRE MACRO E MICRO SISTEMA
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O TERAPEUTA BIOENERGÉTICO: “INTERMEDIÁRIO” ENTRE REALIDADE CELULAR E CONSCIÊNCIA UNIVERSAL
A consciência corporal é a matriz da auto-consciência. Esta consciência elementar repousa sobre uma realidade celular, orgânica, funcional, anatômica, assegurando a circulação dos fluidos, dos gases e dos íons no interior do organismo. Estrutura anatômica e circulação energética provocam fenômenos de expansão/contração e de estiramento/alongamento, ativando uma flutuação rítmica ininterrupta. O organismo na sua globalidade organiza-se como uma bomba pulsante que regula os fluxos biológicos de excitação. Este processo vital constante produz sensações que nós experienciamos como sensações de existir: sensações de esvaziar/encher, reduzir/acelerar, dilatar/retrair, absorver/rejeitar, conter/expulsar, de interior/exterior, de profundeza/superfície de inter-relação e de troca entre meio interno/meio externo. Tais sensações regulam nossas capacidades de ativar-se, repousar ou dormir, perceber, emocionar-se, amar, agir, interagir. Esta verdadeira dança é incessante e adaptativa. Ela nos dá a sensação de estar vivo, expressivo e em relação com o mundo. As sensações e os ritmos que daí emergem constituem a matriz corporal da organização psíquica: são memórias rítmicas e sensoriais que inscrevem a história elementar do Self. Elas são auto-consciência.
Esta alquimia do vivo e do expressivo apóia-se sobre os equilíbrios entre cargas e descargas energéticas. Manifesta-se como “função pendular” (Lowen): nem muito nem pouco, a fim de manter um equilíbrio homeostático que seja fonte de serenidade, oposto à “angústia de estase” (Reich). O organismo vivo inscreve-se em uma relação incondicional com seu ambiente natural para manter sua homeostase: precisa de oxigênio, de água, de protídeos, lipídios, glicídios, minerais etc. A Natureza lhe oferece tudo isso: é dela que ele se diferencia mas é dela que ele é feito. Pertence a ela. Ele a consome mas deve restaurá-la. A homeostase individual está ligada à homeostase Natural, na verdade, Universal.
É desse modo que o trabalho bioenergético nos faz oscilar entre a ancoragem em terra firme (o “grounding” de Lowen) e o “sentimento oceânico” de pertencimento ao universo inteiro. Somos rocha e somos vento. Somos matéria atômica e espírito errante. A experiência bioenergética tece este contínuo entre átomo e espírito, esta complexidade vertiginosa de onde emergem o renascimento, a criação, o amor e o belo. Ela tem esse poder extraordinário de fazer viver a união entre o infinitamente pequeno e o infinitamente grande, entre o sentimento de humildade e o sentimento de exaltação.
Se nossa própria terapia bioenergética tiver conseguido fazer germinar em nós esses diversos níveis de consciência, então nós, por nosso lado, os transmitiremos a nossos pacientes: eu falo dos laços de ligação que nos unem tanto à humanidade como à natureza. A análise bioenergética é intrinsecamente ecológica.
2 – O TERAPEUTA BIOENERGÉTICO: “INTERMEDIÁRIO” ENTRE NATUREZA E CULTURA
Nós compartilhamos pelo menos 95% do nosso genoma com o chimpanzé e pouco menos com numerosos mamíferos. Somos, certamente, a única espécie que desenvolve atividades culturais fundadas na simbolização em que se revezam signos, imagens ou palavras. Devemos, entretanto, reconhecer que espécies que nos precederam na evolução nos prepararam para desenvolver valores que fundam a cultura enquanto cimento da humanidade. Tomarei alguns exemplos.
A EMPATIA
Já em 1935, N. N. Ladygina-Kohts descreve as manifestações de empatia do seu jovem chimpanzé Joni, criado em Moscou: “Se faço cara de choro, fechando os olhos e gemendo, Joni pára imediatamente suas brincadeiras ou qualquer outra atividade e vem em minha direção… Olhando-me no rosto, ele segura meu queixo, ternamente, na palma da sua mão, toca meu rosto com seu dedo…”.
Em 1990, S. M. O’Connell analisou milhares de relatórios qualitativos sobre a empatia entre os macacos. A compreensão do estado emocional do congênere revelou-se particularmente freqüente entre os chimpanzés: eles reconfortam os que estão aflitos, adotam os órfãos, ajudam os doentes e deficientes, consolam, tranqüilizando um protagonista aflito, em dificuldades, ou que tenha perdido uma briga, por exemplo, passando gentilmente um braço em torno dos seus ombros (Waal, Aureli, 1996).
Os grandes macacos, mas também os golfinhos, desenvolvem uma empatia cognitiva chamada de “ajuda específica”: ela se apresenta como um comportamento altruísta, portanto que não precisa de recompensa, e adaptado às necessidades do outro. É o caso de um gorila fêmea que salvou um menino no zoológico de Brokkfield, em Chicago, ou também dos golfinhos que estabelecem relações com crianças autistas. Estes grandes macacos e os golfinhos têm a particularidade de reconhecer sua imagem no espelho, o que constitui uma atividade de empatia cognitiva.
A RECIPROCIDADE
Duas espécies de primatas estudadas até hoje, os chimpanzés e os macacos-capuchinhos, repartem o alimento mesmo fora da relação mãe-filhotes. Podem estabelecer um compartilhamento que não se baseia apenas no interesse e que favorece a cooperação.
Gostaria de lhes mostrar esse vídeo como ilustração. (vidéo labo. singes)
SOLUÇÃO DE CONFLITOS E RECONCILIAÇÃO
Dois chimpanzés machos se perseguem, urrando e gritando. Agora, eles descansam em uma árvore. Dez minutos depois, um dos dois machos estende a mão e convida o outro a estreitar-se contra ele. Alguns minutos mais tarde, eles se enlaçam e se abraçam e depois descem da árvore para uma sessão de toalete mútua. (photos) Este comportamento de reconciliação reúne novamente os adversários, no final de um conflito, e repara a relação. Reata os laços que uma agressão havia perturbado e reativa a cooperação mútua. É o beijo entre os chimpanzés, uma relação sexual entre os bonobos, o mostrar o traseiro entre os macacos de cara vermelha. Entre os primatas, observa-se um aumento enorme dos contatos corporais entre antigos adversários na fase que se segue aos conflitos (PC). (cf diagramme p.67)
COOPERAÇÃO
A cooperação entre indivíduos constitui o cimento social. A família, na espécie humana, é um protótipo disso e, atualmente, observa-se uma diversificação dos tipos de famílias: tradicional, refeita, mono-parental, homo-parental … Entretanto, esta diversificação já existe em espécies animais, habitualmente no seio de uma mesma espécie. Por exemplo, os primatas recolhem e adotam bebês macacos órfãos. (photos)
Mas surpresas nos aguardam.
Uma equipe norueguesa observou um casal homossexual de garças macho desenvolvendo rituais amorosos. Conseguiram roubar um ovo do ninho de uma fêmea e o chocaram, alternando-se, até que o ovo abriu e criaram cuidadosamente o filhote até a maturidade. (photo)
No ano passado, em um zoológico da Califórnia, uma tigresa, depois de ter perdido, no nascimento, suas duas crias, deixava-se morrer, deprimida, não se alimentava, parando de fazer tudo. Como não havia disponível nenhum tigre bebê substituto, tentou-se uma experiência. Uma porca havia acabado de morrer durante o parto de oito porquinhos que ficaram órfãos. Eles foram recobertos com um pano que imitava a pele de tigre e apresentados à tigresa. Ela os adotou e criou. (photos)
A espécie humana herdou esses valores comportamentais para desenvolver valores sociais tais como a justiça, a ética e a paz que se inserem em manifestações culturais lúdicas, artísticas, esportivas, científicas. Este Congresso é um exemplo disso.
É importante compreender que esses valores inscreveram-se, ao longo de milênios, nas modalidades corporais e interacionais assistidas pela complexidade do cérebro humano. Nosso sistema límbico traz impresso o instinto do vínculo , da tendência a proporcionar conforto e a consolar; a empatia está inscrita nas estruturas nervosas cerebrais, os neurônios-espelho entre outras.
Somos portanto mais uma vez, terapeutas bioenergéticos, intermediários e coreógrafos de uma dança vital onde se misturam instintos herdados de uma necessidade de adaptação constante ao meio natural, e desejos de pertencer a uma cultura que nos modelou no berço e que continua a estimular nossos desejos. Adultos, encontramos em nós pelo menos um estado de harmonia entre necessidade de natureza e desejo de cultura, em nós, como em nossos pacientes, contradições às vezes difíceis de articular, freqüentemente conflitos que resultam de fissuras entre instinto e desejos.
Somos reparadores de laços natureza-cultura porque, trabalhando com o corpo, nós desenterramos os instintos ou as sensações milenares perdidas ou adormecidas, inibidas pela tensão cotidiana, o estresse, a busca do desempenho ou da imagem social de si. Na terapia, nós despertamos as constelações sensório-emocionais que, pela respiração, lembram o vento e que, pelo movimento, evocam a dança ao vento. A análise bioenergética atua em uma dialética ecológica constante entre fluxos corporais imemoriais e modelos culturais atuais introjetados.
O QUE PODERIA SER UMA ANÁLISE BIOENERGÉTICA ECOLOGICAMENTE MILITANTE?
A análise bioenergética, assim definida, como intrinsecamente ecológica, pode ter múltiplas aplicações.
A TERAPIA INDIVIDUAL
Nós trabalhamos na dimensão da dignidade humana. Procuramos semear o amor no coração dos nossos pacientes feridos, mal amados, maltratados, abusados: o amor de si e o amor pelo outro. “Sem amor … não se é nada” cantava Edith Piaf. O amor deixa bela e transparente: a beleza das flores, do céu estrelado, do barulho das ondas, do murmúrio das folhas de árvore. O amor cuida: de si, dos outros, da natureza.
Creio que o amor, como a empatia, como o cuidar do outro e da natureza, não é uma construção psíquica ou uma consciência mental. É fundamentalmente um estado sensório-motor que nos habita no nível mais profundo e nos é transmitido por nossa mãe: nossa mãe biológica e mãe-Natureza. Desta conjunção maternal nasce em nós uma multidão de constelações sensório-emocionais sem idade, nascidas de poeiras de estrelas que viraram átomos, células, coração, ventre, cérebro, memória implícita, braço estendido para o outro.
O terapeuta bioenergético através da sua humanidade e de sua presença universal traz, à consciência física dos seus pacientes, estados de ser sensoriais e emocionais que são matrizes de vida. Quando o organismo pulsa, vibra, torna-se luminoso, são bilhões de fótons que dele se desprendem e iluminam por sua vez os outros, atravessando camadas concêntricas, da mais próxima onde residem os seus, à mais longínqua onde residem os ausentes.
O ENGAJAMENTO SOCIAL
No Brasil, na Argentina, talvez em outros países da América do Sul, vocês têm desenvolvido “clínicas sociais”. As clínicas sociais são ecossistemas destinados aos esquecidos, aos desfavorecidos, aos abandonados, aos excluídos, àqueles e àquelas considerados como ervas daninhas ou sementes inúteis, que não têm acesso à psicoterapia porque não têm dinheiro.
Vocês consideraram que nada ou ninguém, no ecossistema humano, deve ser rejeitado. Vocês trabalham pela inclusão, pelo compartilhamento, pela fraternidade. Vocês reconstruíram essa conexão que tanto falta nos países ditos “civilizados” (a América do Norte, a Europa) que recalcaram ao mais profundo de sua estrutura córtico-límbica as mensagens de ajuda mútua e de cooperação construída ao longo de milênios pelas espécies animais.
Vocês devem exportar este modelo para outros países, para outros continentes. Vocês devem conceitualizá-lo, escrevê-lo para nós, fazer com ele uma carta universal proposta à nossa comunidade internacional. Nós precisamos da sua experiência, do seu modelo. Faço um voto: que a FLAAB ponha em prática suas forças vivas para nos apresentar um documento único e sintético. Eu vos agradeço de todo coração por poder sonhar com isso.
A PARTICIPAÇÃO EM UM PROJETO PLANETÁRIO
Podemos ir mais longe e participar de um projeto com vocação universal. No ano de 2000, 192 chefes de estado assinaram a Declaração do Milênio. Foram definidos oito objetivos:
* Reduzir a pobreza extrema e a fome
* Garantir educação fundamental a todos
* Promover a igualdade e a autonomização das mulheres
* Reduzir a mortalidade infantil
* Melhorar a saúde materna
* Combater a AIDS, o impaludismo e outras doenças
* Garantir um ambiente durável
* Colocar em prática uma parceria mundial para o desenvolvimento
Em 2003. através da resolução 58/5, as Nações Unidas (ONU) consideraram que as práticas físicas e o esporte estavam a serviço do desenvolvimento da paz e eram um vetor essencial para realizar esses Objetivos do Milênio.
Na América do Sul, um grande número de países, entre eles o Brasil, a Argentina, o Chile e, em breve outros, serão signatários desse programa. Nascerão centros comunitários em vários bairros, cidades e regiões de cada um desses países. Eles colocarão à disposição das populações locais instalações esportivas, sociais e culturais para oferecer oportunidades educativas à infância e à juventude. Esses centros serão financiados por parecerias público-privadas, levando em conta as especificidades ecológicas e os recursos naturais de cada região.
Creio que a análise bioenergética pode ter seu lugar enquanto prática corporal nesses centros comunitários: penso em grupos de exercícios bioenergéticos. Creio que ela pode encontrar aí um espaço de desenvolvimento e difusão, talvez um lugar de expansão para o conceito de “clínica social”.
Esta perspectiva é a de uma análise bioenergética ecologicamente militante. As paredes dos consultórios de psicoterapia podem se expandir, a filosofia das clínicas sociais pode entrar em um projeto universal, a prática bioenergética pode afirmar-se como prática ecossociológica.
CONCLUSÃO
Enquanto analistas bioenergéticos, nós temos um engajamento implícito: o da transmissão da memória do universo enquanto ele se faz Natureza sobre a Terra porque ela está inscrita nas nossas propriedades físico-químicas, nas nossas pulsações vitais, nos nossos ritmos corporais, nas nossas interações de vinculação aos membros de nossa espécie, aos de outras espécies, às árvores, às flores, às montanhas e aos rios. Temos, talvez, essa missão particular de transformar essa memória implícita em memória explícita porque nosso instrumento é o corpo e nossa finalidade é a de despertar constelações sensório-emocionais, para alguns universais, que se transformam em auto-consciência, consciência da humanidade, consciência da Natureza que a envolve e constitui seu berço. A felicidade reside neste Belo preservado que floresce em si e em torno de si.
Somos a energia das estrelas transformada em matéria humana. Somos o espírito do universo depositado pelo vento em uma dança, uma poesia, um canto. (Escutem como esse canto é belo).
N.T. No original, “passeurs”, palavra que designa aquele que ajuda na travessia, que conduz entre fronteiras. Em português, uma tradução mais literal seria “atravessador” mas julgamos que ela poderia ter uma conotação de atividade comercial que não entendemos apropriada ao presente texto. Optamos, então, pelo termo “intermediário” que, na nossa opinião, embora mais genérico, é menos comprometido.
N.T. No original, instinct d’attachement.
Guy TONELLA, 2008
Doutor em Psicologia Clínica, Mestre em Psicofisiologia,
Encarregado de cursos e conferências honorário em Psicologia,
Université P. Sabatier, Toulouse / Université P. Valéry, Montpellier
Co-diretor do Collège Français d’Analyse Bioénergétique
Formador internacional, membro do Institut International d’Analyse Bioénergétique
1 Comment
Rodrigo,muito bons seus comente1rios, o que nos leva a aoadfunprr o assunto.Digamos, que a geste3o de conhecimento vem justamente da estreiteza das pessoas por gerenciar a informae7e3o.Como os gestores da informae7e3o deixaram as pessoas de lado, resolveram criar outro nome e outra e1rea para esbarrar no mesmo muro.Que e9 um problema conceitual be1sico do que afinal e9 informae7e3o e conhecimento, por isso fiz aquele texto da batata. (Ver no blog)Para que um processo informacional ocorra e9 preciso lidar com pessoas, pois sf3 existe informae7e3o e conhecimento em relae7e3o, todo o resto e9 vazio.Ne3o e9 por mal que fomos estreitando essa vise3o.Compreender que qualquer projeto, pequeno ou grande, depende exclusivamente de pessoas e9 algo difedcil de lidar, pois o ser humano e9 no nosso planeta o ser mais complexo que existe.Cada pessoa permite mil variantes, humores, situae7f5es, condicionamentos, etc .Um setor especedfico e deslocado de sua verdadeira fune7e3o, acaba ne3o tendo fore7a para lidar com esse ambiente propedcio e cai para o te9cnico, o pobre, o vazio por falta de pernas e e0s vezes, por falta de vise3o conceitual do problema.Viram bibliotece1rios, arquivistas, quando deveriam zelar tambe9m pelo ambiente, pois se ningue9m vai e0 biblioteca por falta de motivae7e3o, a biblioteca e9 apenas um lugar para se relaxar, curtir o sileancio e tomar um banho de ar condicionado. Ou seja, quando se fala em informae7e3o e conhecimento, para coisas concretas e9 assim uma forma de reduzir a dificuldade do problema, deixando o principal de lado.O problema, portanto, me parece, antes de tudo, conceitual. Castells no texto The Network Society fala um pouco disso ao afirmar que ne3o vivemos na sociedade do conhecimento mas em mais uma e avisa que teremos problemas se9rios, em fune7e3o desse erro tef3rico. Concordo.Ao criarmos na empresa setores de informae7e3o ou de conhecimento estanques e isolados nos tirou o poder e a possibilidade de perceber que basicamente o que deve se trabalhar e9 o ambiente informacional, antes de tudo, que, na verdade, e9 o prf3prio ambiente da empresa que vai permitir que tudo isso acontee7a.Uma empresa que trabalha sob chicote, tere1 pouco espae7o, por exemplo, para a criatividade, curiosidade, tre2nsito de informae7e3o, e o que fare3o os nossos gestores???Claro, que a parte te9cnica da organizae7e3o dos registros e9 fundamental para dar suporte a esse movimento, mas ne3o pode ser reducionaista, como e9 hoje Podemos optar assim pela geste3o do ambiente do conhecimento, geste3o do sistema de conhecimento geste3o do ambiente informacional, o que me agradaria mais e ficaria mais coerente com o que estamos falando.Note que o ambiente e9 algo intangedvel, mas no todo pode ser gerenciado, pois e9 formado por coisas concretas que existem e se relacionam.Volto a dizer o conhecimento e9 relacional e potencialmente possedvel, dependendo do ambiente que se cria.Se vamos chamar geste3o do conhecimento para reduzir o nome, um apelido, tudo certo, mas sob o risco das interpretae7f5es que acabam acontecendo Muita gente que trabalha com GC, na verdade, je1 encara o projeto dessa forma, entende que deve ser um esfore7o coletivo, que trabalha diretamente com o poder central e que deve ser formada por basicamente diversos perfis.Nem sempre uma e1rea, que cria uma burocracia, mas um grupo permanente de trabalho, por exemplo.Ou seja, manter o ambiente da empresa para que ele possibilite a inovae7e3o e a criatividade.Como falar em algo assim sem o RH, TI, as e1reas especedficas, pessoal de informae7e3o, trabalhando de forma integrada ???Podemos, se quisermos, em falar de metas desse grupo, por exemplo, em promover a geste3o da mudane7a da empresa 1.0 para outra 2.0.E um grupo de trabalho e ne3o um setor formal que todos os departamentos discutiriam o ambiente de conhecimento interno para ser cada vez mais aperfeie7oado.Ao questionar a geste3o do conhecimento esse nome em si, veja, que estamos batalhando contra o reducionismo que acaba ocorrendo, que e9 justamente de sf3 gerenciar o palpe1vel e ne3o o intangedvel, diferente de como vocea entendeu a queste3o.Assim, vou apelar para Espinosa, citado no livro Direito Autoral da antiguidade a Internet de Joe3o Henrique da Rocha Fragoso. A maioria dos erros consiste apenas em que ne3o aplicamos corretamente o nome e0s coisas .Vocea concorda?Grato pela visita.