6 – Título do trabalho
A CRIANÇA EM BUSCA DO ADULTO E O ADULTO EM BUSCA DA CRIANÇA: UMA EXPERIÊNCIA CLÍNICA E EDUCACIONAL COM A ANÁLISE BIOENERGÉTICA
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Leonardo Libânio Christo
Local Trainer da Associação Brasileira de Análise Bioenergética-BH
Leonardo José Jeber
Membro da Associação Brasileira de Análise
Bioenergética-BH
PARTE I: A CRIANÇA EM BUSCA DO ADULTO
A abordagem bioenergética fundamenta-se em conceitos de espantosa simplicidade. A respiração e grounding (“firmar-se”) são uma poderosa combinação de eventos para prevenir e atuar na higiene mental e física das pessoas.
Tanto o trabalho clínico desenvolvido por inúmeros terapeutas em vários países como a prática do dia-a-dia pode beneficiar o individuo e a sociedade como um todo. Através da análise do caráter é possível restaurar a potência energética e estabelecer uma capacidade auto-regulatória na vida.
Segundo Alexander Lowen, “A Análise Bioenergética é baseada no trabalho de Wilhelm Reich”. Trabalho que representa uma ruptura radical da análise verbal pura, encaminhando o trabalho para um confronto direto com o corpo.
Personalidade instigante e curiosa Dr. Reich nos deixou um legado de questões fundamentais à luz de um cientificismo que não nos cabe agora refletir e sim constatar quais foram os resultados que ao longo dos últimos 70 anos estes conceitos e práticas apresentaram.
Vários foram os estudiosos da obra do Dr. Reich. O pesquisador David Bodella em seu livro “Nos caminhos de Reich” , no capitulo quatro apresenta um excelente sumário feito pelo Dr. Ola Raknes que trabalhou junto com o Dr. Reich nos anos 30 na Noruega, sobre como as qualidades orgânicas podem representar as características de uma vida vegetativa plena:
“I. O corpo inteiro apresenta um bom tônus; a estrutura do corpo é elasticamente ereta; não há câimbra ou espasmo.
II. A pele é quente, com abundante suprimento sangüíneo de coloração avermelhada ou levemente bronzeada; a transpiração pode ser quente.
III. os músculos podem se alterar de tensão para a relaxação sendo, contudo, nem cronicamente contraídos, nem flácidos; a peristalse é fácil; ausência de constipação ou hemorróidas.
IV. Os traços faciais são vivos e variáveis, nunca rígidos ou semelhantes a uma máscara. Os olhos são claros e com reações pupilares rápidas e os globos oculares não são nem proeminentes, nem fundos.
V. Há expiração completa e profunda com pausa antes da nova inspiração; movimentos do peito livres e fáceis.
VI. O pulso é usualmente regular, calmo e forte; pressão sanguínea normal, nem muito alta, nem muito baixa.
David Bodella ainda apresenta os critérios de contato psíquico para se relacionar com outras pessoas.
“1. Capacidade para concentração total, apresentá-la numa fração de trabalho, de uma tarefa, de uma conversa ou de um abraço genital, e um sentimento de unidade entre o que a pessoa faz e o que ela é.
2. Capacidade para o sentimento de contato quer consigo mesmo ou com outras pessoas, com naturalidade e arte e, por exemplo, com instrumentos utilizados no seu próprio trabalho; devem também ser mencionados aqui a habilidade de captar impressões, de ter coragem e o desejo de permitir que as coisas e eventos se estruturem.
3. Ausência de angústia onde não há nenhum perigo e capacidade de reagir racionalmente mesmo em situações perigosas – e coragem para entrar voluntariamente em situações perigosas onde vê uma finalidade racional e importante para fazê-lo.
4. Um sentimento profundo e duradouro de bem-estar e vigor, sentimento do qual a pessoa pode se tornar consciente cada vez que dirige sua atenção a ele, mesmo lutando contra dificuldades ou quando sentindo dor corporal, que não deve ser, entretanto, forte demais; parte desse sentimento pode ser ligado a sentimentos de prazer nos genitais durante a respiração.”
Já Mary Higgns e Chester Raphael sem o abandono da investigação básica das emoções humanas apresentam um texto reichiano de julho de 1952 chamado “A verdade Versus Modju” publicado no Orgone Energy Bulletin Vol. IV nº 3 no qual Reich demonstra como nos devemos nos precaver da peste emocional provocada por um caráter nocivo à vida;
(1) Confie na distinção entre uma expressão facial honesta e uma deformada.
(2) Insista para que tudo seja às claras.
(3) Use a arma da verdade com sensatez mas com determinação. O caráter pestilento é um covarde e não tem nada de construtivo para oferecer.
(4) Encare a peste de cabeça erguida. Não ceda nem esmoreça.
(5) Se necessário revele francamente os seus pontos fracos. Inclusive os seus segredos. As pessoas compreenderão.
(6) Ajude a suavizar a tensão dos sentimentos de culpa humanos sempre que possa, especialmente em questões sexuais, terreno essencial dos abusos da peste emocional.
(7) Tenha os seus próprios motivos, objetivos e métodos completamente à vista, amplamente visível para todos.
(8) Aprenda continuamente como enfrentar a mentira dissimulada.
(9) Canalize todos os interesses humanos para problemas importantes da vida, especialmente a educação de crianças.
Dando ênfase à sociologia por um lado e à biologia por outro, o Dr. Reich consegue apresentar as tendências mais evidentes de uma prevenção social da saúde emocional e física.
Como não existe caminho certo e sim caminhos possíveis, o maior desenvolvimento do trabalho Reichiano se deve ao estudo da Análise Bioenergética que propõe uma série de exercícios para uma saúde vibrante.
Assim, nessas três áreas de conhecimento, Psicanálise, Análise do Caráter e as Técnicas e Recursos da Análise Bioenergética encontramos um manancial importante para o trabalho de compreensão teórica de nossa proposta. Soma-se a psicologia do desenvolvimento e a psicologia do ego, temos o indivíduo analisado a partir do Édipo e de suas experiências precoces fomentando conceitos básicos de energia como: Alta Carga/Baixa Carga, carga e descarga, construção de carga e contenção. Alia-se o papel da respiração na compreensão bioenergética do processo emocional e a introdução ao conceito de grounding (“firmar-se”), podemos criar padrões de energia na dinâmica do ego combatendo as ilusões básicas que geram tensão a partir da unidade e antítese dos processos vivos nos níveis corporal e energético, comportamental e interpessoal.
A realização humana advém do amadurecimento psicológico que devido a tendências opostas do crescimento interior que provocam conflito e é sempre precedido por uma crise, por exemplo, as forças estáticas: adaptação, equilíbrio e estagnação versus as forças dinâmicas: evolução e progresso.
O ser humano maduro não é fixo ou estático, caminha para frente tornando a vida mais forte e mais rica, sua atitude interior e de disposição de ânimo e de mente, seja consigo mesmo seja com a vida, estabelece ligações harmônicas com o ambiente e a sociedade culminando numa natural alegria de viver desenvolvendo as faculdades humanas e a capacidade de expressá-las na vida.
A unidade gerada por pensamentos, emoções, impulsos e ações traduzem-se no diálogo mente-corpo através do sistema energético.
O fluxo energético (pulsão) gerando pulsação que dependendo da carga ou descarga geram prazer.
Em alerta ao nosso centro saudável, é necessário estarmos atentos aos rituais de relação, aos padrões de sensações, ao sistema de crenças e a expressão emocional dos indivíduos.
O contato com o corpo, com a terra, com a psiquê e com a sexualidade através de manobras bioenergéticas que reproduzem o stress da vida ajuda-nos a aprofundar a respiração, reduzir tensões físicas e liberar afetos através da pedagogia das expressões afetivas.
A realidade (autopossessão, ausência de ilusões, levantamento e ascensão) busca o prazer (abertura, conquista, fluxo de sentimentos e auto expressão) gerando uma nova base para a maturidade: vitalidade física, atitudes realistas, satisfação emocional e aceitação da vida.
PARTE II: O HOMEM EM BUSCA DA CRIANÇA
Leonardo José Jeber
A prevenção do encouraçamento é o aspecto principal da higiene mental
[e da educação preventiva ].
Wilhelm Reich
Todo amante da natureza traz uma criança no coração.
Todo artista criativo é em parte criança.
Toda pessoa alegre é uma criança entusiasmada.
Pois a alegria e a criatividade estão no coração da natureza.
Alexander Lowen
Este texto aborda a importância da contribuição da Bioenergética na educação escolar de Ensino Fundamental. Apresenta os princípios para uma prática e vivências corporais de movimento em Bioenergética, para crianças e educadores aí envolvidos. Apresenta, a partir de experiências vividas no interior de duas escolas (uma escola pública e uma escola particular da cidade de Belo Horizonte ) a contribuição para a saúde energética de crianças e educadores (adultos).
No meu dia-a-dia como educador e terapeuta em Análise Bioenergética tenho tido a oportunidade de realizar sessões de vivências em bioenergética, direcionados para crianças e para educadores. Isso tem seu sentido porque, nos dias de hoje, a escola também precisa ser repensada através de novas práticas que contribuam com a formação humana dos educandos e educadores que a compõem, numa perspectiva de prevenção. Segundo a educadora Iêda Lúcia , a educação do ser humano não pode estar divorciada do objetivo da prevenção. Os educandos e os educadores devem ser conduzidos a uma vida mais harmônica, saudável e feliz.
A questão da prevenção em educação nos remete ao pensamento de Wilhelm Reich . Segundo Paulo Albertini , Reich não foi um autor com atuação restrita aos limites de uma única área do conhecimento. Sempre com a mesma atitude otimista e acreditando na possibilidade de maior felicidade humana, lutou em todas as frentes que, de alguma forma, pudessem contribuir para a realização desse objetivo. Uma dessas frentes foi a Educação.
Historicamente, sabemos das preocupações de Reich com o trabalho preventivo das neuroses para com as crianças. Várias foram as suas ações junto à sociedade, através de iniciativas junto das famílias e junto dos educadores em geral. Sua intenção era a de sensibilizar e capacitar pais e educadores para se evitar os processos de encouraçamento e de neurose nas crianças. O seu trabalho “Crianças do Futuro”, feito entre 1926 e 1952, expressa de forma inequívoca suas preocupações e ações para com a educação das crianças. Outra contribuição de Reich foi a introdução do princípio da auto-regulação como tentativa de combater as propostas educacionais consideradas autoritárias ou o grau exacerbado de intervenção por parte dos educadores. Mais tarde tentou demonstrar a importância de se introduzir medidas educacionais terapêuticas que visavam combater o encouraçamento infantil, a cronificação de defesas com o conseqüente distanciamento de um funcionamento auto-regulado.
A educadora Maria Veranilda Soares Mota nos lembra que Reich tomou o princípio da auto-regulação da biologia. Ele verificou que todos os seres vivos têm essa capacidade. Segundo essa educadora, Reich percebeu que essa tendência é mais acentuada nas crianças e chamou a atenção para o fato de que precisamos pensar nos mecanismos dificultadores de aprendizagem vivenciados na escola., tendo em mente os ‘prejuízos’ que o sistema-escola tem causado a inúmeras crianças.
Outro dado importante que revela as preocupações de Reich com a educação foi a sua aproximação, que duraria até o fim de sua vida, com aquele que se tornou seu amigo: o educador A.S.Neil, fundador da escola de Summerhill, na Inglaterra, no período que durou entre 1936 a 1957. Neil tinha um projeto educacional cujos princípios eram similares ao que Reich denominava de auto-regulação.
Segundo Paulo Albertini,
Reich está mergulhado na ampla questão da sexualidade humana e sua visão de educação em nenhum momento separa-se desse âmbito. A visão de educação de Reich faz parte de um conjunto maior, de um combate cultural mais amplo, e não se restringe, portanto, ao âmbito da educação feita na escola.
Segundo a educadora Mota, para Wilhelm Reich, a educação deveria se preocupar em destruir as couraças caracteriais, e ainda, aprender a como evitá-las. Essa educadora diz que
“Quanto ao processo de prevenção das couraças, surge a esperança de um processo educacional que trabalhe as características básicas do conflito entre as expressões emocionais inatas da criança e as características próprias à estrutura mecanizada do homem. O educador precisa aprender a interpretar a linguagem das expressões emocionais naturais da criança e aprender a lidar com o meio social, restrito e amplo, na medida em que este se opõe a essas expressões. É necessário, portanto, quebrar os bloqueios, deixar a bioenergia voltar a fluir livremente e assim aumentar a motilidade do homem, que conseqüentemente resolverá muitos problemas decorrentes da inércia no pensamento e na ação”.
Essa mesma educadora acrescenta que, para Reich, uma boa educação vai depender da saúde do educador, ou seja, do seu bom estado emocional, pois são as patologias do educador, produtoras de frustrações desnecessárias no educando. Se o educador não interferir de forma inadequada, não produzirá patologias nas crianças.
Em outras palavras, Mota diz que, para Reich,
“a tarefa básica e soberana de toda a educação dirigida ao interesse da criança (…) é remover todo o obstáculo do caminho desta produtividade e plasticidade da energia biológica naturalmente dada. Estas crianças escolherão seu próprio modo de ser (…) devemos aprender com elas ao invés de impor-lhes nossas idéias (…) e nossa tarefa é proteger sua força natural para que elas possam fazer isso…”
Alexander Lowen nosso muito estimado criador da Análise Bioenergética, é um psicoterapeuta notável que fez sua formação inicial com Reich, e que traz contribuições significativas para pensarmos e agirmos com as crianças em termos de educação e formação humana. Especialmente em seu livro “O corpo em depressão” discute o conflito e a relação entre amor e disciplina, dando contribuições para pensarmos uma perspectiva educacional, na família e na escola, com base na compreensão e no amor.
Para Alexander Lowen, os educadores que melhor educam as crianças são aquelas que desenvolvem seu potencial criativo e sua capacidade de compreensão. Em suas palavras temos:
A pessoa criativa tem bons sentimentos em relação às crianças, pois reconhece a afinidade de seu espírito com o delas. Alegra-se com as crianças, tanto suas como as dos outros, porque toda criança é um novo ser cujos entusiasmos colocam excitação nas vidas. Compartilha com as crianças os seus prazeres, pois assim aumenta seu próprio prazer. Quer que toda criança conheça a alegria de viver que flui espontaneamente quando há liberdade para a manifestação dos impulsos naturais. Conheceu essa alegria. Não pode ver uma criança magoada sem sentir dor, pois também, em seu coração, é uma criança.”
E por falar em coração, vale citar mais uma vez Alexander Lowen. em seu livro “Amor, sexo e seu coração”. Ele diz que “No coração ainda somos crianças” e cita um provérbio alemão que indica que A criança é toda coração. Segundo Lowen, o ser humano passa por estágios de desenvolvimento. Esses estágios são como camadas, cada uma delas permanecendo viva e funcionando na pessoa adulta, acrescendo alguma qualidade especial ao conjunto toda da pessoa humana. As qualidades de cada estágio são resumidas por ele, da seguinte forma:
Bebê idade 0 – 2 = amor e estado de graça
Criança idade 3 – 6 = ludicidade e alegria
Menino/ Menina idade 7 – 12 = aventuras e desafios
Jovem idade 13 – 19 = romance e êxtase
Adulto idade 20 em diante = responsabilidade e realizações
Segundo Lowen, o crescimento que está sendo considerado é o desenvolvimento e a expansão da consciência pois cada camada representa uma apreensão consciente diversa, de si mesma e do mundo. Este autor ainda nos esclarece que a consciência não é uma parte isolada da personalidade, é uma função do organismo todo, um aspecto do corpo vivo. Desenvolve-se em relação ao crescimento do corpo física, emocional e psicologicamente.
No que diz respeito ao estágio Criança, período em que o ser humano vive a ludicidade, percebi como importante o que nos aponta Lowen:
A ludicidade, de fato, começa na primeira infância mas não se torna uma atividade consciente antes da meninice. Tampouco cessa nessa época. Sendo o crescimento livre e desimpedido, conservamos nossa capacidade de brincar vida afora, embora a ludicidade não seja o modo predominante de comportamento na maturidade como foi na infância.
O reconhecimento de cada desses estágios é importante para a formação de um adulto saudável. A Análise Bioenergética deseja contribuir para esse desenvolvimento. De novo o mestre Lowen ajuda-nos a compreender o que seria o adulto saudável:
O adulto saudável é o total integrado de diferentes estágios; um bebê no coração; uma criança, na imaginação; um garotinho quanto ao seu espírito de aventura; e um rapaz em suas aspirações românticas. Como adulto, também está ciente das conseqüências de suas ações e está preparado para assumir responsabilidades por elas. Contudo, se tiver perdido o contato com as primeiras camadas de sua personalidade, será uma pessoa estéril, compulsiva, rígida cuja responsabilidade representará mais uma obrigação imposta que um desejo natural.
Somente as pessoas realizadas e satisfeitas em cada um dos estágios iniciais chegam na etapa adulta com personalidades integradas.
Véronique Girard e Marie Joseph Chalvin, educadoras francesas contemporâneas, denunciam que a escola e o professor transformam o aluno num “animal so-cial”. Eles lhes transmitem condicionamentos úteis à adaptação ao ambiente. No entanto, para essas estudiosas, alguns desses condicionamentos são, infelizmente, impróprios do ponto de vista dos objetivos visados. Numerosos alunos excessivamente centrados na postura e na posição imposta pela escola, mostram-se muitas vezes incapazes de se fixar, de se concentrar e de se centrar numa tarefa ou objetivo: eles não chegam então a adquirir as aprendizagens necessárias para progredir no conhecimento e no saber.
A transformação do aluno num animal “so-cial”, me lembra a pérola do pensamento de Wilhelm Reich: só quando o homem reconhecer que ele é fundamentalmente um animal, ele será capaz de criar uma verdadeira cultura. A meu ver, esses dizeres indicam que, em geral, a nossa cultura escolar não é uma verdadeira cultura. Isso porque não está a favor do ser humano pois lhe prejudica a sua curiosidade natural para aprender. Acredito que a presença da Bioenergética na escola pode contribuir para o resgate da função educativa natural em crianças e educadores.
Diante dessa situação apresentada, essas educadoras francesas perguntam: como seria uma escola que favorecesse o movimento do aluno, que lhe permitisse explorar o espaço físico, que reconhecesse as alternâncias do visto e do oculto, do sobre e do sob, do alto e do baixo, do dentro e do fora, do repouso e da atividade, da retração e do envolvimento – isto é, uma pedagogia que reconhecesse a criança como individuo e não mais somente como aluno?
Portanto, tomando como referência os autores acima mencionados nesse texto, realizo encontros de Vivências de Bioenergética com crianças e educadores contribuindo para que na escola se criem espaços para um trabalho educacional integrado, onde todas as dimensões do ser humano em formação estejam sendo atendidas. Um trabalho em que alunos e educadores tenham um espaço de expressão e manifestação catártica de seus sentimentos e emoções contribuindo assim com a prevenção de seus encouraçamentos e neuroses.
Sabemos que no dia-a-dia da escola os professores, em geral, queixam-se das indisciplinas dos alunos quando se referem à dificuldade de atenção, à dificuldade de relacionamentos e interações humanas no interior das salas de aula.
Por parte dos alunos, há os comportamentos clássicos através dos quais eles se esquivam das aulas: as constantes queixas de “dores de cabeça”, “dores de barriga”, “falta de ar” e outros “desconfortos corporais” são constantes e permitem que eles busquem maneiras de sair das situações desprazerosas que existem em sala de aula, e se ausentem efetivamente das atividades aí propostas.
A partir do trabalho que venho experimentando com crianças e educadores, sugiro enfaticamente, que não só as crianças mas também os educadores possam participar de vivências corporais através da bioenergética – porque é preciso resgatar a escola como um espaço privilegiado para a realização de todas as possibilidades humanas; porque é preciso fazer do processo educacional um exercício da inteireza em que educadores e alunos possam lidar com uma sabedoria prática conjuntamente com os conhecimentos sistematizados que a escola tenta socializar; porque para lidar com a atual crise mundial em educação é preciso que cada educador se trabalhe na instância de sua subjetividade, de seu mundo interior, de modo que perceba que os conteúdos que compartilha com o aluno tem a ver também com a maneira como ele está diante do mundo. Acredito que, só assim, os educadores poderão estar capacitados para formar, verdadeiramente, as personalidades integradas dos alunos.
Quando educadores e crianças estão se encontrando em sala de aula eles têm que se colocar como pessoas inteiras, com múltiplas dimensões. Isso não tem sido muito considerado na formação dos professores. Nossa cultura de formação valoriza por demais a dimensão livresca, letrada e racionalista , menosprezando e não considerando que o educador, para ser inteiro, tem que se formar, também, na sua dimensão física, emocional e espiritual. Assim, é preciso resgatar a pessoa dos educadores que estão envolvidos nesse processo, e quebrar a artificialidade que existe na prática docente. É preciso tornar o educador sensível a si mesmo para estar sensível ao outro. «Como os educadores vão conseguir energia para lutar por uma cultura de solidariedade se eles mesmos não estiverem inteiros?”
O modelo tradicional de escola parou na transmissão de conteúdos. Na perspectiva transpessoal, o papel da escola é trabalhar com os seres humanos em sua inteireza. É preciso que, além de serem capazes de elaborar com competência os conteúdos, os educadores mergulhem corajosamente num processo de auto-exploração, autoconhecimento e transcendência. É preciso, também, que os educadores lutem pela transformação político-social a partir da dimensão subjetiva de seu próprio ser, de sua autotransformação. Também para lidar com as dificuldades de seus alunos é necessário que o professor compreenda as dinâmicas da psique dentro de si mesmo e isso remete, novamente ao trabalho de autoconhecimento. Somente trabalhando seu ser no mundo das dimensões corpo-mente-espírito, o professor poderá ajudar seus alunos a entenderem e resolverem seus problemas pessoais no processo ensino-aprendizagem, que deve estar em contato com a vida como um todo. Enfim, é preciso despertar no educador a sua consciência inteira que parte da sua consciência corporal e só assim ele poderá atender e respeitar a natureza corpórea da criança, que é extremamente cinestésica e motora.
Nesse contexto, a prática e atendimento às crianças e aos educadores, através das vivências em Bioenergética, feitas individualmente ou em grupo, surgem como uma tentativa e perspectiva de construir novos valores sociais que enfatizem a qualidade de vida e as relações dos seres humanos consigo mesmos, com seus semelhantes e com a natureza .
Reiterando o exposto acima, percebo que na escola, parece que o corpo tem sido indevidamente considerado pelos professores como condição básica para a aprendizagem escolar. Assim sendo, a escola de modo geral, não atende a uma série de necessidades orgânicas e interesses funcionais/naturais dos alunos por uma prática escolar que considere a dinâmica do corpo em todo o processo ensino-aprendizagem, em toda e qualquer disciplina escolar.
Dessa forma, as vivências corporais em bioenergética – apresentadas numa perspectiva lúdica – fazem parte de um conjunto de práticas que visam contribuir com a qualidade de vida das crianças e dos educadores, apresentando-se e constituindo-se como uma prática corporal terapêutica que tem, nos princípios de carga-descarga/tensão-relaxamento e restituição do fluxo energético, as suas bases de organização e execução.
Assim sendo, essas vivências corporais na escola se voltam para o crescimento humano e o autoconhecimento, através de exercícios, realizados de forma lúdica, criativa, e não competitiva, que levam as crianças e educadores a entrarem em contato com sua sensibilidade corporal e emocional. Nesse sentido, é um trabalho preventivo contra o stress físico e emocional que atinge as crianças e os educadores que estão diante de uma realidade escolar repressora, numa perspectiva bancária, como diria o saudoso e grande educador brasileiro, Paulo Freire .
Como se participa e como se vivencia a Bioenergética na escola?
As vivências devem ser feitas com carinho, cuidado e interesse . São trabalhadas de forma que as crianças e educadores entrem em contato com seu corpo, com sua natureza biológica, orgânica, com a percepção sensorial dos movimentos, sendo capazes de estarem atentos à sua capacidade de auto-regulação. As vivências não são performáticas e não visam à competição. São realizadas numa dinâmica cooperativa, inclusiva e lúdica porque visam o prazer do praticante. É uma prática corporal que também enfatiza a suavidade, a lentidão, o relaxamento, a alegria, o prazer e a valorização da sensação. São utilizados vários recursos materiais que auxiliam as dinâmicas dos movimentos mas a principal matéria prima é o próprio corpo de cada um e de todos em conjunto.
As vivências em bioenergética são uma educação de movimentos e posturas centrados nos processos energéticos, na sensibilidade e na coordenação neuromuscular. É um trabalho com base na propriocepção, que é a sensação de si mesmo, sensibilidade muscular, sensibilidade articular e cinestésica. Isso porque, segundo José Ângelo Gaiarsa, nosso aparelho locomotor não apenas faz ou executa; ele sente tudo o que faz e sabe tudo o que faz – pela propriocepção. É ela que nos diz a cada momento e em todos os momentos qual a atitude ou postura em que nos encontramos e quais os gestos e movimentos que estamos executando.
Educar a propriocepção é ensinar a perceber as nossas intenções, tudo o que é inconsciente para nós e que se expressa em nossos maneirismos, no falar, no andar, no olhar e no se portar que expressam o interior de uma pessoa. Isso reflete o que afirmava Reich: o corpo é o inconsciente visível.
Para Reich e Lowen, o corpo físico não mente. Seu tom, cor, proporções, movimentos, tensões e energia refletem uma estrutura de sinais que são uma linguagem clara para aqueles que observam e aprendem a lê-la .
Aprendemos sobre nós mesmos tendo consciência do nosso corpo porque, como nos diz Alexander Lowen, nós somos o nosso corpo e nosso corpo é nossa vida. As vivências corporais e as vivências de bioenergética são uma prática corporal que ajuda a melhorar a personalidade de cada um quando ensina a sentir as intenções, coordenando melhor os gestos e as expressões que se tornam cada vez mais graciosos, espontâneos e suaves. Assim, alcançamos, através da restituição do fluxo energético, a vitalidade corporal, base para a espiritualidade do ser humano.
Enfim, minha intenção foi a de mostrar a contribuição da Bioenergética para a construção de uma formação humana baseada em princípios educacionais centrados na auto-regulação, no desencouraçamento, na restituição e manutenção do fluxo energético, na construção de uma cultura escolar que esteja integrada à dimensão da natureza humana, permitindo uma educação preventiva, para educandos e educadores, se constituírem cada vez mais como sujeitos harmonizados, saudáveis e felizes.
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