17 – Título do trabalho
CONSCIÊNCIA CORPORAL, ESCOLA E DISCIPLINA: REFLEXÕES
Ana Maria Mendez González
anagon@uol.com.br
Comunicação verbal
A) IMPLICAÇÕES PRÁTICAS
A percepção da importância do trabalho corporal em sala de aula, aconteceu devagar, ao longo de uma dezena de anos de atividades com grupos de professores.
O objetivo dessas atividades grupais com professores era inicialmente conduzi-los à compreensão da importância da consciência corporal e, com esse recurso, ajudá-lo a aliviar suas tensões físicas e emocionais. O caminho foi difícil, porque os grupos não entendiam ou não podiam entender sobre o que eu tentava lhes falar.Alguns participantes já se exercitavam em caminhadas, ginásticas, yoga, artes marciais e acreditavam que, às informações de que dispunham, eu nada iria lhes acrescentar, visto que já sabiam do que eu tratava. O engano era inevitável, visto que consciência corporal não prescinde de certa reflexão, ausente das atividades corporais que se desenvolvem atualmente em suas variadas formas. Tal reflexão inclui fundamentalmente as conseqüências do trabalho sobre o corpo, e a ligação entre esse trabalho e o comportamento e as emoções das pessoas. Tal prática, parece-me, não é muito comum de se observar nas atividades de que o público dispõe atualmente. Ou seja, exercitar-se nos diferentes trabalhos possíveis de corpo, não significa necessariamente ter consciência corporal. Isso foi uma constatação que fiz também no trabalho clínico, em consultório, com pessoas provenientes de áreas em que se podia supor, inicialmente, que já dispusessem desse hábito, tais como bailarinas, praticantes de artes marciais em geral e desportistas.
O aspecto de reflexão é muito importante, em se tratando dos objetivos estabelecidos com os grupos de professores. As características do trabalho docente indicam a necessidade de informações objetivas a respeito do funcionamento do corpo e de incorporar tais atividades em um significado elaborado em relação a sua prática profissional. É visível o acúmulo de estresse, durante o desenrolar do processo educacional, nos sintomas que surgem no período de provas finais do período letivo. As questões de relacionamento em sala de aula são presentes a cada minuto de trabalho, porque fazem parte da natureza básica do trabalho docente. Além disso, alguns aspectos do mundo moderno dificultam a tarefa da escola, por acrescentar-lhe outros aspectos negativos. Não se pode negar a contaminação da crise geral da sociedade, numa escola nem sempre preparada para resolver tais problemas, como a droga e a violência. Outros aspectos sociais e econômicos da classe profissional se encaixam nesta lista perversa.
Pois, se, no início do meu trabalho eu levantava o tema do conhecimento do corpo como primordial, em certo momento, tornou-se necessário que o conceito do estresse se fizesse presente, assim que ele começou a permear as preocupações da sociedade em geral. A acomodação a essa novidade ajudou em muito a realização do trabalho, que, agora, tinha um apelo que também era de importância social.Os professores espelhavam essa necessidade coletiva e isso facilitava a aceitação do meu discurso e das práticas que eu propunha.
Essa segunda etapa do trabalho, com um apelo na questão do estresse, tinha praticamente as mesmas intenções do trabalho inicial, mas eu as realizava através de outro caminho. Mesmo assim, percebia algumas recorrentes dificuldades, tais como a resistência dos professores em relação ao que se refere ao corpo, a dificuldade econômica dos estabelecimentos e o horário de trabalho coletivo na escola, que, quando existente, é mais normalmente empregado em tarefas de cunho cognitivo.
Com o passar do tempo, este trabalho acabou por desembocar no tema das relações interpessoais do cenário de aula e, claro, no tema da ‘disciplina’. As trocas de experiência ao final dos trabalhos se encaminhavam pouco a pouco para o cenário das relações interpessoais, permeadas pelas questões da disciplina. Alunos rebeldes ou hiper-ativos, grupos difíceis, lideranças negativas. Como lidar com isso tudo?
Premido pelas circunstâncias adversas, o professor dá-se conta da utilidade de um trabalho corporal. Percebe que a maneira como lida com seu corpo e com o corpo da classe, pode aumentar ou minorar em muito o nível de estresse diário a que está sujeito.Ele acaba chegando com facilidade à compreensão de que a classe, que apresenta características próprias, também reage a ação de sua autoridade. É com curiosidade que ele se apropria do conceito de que cada classe é um organismo vivo, ou seja, um corpo com uma dinâmica própria que deve e pode ser lida e elaborada pelo docente na relação. Essa informação chega a lhe causar alívio, justificada se pensarmos que formação do professor nem sempre lhe oferece respaldo eficiente nessas questões psicológicas.
Dessa forma, a dinâmica das relações interpessoais que ocorrem na sala de aula melhoram se o professor dirigir sua atenção a esse aspecto. E o trabalho corporal é o recurso a ele oferecido para dar conta de tal empreitada.
Não chega a ser totalmente novidade para o professor a importância das relações interpessoais na sala de aula. O que se coloca para ele, nesse momento, é a ampliação de seus recursos ou um outro espaço para elaborar esse tema.
A dinâmica da sala de aula se organiza por meio de um trabalho de auto-regulação em que se colocam questões transferenciais. Há vínculos implícitos nas relações entre professor e o ‘corpo de alunos’, ou classe. A compreensão dessa dinâmica e vínculos pode minorar os problemas de organização do trabalho docente, já que a ‘disciplina’ em sala de aula apresenta ligações com esses aspectos. O trabalho de consciência corporal, que implica pensar e sentir o corpo, pode ajudar sobremaneira o professor na condução do ritmo da aula aliviando e mesmo eliminando alguns sintomas de estresse seus e dos alunos, e propiciando clima adequado de relacionamento para a aprendizagem. Ou seja, o tema da disciplina da sala de aula – ou comportamentos adequados e inadequados – poderá ser mais eficazmente elaborado se o professor dispuser de informações a respeito de sua consciência corporal e da idéia do grupo de alunos como um ‘corpo’ com uma respiração própria. Paralelamente ao trabalho com sua respiração pessoal, desenvolvemos sua percepção em relação a respiração da classe.
Como podemos observar, aspectos educacionais e psicológicos estão implicados na questão que procuramos descrever.
No aspecto educacional, talvez haja uma possibilidade para a percepção do corpo como um instrumento intermediário, necessário no processo de aprendizagem humana, segundo a teoria de Vygotsky. Na abordagem psicológica, Wilhelm Reich e Alexander Lowen, nos oferecem a bagagem conceitual e prática.
Em seguida, detemo-nos em alguns desses aspectos.
B) IMPLICAÇÕES TEÓRICAS
Vários educadores têm-se reportado à questão das relações interpessoais e dos comportamentos inadequados em sala de aula. As variações de abordagem não deferem num aspecto: a questão apresenta muitos aspectos e é complexa em sua resolução. Requer-se atenção cuidadosa em todos esses aspectos implicados no problema. São alguns deles, entre outros: a competência e a autoridade do professor, a adequação dos conteúdos ao nível da sala, a presença de alunos ‘difíceis’ ou de lideranças negativas, o clima da escola.
A psicologia contemporânea admite que as características de cada indivíduo vão sendo formadas a partir das inúmeras e constantes interações do indivíduo com o meio, compreendido como contexto físico e social, que inclui as dimensões interpessoal e cultural. Há trocas recíprocas do indivíduo com o meio, ao mesmo tempo em que ele internaliza as formas culturais, as transforma e intervém no universo que o cerca. De que maneira esse indivíduo se forma como pessoa e autoridade e se defronta com a pessoa e a autoridade do outro são questões que se vivencia cotidianamente no cenário escolar. De que maneira o professor lida com essa questão em relação aos alunos e a si mesmo é a matéria de nossa reflexão.
Acreditamos ser possível estabelecer uma relação entre a relações interpessoais e a consciência corporal de que o professor dispõe, como instrumento eficiente na condução do processo que se desenvolve na escola.
Segundo Vygotsky , “São os instrumentos técnicos e os sistemas de signos, construídos historicamente, que fazem a mediação dos seres humanos entre si e deles com o mundo.”(1) Logo em seguida ele continua : “Entende-se assim que a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, pois é mediada por meios, que se constituem nas ‘ferramentas auxiliares”da atividade humana.”(2) A postulação da intermediação necessária no processo de aprendizagem humana talvez abra uma possibilidade para a percepção do corpo como um desses instrumentos intermediários. Isso ainda possibilita ao professor lidar com suas ansiedades, facilitando assim o andamento das relações interpessoais na sala de aula.
Por outro lado, o desenvolvimento do trabalho corporal na Psicologia, iniciou-se com Wilhelm Reich, que viveu entre 1897 e 1957, e foi desenvolvido por Alexander Lowen, em seus inúmeros trabalhos publicados. Como mostra Albertini “Reich não foi um autor com atuação restrita aos limites de uma única área do conhecimento. Sempre com a mesma atitude otimista e acreditando na possibilidade de maior felicidade humana, lutou em todas as frentes que de alguma forma pudesse contribuir para a realização desse objetivo. Uma dessas frentes foi a Educação. ”(3)
Ele desenvolveu uma explicação do natureza humana em que o corpo tem uma relação com o social e juntos desenham uma história. A ideologia social se desenha no corpo dos cidadãos. Com o processo de prevenção das couraças, indicado por ele, surge a esperança de um processo educacional que trabalhe as características básicas do conflito entre as expressões emocionais inatas da criança e as características próprias da estrutura mecanizada e do encouraçado homem.
É de Reich a inspiração política para o trabalho do docente que aprende a interpretar a linguagem corporal das expressões emocionais suas e de seus alunos, todos afeitos ao meio social da escola e ao do mundo que os cerca. Em Lowen, buscamos, fundamentalmente, a busca do prazer, como princípio básico de vida, que deve se infiltrar em todos os cantos de uma escola que contata com o mundo.
Dos dois, de Reich e de Lowen que nos vem a prática de um trabalho passível de ser aplicado na escola, que dele muito necessita para o bom andamento do processo de ensino-aprendizagem, e que deve ter como ponto de partida a constituição de um professor, capaz de ser eficiente mediador de todo o trabalho.
Seus conceitos de desencouraçamento, auto-regulação, carga e descarga/tensão-relaxamento, manutenção de fluxo energético nos indicaram caminhos práticos e serviram de fundamentação teórica ao trabalho que temos desenvolvido. O conceito de auto-regulação, essa capacidade espontânea e visceral da própria vida, apresenta uma forte relação com o desenvolvimento daquilo que Vygotsky chama de ‘capacidade de auto-governar-se ‘, ‘agir de modo deliberado e consciente’. A respiracao, antes de tudo, tem sido nosso ponto de partida para a compreensao da importância do movimento corporal. Temos percebido, que muitas vezes e também o ponto de chegada.
PALAVRAS FINAIS
Acreditamos ser possível uma nova postura frente ao problema dos comportamentos humanos em sala de aula, desde que o professor tenha conhecimento das normas que vigem as relações interpessoais, ou seja, a dinâmica das emoções que se desenrolam na sala de aula. Como as emoções se manifestam fisicamente, o conhecimento do corpo e de seu funcionamento torna-se instrumento fundamental para atingir tal eficiência. A consciência corporal, que implica pensar e sentir o corpo, pode ajudar sobremaneira o professor na condução do ritmo da aula, percebendo a respiração e o ritmo da classe, aliviando e mesmo eliminando alguns sintomas de estresse seus e dos alunos, e propiciando clima adequado de relacionamento para a aprendizagem
Uma escola que tenha esse professor terá como característica um clima em que a flexibilidade e alegria estarão sempre presentes. Basta que o professor seja sensível à linguagem corporal sua e ‘a do grupo de alunos com que se relaciona. Ele será também um professor mais harmonioso e seus alunos poderão ser mais espontâneos na relação com a escola e o mundo. Uma escola mais prazerosa poderá assim acontecer.
Notas :
(1)REGO, Teresa Cristina. Vygotsky. Uma perspectiva histórico-cultural da educação.Petrópolis: Edit. Vozes, 1995. p.42.
(2) ____________________. Id. Ibid., p. 42
(3) ALBERTINI, Paulo. Sobre algumas contribuições de Reich ao conhecimento humano. Revista Reichiana, 1998, n.º 7, p.43.
BIBLIOGRAFIA :
ALBERTINI, Paulo. Sobre algumas contribuições de Reich ao conhecimento humano. Revista Reichiana, 1998, n.º 7.
LOWEN, Alexander. Bioenergética. São Paulo : Summus editorial, 1982
MOTA, Maria Veranilda Soares. Introdução ao pensamento de Wilhelm Reich e seus reflexos na educação. Revista Reichiana, 1998, n.º 7.
REGO, Teresa Cristina – Vygotsky. Uma perspectiva histórico-cultural da educação.Petrópolis: Edit. Vozes, 1995. p.42.
REICH, Wilhelm.Análise do caráter.São Paulo: Martins Fontes, 1989.