Bioenergética: passado, presente e futuro
Várias pessoas me ajudaram com essa palestra e eu quero reconhecê-las. Agradeço a Michael e
A literatura à qual vou me referir foi toda escrita em inglês porque esse é o único idioma que eu acredito ler com real compreensão. Eu também discutirei parte do material discutido por Bob Lewis. Eu admiro a sua habilidade de tão maravilhosamente descrever a sintonia empática como ela é experimentada no soma/psique do terapeuta.
Morris perguntou ao seu filho, agora com 10 anos, se ele conhecia a estória de como nasciam as criancinhas. “Eu não quero saber!” ele disse, começando a chorar.
Confuso, o pai perguntou ao filho o que havia de errado. “Oh, papai,” disse ele soluçando, “aos seis anos me contaram que não existe Papai Noel. Aos sete, me contaram que não há coelhinho da páscoa. Se você vai me contar agora que adultos realmente fazem sexo então eu não tenho mais por que viver!”
Eu achei que chamaria a sua atenção se mencionasse a palavra sexo; mas, para colocá-los á vontade, eu não vou anunciar que o futuro da Bioenergética não deveria mais ter sexo como um aspecto importante da terapia. Nos programas de 12 passos para pessoas com vícios, cada pessoa se levanta e fala a sua verdade. Elas dizem coisas como: “Meu nome é… e eu sou um alcoólatra, um viciado em sexo, viciado em cocaína… o que for.” Bem, eu vou ficar aqui na frente de vocês hoje e lhes dizer a verdade. “Meu nome é Helen Resneck-Sannes e eu entrei em análise Bioenergética para ter “O Grande O.” Vocês sabem aquele orgasmo de corpo inteiro que vai da cabeça até os dedos dos pés, de dentro para fora; aquele orgasmo descrito no livro Por quem os Sinos Dobram, que faz com que a terra se mova para fora de seu eixo.
Quando eu comecei a minha terapia bioenergética, eu estava tendo bom sexo com meu marido e orgasmos regulares, mas Lowen e Reich estavam descrevendo algo muito poderoso. Na época, eu estava confusa sobre como este orgasmo incrível ocorria sem um parceiro e somente mais tarde entendi que o reflexo orgástico era uma onda de energia que circulava em todo o corpo, criando um ritmo harmonioso que era independente da relação sexual. Bem, eu acho que eu tive “O Grande O” algumas vezes; se não “O Grande O”, eu definitivamente experimentei correntes passando por todo o meu corpo produzindo uma sensação vibratória harmônica. No entanto, em 1984 ou 1985, durante uma palestra em Berkeley, Califórnia, Lowen admitiu que ele, aos 74 anos, nunca tinha tido “O Grande O” e duvidava que ele jamais teria já que estava ficando mais velho. Apesar de desejar um reflexo de orgasmo completo, ele tinha se tornado consciente de que as correntes harmônicas no colchão não indicam necessariamente que a pessoa é saudável nem mesmo que tem um relacionamento sexual saudável.
Apesar de ter começado a falar com uma estória pessoal, eu acho que o meu envolvimento com a Bioenergética espelha o seu desenvolvimento como uma teoria e uma prática. A realidade é que a Bioenergética é uma terapia que vem sendo criada em nossos consultórios, em nossos programas de treinamento, no que escrevemos e nestas conferências. E, temos um novo currículo graças ao compromisso, tenacidade e boa vontade dos nossos professores e especialmente dos que o escreveram – como Guy Tonella e Violaine De Clerck.
Da maneira como eu vejo, três grandes paradigmas surgiram ao longo do tempo e influenciaram os membros da comunidade Bioenergética e sua prática de terapia. O primeiro paradigma na Bioenergética, como desenvolvido por John Pierrakkos e Alexander Lowen, via a pessoa pelo lado de fora. Abrindo a armadura, a pessoa estaria livre. Quando eu comecei terapia, eu tinha alguns conceitos do que seria a análise bioenergética. Isso mudou rapidamente. Durante as primeiras sessões, minha terapeuta lia meu corpo e me ensinava como fazer o “grounding”. Depois disso, cada sessão começava comigo sentada contra uma parede. Ambas esperávamos que minhas pernas ficassem cansadas e eu me renderia e permitira que sentimentos mais suaves emergissem. Ao entregar o controle, supostamente, a armadura ao redor do meu peito se abriria; e, subseqüentemente, meu coração. Eu não percebi na época o profundo efeito que esta experiência teria em mim. Á medida que meus amigos me viam mais aberta com minhas emoções e disposta a expor a minha vulnerabilidade, eles entravam na terapia Bioenergética.
Á medida que a prática da Bioenergética se desenvolveu, surgiu um segundo paradigma. Influenciado pelos ensinamentos de Stanley Keleman, David Boadella, Gerda Boyesen, Peter Levine e outros, o foco mudou. Minha terapeuta estava tendo sessões com Stanley Keleman e sendo treinada por Gerda Boyesen; e, por causa da sua influência, a minha terapia mudou. Agora, não somente ela comentava sobre a minha estrutura externa, ela também focava no fluxo de energia dentro do meu corpo. Assim, depois que as minhas pernas cansavam por estarem contra a parede, eu deitava no colchão enquanto ela e suas mãos davam apoio á minha cabeça ou à minha barriga, para suavizar o “tubo interno,” o fluxo de energia da minha garganta até minhas vísceras. Foi durante essa época que a minha terapia chegou a um impasse e terminou. Eu me tornei consciente de que, para abrir o meu coração, em precisava de uma pessoa empaticamente sintonizada que pudesse ressonar comigo e sentir o que eu precisava somaticamente, emocionalmente e verbalmente.
E, numa manhã, em uma conferência em Montebello, eu finalmente fui capaz de dar voz ao meu protesto sobre ser vista como um corpo energético, separado da pessoa. Uma amiga minha estava praticando uma técnica que ela tinha aprendido com Peter Levine. Se você não o conhece, ele deu uma palestra em nossa conferência em Montebello há alguns anos atrás e desenvolveu uma terapia somática para trabalhar com trauma. A técnica é chamada de “Abrindo os Quatro Diafragmas.” Eu gosto dessa intervenção e, de fato, ensinei aos professores no inicio da semana. Quando trabalhamos juntas no passado, ela tinha notado que meu corpo algumas vezes era capaz de entrar no que Levine chama de ressonância harmônica ou correntes que compreendem “O Grande O.” Á medida que ela observava meu corpo mais de perto, eu fiquei pensando se ela realmente se importava comigo ou apenas tinha a intenção de produzir um efeito somático. Eu comecei a chorar e disse a ela: “Por favor, fique tão interessada em mim quanto você está no meu corpo.” Ela, sendo uma terapeuta sensível, aproximou-se e pegou minha mão. Mais tarde naquela mesma manhã Bob Lewis estava dando uma palestra para todos os conferencistas em Montebello. Ele mencionou que tinha dito a mesma coisa ao seu terapeuta: “Por favor, esteja tão interessado em mim quanto você está no meu corpo.” Outra vez, obrigada Bob Lewis.
Nessa época, um terceiro paradigma estava surgindo influenciado pelos ensinamentos e escritas de Len Carlino, David Finlay, Bob Hilton e Bob Lewis, e apoiado por recentes pesquisas neurobiológicas e estudos investigativos sobre o processo e eficácia da psicoterapia. A pesquisa sobre o que causa mudança em psicoterapia tem-nos dado, repetidamente, os mesmos resultados: a mudança na terapia ocorre por causa de algo que está acontecendo no relacionamento entre o terapeuta e o cliente. O terapeuta não mais é um observador objetivo, separado, lendo o exterior do corpo, ou uma pessoa neutra que afeta a parte interna (ver também Stark 1999; Klopstech 2002). [1][1]
Para entender melhor o desenvolvimento desses três paradigmas, precisamos acompanhar a estória da Bioenergética como uma terapia. Ao discutir nossas raízes teóricas, começamos com Reich. Suas teorias e pesquisas incluíram não somente os domínios da psicoterapia mas foram além, na energia, na política e no tempo. Ele era um psicanalista e estava formulando a sua psicoterapia do corpo e energia como uma reação contra a tirania da mentalização e das palavras. Quando ele se focava nos padrões, nas ações, pensamentos, sentimentos e relacionamentos dos pacientes, ele estava observando como eles se correlacionavam no corpo de uma pessoa em termos da sua estrutura muscular e energia de vida. As experiências passadas dos pacientes – seus primeiros vínculos , experiências de criança e relacionamentos históricos, eram importantes para entender o caráter. O caráter é a maneira como a pessoa se relaciona no presente. Devido ao fato que ele estava mais interessado em como o paciente estava no momento da terapia e prestava menos atenção ás associações e pensamentos, Reich pode ser descrito como um dos primeiros psicoterapeutas relacionais.
Lowen entrou no período médio de Reich, quando este estava mais interessado em correlacionar a teoria psicanalítica e o corpo. Como Reich, ele estava formulando suas teorias em reação contra o viés da verbalização e tendia a desenfatizar estados mentais, imagens e sonhos. Ele fez algumas contribuições brilhantes para o campo da psicoterapia. O seu trabalho clássico, A Linguagem do Corpo, define a análise de caráter em relação ao corpo em desenvolvimento. Além disso, ele descreve que tensões psicológicas e manifestações ocorrem quando se vive em uma sociedade que fornece uma quantidade imensa de estímulos em grande velocidade e julga os seus padrões como algo externo aos sentimentos da pessoa e ao sentido de si mesma. Dentro do campo da psicanálise, o seu livro sobre narcisismo coloca este como um processo que ocorre dentro e entre todos os caracteres. Esta é uma brilhante análise formada, pelo menos em grande parte, pela maneira como Lowen freqüentemente sabia a sua verdade – não analisando teorias, mas observando, estando junto e ressonando com as pessoas.
Um ano e meio atrás, em Pawling, eu ia sair para caminhar quando Lowen me chamou e começou a falar sobre o que ele sentia ter sido importante para ele na sua jornada terapêutica. Ele disse para continuar fiel ao que você sabe, e para ele, isso tem sido seguir o corpo. Ele disse que esteve brevemente interessado no conceito de Reich de orgone e energia, mas agora via isso como uma distração do que era realmente importante.
Reich e Lowen são a nosso legado, as raízes a partir das quais nós crescemos. O que a Bioenergética tornou-se hoje e como ela se compara a outras modalidades terapêuticas? Uma área polêmica que tem surgido na literatura da terapia é o papel do afeto e da emoção. Acho que é seguro dizer que a maior parte dos terapeutas bioenergéticos trabalha com afeto e expressão emocional. Ao abrirmos padrões de contenção somática, que são bloqueios ás necessidades emocionais, certamente damos suporte ás pessoas nas suas expressões emocionais. Quando falamos, ajudamos a pessoa a estar com seus sentimentos, – e não estou dizendo “livrar-se dos sentimentos.” Eu me lembro de uma palestra na Grécia há alguns anos atrás, quando Lowen levantou-se e gritou, “A Bioenergética não é catarse.” Catarse é a descarga dos sentimentos. Em uma análise de caráter, certos sentimentos são, às vezes, encorajados enquanto que, em outros momentos, afetos são contidos e confortados.
O papel das emoções e do sentimento está sendo reexaminado na teoria do vínculo e do trauma. Terapeutas de comportamento cognitivo e terapeutas de trauma trabalham para conter e modular o sentimento, enquanto que terapeutas que trabalham no campo da psicoterapia emocionalmente focada, da psicanálise e análise bioenergética, acreditam que ocorre uma mudança quando o afeto é intensificado. Um dos últimos conceitos no campo da psicoterapia vem da literatura sobre trauma e são usados para descrever os processos quando os pacientes lidam com material com alta carga – emocional e traumática. Esta é a JANELA TERAPÊUTICA. É o nível ideal de excitação e emoção para processar o material traumático. Vou repetir: janela terapêutica é o nível ideal de excitação e emoção para processar material traumático. Ao discutir esse conceito, eu estarei usando alguns termos da neurobiologia. Vocês não precisam lembrar-se deles para entender os conceitos.
Na pesquisa neuro-biológica, uma dicotomia entre as duas áreas do cérebro é enfatizada. O cérebro límbico e o cérebro cortical são distintos em função e em local anatômico (o cortical está no topo do límbico). Há uma variação em como essas duas áreas do cérebro interagem não somente de um indivíduo para outro, mas de minuto a minuto num mesmo indivíduo. O sistema límbico corresponde a um cérebro emocional reflexivo, inconsciente, filogenèticamente mais antigo. Esta parte do cérebro processa material somato-sensorial (material sensorial externo também) não verbal. O cérebro emocional se desenvolve entre um e três anos de vida e é influenciado pelas nossas primeiras experiências com as pessoas que cuidam de nós (outras partes do cérebro também se desenvolvem durante esse período. E: o “cérebro emocional” continua se desenvolvendo durante as nossas vidas.) É com esta parte do cérebro que os analistas de Bioenergética, mais do que quaisquer outros psicoterapeutas, trabalham diretamente. As áreas corticais, por outro lado, representam o cérebro consciente narrativo, lingüístico, simbólico e que é principal área de foco em uma terapia cognitiva e psicanalítica. Existem conexões entre os dois, e cada um influencia o outro. Essas duas áreas do cérebro processam memória e informações de maneira diferente. A memória emocional do sistema límbico está codificada por eventos afetivos ou sensoriais intensos como o trauma. A memória declarativa está codificada na forma simbólica da linguagem. Tem sido proposto por muitos, como Brockman, Siegal e Schore que a mudança terapêutica resulta de trazer toda a capacidade do cérebro cortical para intensas experiências emocionais. Basicamente, este tem sido o processo de uma análise bioenergética, trazer nossas experiências corporais para o consciente e completo entendimento intelectual. No passado, focávamos na parte externa do corpo, padrões de estrutura somática e depois na parte interna do corpo e sentimentos viscerais.
Um segundo conceito que está aparecendo na literatura é que os estados corporais estão representados no cérebro. Agora é a hora de focar no corpo que vive na mente ou o CORPO/MENTE. Este termo é um conceito importante. Tem havido uma separação na Bioenergética entre a cabeça e o corpo. “As pessoas têm dito: Saia da sua cabeça e volte para o seu corpo.” Eu acho que o corpo está na mente e eu lhe darei algumas pesquisas que apoiam esse conceito. As novas técnicas para estudar o cérebro fornecem cada vez mais informações sobre a sua estrutura e função. Com a introdução das técnicas de imagem do cérebro e máquinas para escaneamento, não somente os estados somáticos têm sido correlacionados com partes físicas do cérebro, como também a mente foi re-introduzida como um sistema energético
Já não somos uma mente x um corpo, mas mente e corpo são um só, funcionando como um sistema intrinsecamente relacionado, transferindo informações sobre os estados somáticos e processando eventos verbais e cognitivos. Nossas experiências somato-sensoriais estão representadas em nossa mente. Nascemos com uma representação completa do nosso corpo em nosso cérebro. Como sabemos disso? Bem, eu lhes direi. Esta é realmente uma pesquisa interessante – quase tão boa quanto “O Grande O.” Pesquisadores da Universidade McGill no Canadá descobriram que pessoas que nascem sem braços e pernas ainda sentem essas partes do corpo. (Melzack, I., Lacroix, R. Schultz G. pág.1603-20). Isto significa que as pessoas sentem braços e pernas apesar de terem nascido sem eles. Os pesquisadores concluíram que o cérebro precisa ter informações sobre o que está para acontecer. Ele prevê que irá obter informações de um corpo que tem dois braços e duas pernas e que haverá uma mãe com dois seios como fonte de alimento. “O corpo que percebemos está, em grande parte, embutido no nosso cérebro – nem tudo é aprendido.”
Nosso corpo/mente prevê estímulos de nossos primeiros cuidadores. Ele já formou uma rede neural somato-sensorial desenvolvida para receber estímulos. Esta estimulação constrói uma estrutura e forma nossas memórias somato-sensoriais. Essa estrutura somato-sensorial é o que os psicanalistas chamam de inconsciente. Devido a essa pesquisa neurobiológica, os analistas estão agora mais conscientes da importância das intervenções somáticas. Os terapeutas Bioenergéticos há anos que trabalham com técnicas que influenciam essas estruturas.
Pesquisadores, estudando a mente, descobriram que eventos traumáticos são guardados em uma parte do cérebro chamada giro do cíngulo. Experiências traumáticas sobrecarregam o sistema e permanecem guardadas nos giros do cíngulo, não como memórias, mas como eventos altamente cheios de afeto, que nunca foram completamente processados e organizados pelo sistema. Eles são guardados como experiências somato-sensoriais e sentimentos. Esta estrutura, o giro do cíngulo, guarda esses eventos estimulantes, altamente excitantes, até que eles possam ser organizados pelo córtex cerebral em uma descrição verbal coerente do evento. Outra parte do cérebro, o tálamo, age como uma porta entre o giro do cíngulo e o córtex cerebral. O tálamo tem aproximadamente 40 pulsações por minuto. Quando o organismo está em estado de trauma, as informações somato-sensoriais inundam o sistema. O tálamo recebe mais estímulos do que o córtex cerebral é capaz de organizar, de modo que o material é desviado de volta para o giro do cíngulo.
O tempo do trauma é sempre o tempo presente. O caráter é agora. É por isso que não podemos “simplesmente superá-lo.” Organizar informações sobre o nosso caráter – informações que coletamos através da leitura do corpo e pela sensação da experiência em nosso corpo, precisam ser coletadas em doses uniformes, a fim de que esse material seja passado pelo tálamo e organizado pelo córtex cerebral. Portanto, a JANELA TERAPÊUTICA é a quantidade ótima de excitação por onde se move o material afetivo altamente ativado que pode ser processado por uma pessoa sem inundar, dissociar ou congelar. O material pode então ser transferido para o córtex cerebral onde ele é organizado em uma história de vida coerente; uma narrativa sobre o que aconteceu no passado, e não uma experiência traumática contínua.
Eu vou dar um exemplo. Um jovem rapaz em um dos grupos de treinamento no primeiro ano sempre dizia que tudo estava bem. Quando os outros alunos lhe pediam para elaborar, ele se tornava defensivo e raivoso, dizendo que ele já tinha dito como se sentia. Um dia, eu notei que ele retraiu-se quando um dos alunos homens passou por ele. Eu lhe disse o que tinha visto e ele ficou curioso sobre esse comportamento. Eu mencionei que o seu corpo ficou rígido e retraiu-se, quase como o começo de um reflexo de alarme de Babinsky. Disse também a ele que eu tinha notado que ele somente reagia dessa maneira quando homens passavam, aproximando-se dele. Quando eu disse as palavras “aproximando-se dele”, ele ficou pálido e seus olhos ficaram vazios. Quando um dos alunos perguntou como ele se sentia, ele não respondeu e continuou naquilo que os terapeutas de trauma chamam de “imobilidade congelada” – ele não conseguia lutar nem fugir. Devido ao fato que ele já estava inundado, eu queria lhe dar tempo para entrar na sala e protegê-lo contra mais estimulação. Eu disse que ele estava seguro e que ele não tinha que fazer ou dizer nada. Eu esperaria por ele. O olhar vazio desapareceu. Eu o convidei a procurar as partes do corpo que ele podia sentir. Depois de encontrar suas pernas e reconhecer o desejo de fugir, ele disse : “Meu pai me batia.” De novo, o seu corpo enrijeceu e seus olhos começaram a ficar com aquela aparência vítrea. Eu trouxe sua atenção de volta para a sala e lentamente o convidei a voltar para o seu corpo, modulando e medindo quanto ele estava começando a re-experimentar.
Ele tinha um bom terapeuta e ao final do quarto ano de treinamento, ele era capaz de falar, sem ser inundado, sobre o abuso físico e verbal que recebia do pai. Era um abuso do passado, não estava acontecendo mais. O evento existe agora como uma narrativa coerente, como memórias que estão guardadas no córtex cerebral. Ele já não é tão inundado no corpo por sentimentos de medo e vergonha.
Apesar de importantes e necessárias para a cura, essas questões psicoterapêuticas ainda estão dentro do primeiro e segundo paradigmas. Esses são processos que ocorrem dentro do cliente que são separados do que está sendo criado pelo terapeuta e cliente juntos, o terceiro paradigma. Quando o relacionamento está incluído na análise terapêutica, a capacidade de influenciar esses processos é aumentada.
Vamos olhar agora para a própria narrativa biográfica de Lowen da sua terapia com Reich. A seguir, uma descrição nas próprias palavras de Lowen tiradas do livro Bioenergética.
“Após a experiência do medo, quando eu vi o rosto da minha mãe, eu passei um longo tempo (vários meses) sem nenhum progresso. Eu estava vendo Reich três vezes por semana, mas eu estava bloqueado porque eu não podia contar a Reich meus sentimentos por ele. Eu queria que ele tivesse um interesse paternal em mim e não somente um sentimento de terapeuta, mas sabendo que este não era um pedido razoável eu não podia expressá-lo. Lutando internamente com o problema, eu não estava indo a lugar nenhum. Reich parecia não saber do meu conflito. Lutar para que a minha respiração ficasse mais profunda e completa, não parecia funcionar. Eu estava há um ano em terapia quando se desenvolveu esse impasse.”
Lowen diz que ele havia sido capaz de descarregar uma grande quantidade de medo, e então ele atingiu esse limite, incapaz de aprofundar a sua respiração ou reportar seus sentimentos. Agora eu quero que vocês pensem sobre o que fariam se vocês tivessem um cliente na mesma situação.
Eis o que Reich fez:
“Reich sugeriu que eu desistisse. “Lowen,” ele disse, “você se mostra incapaz de se render aos seus sentimentos. Por que você não desiste?”As suas palavras foram uma sentença fatal. Render-me significava falhar com todos os meus sonhos. Eu então chorei profundamente. Era a primeira vez que eu soluçava desde que eu era criança. Eu já não conseguia segurar meus sentimentos. Eu disse a Reich o que eu queria dele e ele escutou com compreensão”. (Bioenergética, pág. 21).
Este é o momento de definição na terapia de Lowen. Ele diz ainda que, pouco tempo depois dele ter sucumbido, na terapia, Reich saiu de férias. Quando Reich voltou, sugeriu que eles parassem a terapia por um ano. Talvez Lowen tenha se magoado quando Reich o deixou. Eu fico pensando como seria a Bioenergética como um sistema de terapia se Reich tivesse tratado de Lowen da maneira que você teria tratado o seu cliente?
Vários anos atrás, em Arles, Leslie Case deu uma palestra sobre as várias maneiras como os terapeutas a tinham ferido. Eu estava sentada com o meu marido, um médico, durante essa palestra. No inicio, ele olhou para mim e disse, “Ela está falando aqui de certo tipo de cliente.” Eu não disse nada e coloquei o meu braço por cima do dele. Depois ele sussurrou um pouco irritado, “Bem, você já fez isso também,” referindo-se ás várias maneiras como Leslie tinha sido despachada ou acusada. “Claro,” eu sussurrei respondendo. Finalmente, ele segurou sua cabeça com as mãos e disse, “Eu tenho ferido tantas pessoas.” Eu respondi, “Todos nós temos.”
No passado, fomos feridos na Bioenergética e ferimos outros. E, a não ser que queiramos aprender com os nossos erros, continuaremos a ferir e a sermos feridos da mesma maneira. Lowen, em certo momento, disse que ele sentia que a Bioenergética não funcionava porque as pessoas estavam mais doentes do que ele acreditava. Essa declaração tem um pouco de verdade. O que se acreditava naquela época era que se a armadura fosse removida, então o verdadeiro e autêntico self seria revelado. O problema é que a couraça descreve o exterior da pessoa, é a segurança muscular que alguém constrói para defender-se contra sentimentos e necessidades que não foram atendidas quando éramos jovens.. A couraça é uma estrutura de superfície.
O segundo paradigma mudou o foco deixando de olhar somente os padrões externos para ver também os padrões internos da pessoa. Essa segunda mudança produziu grandes contribuições para o campo da Bioenergética – O trabalho clássico de Stanley Keleman, Anatomia Emocional, e o trabalho em Dinâmica do Corpo no tubo interno e víscera. Os resultados da neurobiologia e do trabalho de Peter Levine sobre como o cérebro processa trauma fazem parte do segundo paradigma. A pesquisa de Levine focando no cérebro e na mente está confirmando a necessidade de trabalhar com estados não verbais. Mas, como devemos trabalhar com esses estados? Se nos tornarmos muito enamorados do interior do corpo como temos estado enamorados do exterior, continuaremos a ferir e sermos feridos pelas nossas intervenções psicoterapêuticas.
Agora que é a hora de outra mudança de paradigma, qual deve ser a natureza dessa mudança? Felizmente, o campo da psicoterapia somática está finalmente produzindo alguns bons pesquisadores que estão começando a fazer a pergunta: “A terapia Bioenergética cura? Como?” Christa Ventling (2002) conduziu um maravilhoso estudo pelo qual ela ganhou um prêmio da The USA Body Psychotherapy Association. A boa notícia é que a sua pesquisa valida a efetividade da análise Bioenergética. (veja também Gudat U (1977) Bioenergetische Analyse als ambulante Psychotheapie – Anwendungensbereiche und Wirkungen. In: Psychotherapie Forum 5: 28-37
Koemeda-Lutz M, Kaschke M, Revenstorf D, Scherrmann T, Weiss, H, Soeder U (2003) Zwischenergebnisse zur Wirksamkeit von ambulanten Körperpsychotheapien. Eine Multicenter-Studie in Deutschland und der Schweiz. In: Psychotherapie Forum 11 (2) 70-79 Engl.:Preliminary Results Concerning the Effectiveness of Body-Psychotherapies in OUtpatient Settings _ A Multi-Center Study in Germany and Switzerland (www.eabp.org)
No entanto, Ventling também discute o seguinte resultado:
“Apesar de assumirmos que nossos pacientes estariam atribuindo a alta eficácia ao trabalho de corpo com relação a ganhar novos “insights”, ficamos desapontados com a resposta, já que somente 56% responderam assim. Menos ainda (46%) acharam que o trabalho de corpo era a causa da melhoria na sua qualidade de vida. Claramente, as exatas variáveis que estão causando mudanças gerais positivas no BAT (Análise Bioenergética) não podem ser identificadas agora. A teoria de que é principalmente o trabalho de corpo precisa ser mais investigada. Assumimos que a qualidade do relacionamento entre o paciente e o terapeuta tem um grande papel e planejamos estudá-lo melhor.” (Pág. 21).
Eu vou repetir: somente um pouco mais da metade dos clientes reportaram que o trabalho de corpo fez com que eles se curassem e menos da metade reportaram que tinha melhorado a sua qualidade de vida. Este é o mesmo resultado que Pamela Bell reportou antes, na conferência, ao pesquisar o efeito da terapia bioenergética nas atividades das ondas do cérebro. Ela encontrou que, apesar de haver um pequeno efeito nas atividades das ondas do cérebro devido à participação em aulas de exercícios de bioenergética, um paciente masoquista mostrou uma quantidade significativa de mudança após uma sessão de terapia especialmente expressiva. Christa Ventling, no seu artigo, sugere que a cura ocorreu no relacionamento. Mas, em qual parte do relacionamento? Na mesma revista, Douglas Radandt tentou investigar a possível relação entre a consciência corporal do terapeuta e a potência da aliança terapêutica. Radandt encontrou que apesar de haver uma correlação positiva entre um terapeuta consciente das sensações do seu próprio corpo e movimentos e a aliança terapêutica, essa correlação não teve importância estatística. Se o trabalho de corpo pelo paciente e a consciência do terapeuta do seu próprio corpo estão apenas contribuindo para uma pequena parte do resultado terapêutico, o que está causando a mudança terapêutica na Bioenergética? Paris e Eagle em edição recente do Psychoanalytic Psychology (2003), dizem: “Parece haver um consenso cada vez maior de que a mudança terapêutica é baseada não somente em fatores cognitivos como conscientização e “insight”“. Para os psicanalistas, o foco tem sido em conscientização e insight enquanto que para os analistas Bioenergéticos, o foco está na conscientização corporal, expressões físicas e fatores cognitivos e “insights”. Assim, o que está causando a mudança? Os autores sugerem que a mudança ocorre por causa da natureza do relacionamento entre o paciente e o terapeuta. E, de novo, a pergunta é: Qual parte do relacionamento?
Há grande reconhecimento de que pacientes em psicoterapia freqüentemente sentem fortes sentimentos por seus terapeutas – transferência. Uma maneira útil de entender o relacionamento terapêutico, quando funciona bem, é que o terapeuta – pelo menos em certos aspectos, como David Campbell e Bob Hilton vêm nos dizendo há anos, serve como uma figura para o vínculo, como uma “base segura” a partir da qual o paciente pode explorar o seu mundo interno. Lembre-se de que Lowen ansiava para que Reich fosse um pai amoroso e seguro, que estivesse interessado nele. Assim, os elementos que faltavam para o nosso estudo de consciência do corpo ou intervenções de trabalho de corpo são: empatia, sintonia e congruência. Mesmo que o terapeuta esteja consciente das sensações do seu próprio corpo isto não significa que ele está sintonizado com o que está acontecendo dentro do corpo do cliente. Em outras palavras, suspeito de que o importante é a consciência do terapeuta do que o cliente precisa em termos de uma figura de vínculo, incluindo intervenções somáticas e corporais. Nossa capacidade de empatia e sintonia com o cliente é o que cura no RELACIONAMENTO.
Deixe-me dar um exemplo de sintonia com o corpo. O exemplo é do livro Seabiscuit, o nome do cavalo de corrida mais famoso na história americana. A estória realmente é sobre o relacionamento entre o cavalo, o seu treinador e o seu jóquei. Seabiscuit está para correr contra War Admiral. O país está esperando por essa corrida há vários anos. Até mesmo o Presidente Roosevelt a está escutando pelo rádio e não deixa que os seus ministros entrem na sala até o final da corrida. Seabiscuit, um cavalo atarracado, não é o favorito da corrida. Os cavalos se aproximam da pista para iniciar a corrida.
War Admiral caminhou primeiro para a pista, rodando e balançando. Seabiscuit cavoucava atrás, de cabeça baixa. Ele levantou a cabeça uma única vez, olhou para a multidão, e baixou-a de novo (Pág. 268).
Vamos parar aqui por um minuto. Pergunte-se: O que você acha que Seabiscuit está sentindo? Aqui está o que as pessoas na época, que realmente viram Seabiscuit, pensaram que ele sentia:
Uma testemunha comparou-o a um cavalo de carroça de leite. Shirley Povich, do Washington Post, pensou que ele exibia “uma completa e colossal indiferença.”
O que segue diz respeito a como o jóquei sentia:
“A aparência era enganosa, Woolf podia sentir isso. Nos desfiles, ele estava acostumado ao suave movimento do caminhar de Seabiscuit, à marcha tranqüila de um cavalo que coloca suas patas no chão cuidadosamente. Mas, neste dia, Woolf sentiu algo novo, algo crescendo debaixo dele, como uma fonte. O cavalo estava se preparando.
Woolf estava sentindo algo que acontecia dentro do cavalo algo que uma pessoa, ao fazer a leitura da linguagem de corpo do cavalo a partir de fora, não poderia saber. Ele estava explorando o seu “senso de sentir ” e isso era diferente da observação baseada na linguagem exterior do corpo do cavalo.”
As pesquisas recentes utilizando imagens do cérebro estão descobrindo que esta sintonia empática somática aparentemente é necessária para o desenvolvimento de vínculos em bebês e para qualquer processo de terapia. Estas pesquisas, que foram sumarizadas por Alan Shore e outros, apontam para a importância do cérebro direito no vínculo, no trauma e na integração de experiências emocionais. Eles encontraram que o que está curando na psicoterapia é o relacionamento, e muito do que circula entre o terapeuta e o cliente é transmitido para o córtex occipital, e é inconsciente tanto para o cliente quanto o terapeuta. Esta parte do cérebro desenvolve-se também entre as idades de um e três anos de idade (esquizóide a rígido), mas, mais dramaticamente, nos primeiros meses. Isto significa que as memórias ali armazenadas são não verbais e compreendem a memória implícita, o mesmo tipo de memória que é usada para funções como andar de bicicleta ou fazer crochê. Essas são memórias do corpo. Não temos uma descrição verbal dos passos necessários cada vez que andamos de bicicletas ou fazemos crochê. Mesmo que não tenhamos andado de bicicleta ou feito crochê por vários anos, ainda nos lembramos de como fazer.
Uma experiência da minha própria vida ilustra como essas memórias funcionam. Para descrevê-la, citarei meu artigo publicado na recente revista do IIBA sobre pesquisas.
“Tive o privilégio de ter o meu bebê em casa. Na manhã seguinte ao nascimento de Myrrhia, liguei o rádio enquanto amamentava. A música cantada com paixão por um coral de música gospel era um retrato da alegria que eu estava sentindo por ter um ser tão lindo nos meus braços e eu comecei a dançar. Antes do nascimento dela, eu não tinha escutado muita música gospel e certamente nunca teria dançado quando a escutava. Eu dancei com este tipo de música durante os seus três primeiros anos de vida e até comprei alguns discos.
Anos mais tarde, quando Myrrhia tinha oito anos, eu e ela estávamos tomando chá com a minha Tia Bárbara. Minha tia me disse que uma mulher negra, Helen Bell, que tinha ajudado a cuidar de mim nos meus primeiros quatro anos de vida era a cantora principal na igreja gospel. Todos os domingos ela dançava pela igreja liderando a sua congregação. Ela amava música gospel e deve ter dançado segurando o bebê Helen (eu) em seus braços. Assim, apesar de não saber que Helen Bell ia para a igreja ou dançava, meu corpo tinha guardado as memórias da experiência. Segurar o meu bebê liberou memórias da minha própria infância, e até saber disso pela minha Tia Bárbara, eu não sabia que eu tinha tido esta experiência.
Estas primeiras experiências de vínculo são guardadas em nosso cérebro límbico como um protótipo para relacionamentos (113-114).”
Não somos capazes de recuperar essas memórias por nosso método usual de lembrar visual ou verbalmente. Elas estão guardadas como impressões somáticas referentes a certos relacionamentos. Um certo comportamento surgiu, – dançar ao som da música gospel, desencadeado pelo nascimento da minha filha. Dançar é um comportamento somato-sensorial que espelha uma experiência da minha infância da qual eu não tinha memória consciente.
Assim, isso explica a memória implícita, mas eu estou discutindo algo que vai além da memória. Eu estou falando da comunicação entre duas mentes, uma sintonia empática. Aqui vai um outro exemplo, direto do colchão bioenergético. No almoço, um dia destes, eu estava discutindo com um colega, Tom, a importância de entender a diferença entre colocar a mão sob ou em cima da mão ou pé de um cliente. Ele descreveu uma situação enquanto estava trabalhando com um homem no colchão. O homem tinha colocado a sua mão no peito e Tom colocou a sua sobre a mão do cliente. Tom então sentiu que ele precisava colocar sua mão no peito do homem e fazer com que o homem colocasse a mão dele em cima da de Tom. Nós discutimos as diferenças entre as duas intervenções: dar suporte x estar preso, estar seguro x ser segurado, mas o importante aqui é que a mente/corpo de Tom sabia qual era a coisa certa a fazer.
Quando o terapeuta está ressonante com seu cliente, então ele pode apresentar material que estimula ou conforta. Ao medir a quantidade de material apresentado, o terapeuta evita que o cliente seja sobrecarregado, desregulado ou, pior, re-traumatizado. Um terapeuta empático não estimula de menos (muito retirado, neutro, não está lá), nem demais (não modula o material), para evitar que o cliente seja inundado – desassociando ou cindindo. Quando nossos clientes estão sobrecarregados e muito estimulados, precisamos acalmar e conter a nossa própria energia. O terapeuta precisa estar em sintonia de modo que o material esteja dentro da janela terapêutica, possibilitando sua passagem através do tálamo para o córtex cerebral.
Nossas intervenções corporais devem tornar-se um convite para que o cliente explore somaticamente (sensação) sentimentos, significados, representações imagéticas e representações de objetos internos. Nós, então, nos tornamos o outro – afinado e empático, que oreflete, e que, esperamos, viverá dentro do corpo/mente do nosso cliente e lhes dará apoio em ser quem eles são: a criança pequena que é vulnerável, carente, tem medo, afetuosa, dura, raivosa, que tem ressentimento, que é vítima e que deseja ser salva.
Um dos importantes aspectos de ensinar análise de caráter é treinar terapeutas bioenergéticos neste tipo de empatia do corpo. A leitura do corpo deve levar a uma maior compreensão das questões do cliente, não somente intelectualmente, mas para acionar uma resposta empática e fazer um ajuste em nossos próprios corpos. As pesquisas neuro-biológicas, os jornais psicanalíticos, os artigos sobre terapia emocionalmente focada, todos estão falando sobre a importância da sintonia somática para processar material emocionalmente carregado. Ainda assim, em nenhuma dessas literaturas é mencionada a palavra Bioenergética ou há referência ao nosso arsenal de técnicas e intervenções. Podemos balancear e modular de uma maneira que outros terapeutas, de abordagem cognitiva e analítica, não estão aptos a fazer. Nossos conhecimentos da respiração, de “grounding” , das maneiras de formar fronteiras somáticas e energéticas e nosso conhecimento da continência afetiva permitem que sejamos sensíveis á inundação emocional. Quando eu tenho clientes que estão sobrecarregados ou sofrendo de doenças crônicas resultantes de um sistema imunológico demasiado reativo, como fibromialgia ou fadiga crônica, meu contato físico é diferente daquele de quando eu estou tentando abrir um bloqueio. Embora nos dois casos meu toque seja firme, no caso clientes altamente ativados , eu tento manter um estado de tranqüilidade enraizada. Eu faço contato lenta e gentilmente, esperando até que minha mão sinta sua pulsação. È diferente quando estou lidando com um bloqueio. Aí eu enraízo, aprofundando minha própria própria respiração e permitindo que minha carga se acumule. Eu entro em contato com a parte do corpo que precisa de liberação, esperando que o bloqueio suavize, me convidando tão profundamente quanto o meu corpo permitir. Nada disso é novo para vocês. Aprendemos tipos diferentes de toque e de contato no primeiro ano de treinamento.
Recentemente eu sofri com uma crise dolorosa de ciática. Quando os nervos das minhas costas estavam inflamados, eu dolorosamente experimentei o fato de quão poucas pessoas que trabalham com corpo têm consciência de um contato afinado. Antes dessa crise de ciática, eu pedia ás pessoas para ficar em pé sobre as minhas costas – inclusive Jim Miller (e seus 150 kg). Quando os nervos da minha espinha ficaram inflamados, eu precisava de um toque gentil. Eu não encontrei um terapeuta de massagens que entendesse como me tocar sem colocar carga no meu corpo.
Duas vezes ao ano, encontro-me com um grupo de terapeutas para trabalharmos em nós mesmos. Antes da nossa reunião, eu tinha a fantasia de ser abraçada suavemente. Sem que eu precisasse pedir, Virginia Hilton se ofereceu para me abraçar. O seu toque foi sensível e presente, mas não de ativação, invasão ou exigente. Analistas de Bioenergética tem essas habilidades e ninguém sabe. Existem poucos livros escritos e, até recentemente, poucas pesquisas. Que pena.
Finalmente, uma outra mudança precisa ocorrer na prática da análise Bioenergética. Como mencionei antes, o conceito tem sido de que o corpo é o acesso ao inconsciente. Ao permitir que os clientes estejam conscientes dos seus padrões de contenção somáticos, a energia fluirá livremente através do corpo em uma onda harmônica. Este tem sido o pensamento de todas as terapias somáticas até agora. Como eu mencionei antes, é uma teoria não relacional. As pesquisas têm mostrado há vários anos que nem o insight, nem intervenções no corpo são o que os clientes reportam como cura. Eu acho que as intervenções no corpo são necessárias, mas não suficientes para curar. Não estou dizendo que as nossas intervenções somáticas devem ser descartadas. Muito pelo contrário. Elas devem ocorrer, mas no contexto de um relacionamento empático e em sintonia. Isto significa que o terapeuta não deve mais estar separado do cliente, mas que deve, agora, entrar no consultório como um ser humano.
Por exemplo, vamos tratar do assunto da raiva. Quando os clientes batem no cubo, este é um meio deles reconhecerem os padrões de raiva no seu corpo e de se identificar com as emoções e sensações do corpo. O objetivo de bater não é de “livrar-se dos sentimentos” como freqüentemente tem sido confundido pelos terapeutas; nem é uma maneira de lidar com a resistência na terapia. Bater no cubo é tornar o cliente capaz de se conectar com o sentimento de raiva e com os músculos usados para contê-la ou expressá-la.
No entanto, quando magoamos um cliente e ele está com raiva de nós, nós não somente o direcionamos para bater no cubo. Nós somos aqueles que precisam dizer, “Eu sinto muito” e devemos reparar o dano que causamos inadvertidamente ou necessariamente. Claro que não queremos magoar pessoas, mas nós o fazemos. É a reparação desses momentos de desencontro terapêutico que leva á cura. As rupturas e reparações fazem parte do processo de terapia. Uma análise de caráter, uma verdadeira terapia relacional reconhece que o terapeuta deve estar presente para todos os sentimentos do cliente – amor, raiva, ódio, sexualidade, resistência. Bater é importante para que o cliente reconheça a raiva, a contenção nas costas e braços. Mas, um cubo não pode dizer “eu sinto muito.” Nós sim, precisamos dizer “Eu sinto muito.”
Eu vou dar um exemplo da minha própria prática. Uma mulher a quem eu estava tratando há vários anos entrou no meu consultório quase chorando. Ela é uma psicoterapeuta sofisticada, tem boas habilidades analíticas – que ela usa defensivamente para esconder a sua dor e vulnerabilidade. Apesar de não estar me acusando diretamente, ela estava me dizendo que eu não me havia detido em seus problemas de vulnerabilidade. Ela continuou dizendo que na noite anterior, enquanto estava falando com sua parceira, ela ficara tão frustrada que a sua tentativa de empurrar o gato para fora da cama tornou-se um chute. Apesar de ficar surpresa e chocada com a sua agressão, a cliente ficou ainda mais ressentida porque sua parceira não ficou interessada em seus sentimentos e queria, em vez disso, processar o seu choque pela agressão física usada contra o gato. Ela então me contou sobre todas as maneiras pelas quais não podia ser confortada, não acreditava na empatia das pessoas. Ela continuou dizendo que em nossa terapia ela tinha evitado esses sentimentos dolorosos que a tornavam vulnerável analisando outras pessoas. Aí, então, tive a fantasia de oferecer minha mão para que ela segurasse, o que eu estava consciente de que ela provavelmente rejeitaria. No entanto, eu senti que era importante oferecer. Como eu esperava, ela me disse que não era o bastante. Ela então perguntou por que ela se sentia mal e não podia aceitar minha oferta. Mais uma vez ela estava evitando sentimentos difíceis ao analisar suas necessidades e motivos. Apesar de no passado eu ter sido conivente com ela evitando esses assuntos, dessa vez eu respondi, “Eu sinto muito por interromper o que você está expressando oferecendo a minha mão. Eu também sinto muito pelo passado quando eu explorei a sua necessidade de perguntar por que. Mas, dessa vez, eu não me importo por que. Eu apenas quero estar aqui com você. Eu nem me importo se estou fazendo certo ou não, eu apenas quero estar aqui com você.” Ela começou a chorar e, então, começou a analisar as sensações do seu corpo, o porquê da sua parceira não poder lhe dar essa resposta. Eu interrompi o que ela estava dizendo e disse apenas, “Eu sinto muito tê-la deixado evitar esses sentimentos no passado, mas eu estou com você aqui agora.” Ela começou a soluçar profundamente. Eu senti que eu estava dizendo “Eu sinto muito” pelas oportunidades perdidas de confortá-la e por todas as pessoas que não a tinham confortado. Era mais importante reparar aqueles momentos perdidos do que fazer a “intervenção somática correta. “
Agora, eu vou falar do futuro perguntando: Qual é nossa posição na comunidade terapêutica neste momento e o que é possível para nós? Antes de tudo, você sabe o que é considerado o que há de mais novo na prática psicoterápica hoje em dia? Terapia comportamental cognitiva. Por que? Porque eles têm pesquisas validando a eficácia do seu método. Investigadores da Universidade Northern Iowa entrevistaram 425 psicólogos clínicos e 254 deles disseram que tinham tido depressão. Apesar de 53% dos terapeutas deprimidos disseram ter usado primariamente métodos comportamental-cognitivos nas suas práticas, 40% deles escolheram terapia psicodinâmica para o seu próprio tratamento. A segunda modalidade mais popular que eles procuraram foi Gestalt (19%). Somente 12% procuraram terapia comportamental cognitiva. Assim, apesar das companhias de seguro nos Estados Unidos pagarem por intervenções comportamentais cognitivas, essa não é a modalidade que os clínicos estão escolhendo para si mesmos quando precisam de ajuda.
Por que não estão escolhendo Bioenergética? A Bioenergética nem mesmo é mencionada como uma possível escolha de intervenção. Como a psicanálise e a terapia comportamental cognitiva, precisamos desenvolver uma tradição literária, discorrendo sobre as intervenções que são específicas da análise bioenergética. Precisamos nos concentrar naquelas intervenções que curam e tentar localizar os ingredientes, tanto ativos quanto passivos, que contribuem para a mudança terapêutica. Eu gostaria que vocês considerassem, por um momento, o que foi dito durante uma discussão em um painel na reunião em 2002 da sociedade psicanalítica. Presentes ao painel estavam alguns dos analistas mais conhecidos do nosso tempo. Douglas Kirsner começou com uma visão altamente crítica das “pretensões não justificadas ao conhecimento” feitas pelos analistas, na ausência de base científica. Otto Kernberg clamou pelo desenvolvimento de padrões claros de treinamento. Ele chamou de “tarefa essencial” a necessidade de desenvolver habilidades de pesquisa como parte do treinamento. Robert Wallerstein discutiu a estrutura organizacional de institutos e seus currículos. Sentindo que os psicanalistas devem “aproveitar” desenvolvimentos em áreas correlatas, como as ciências cognitivas, ele deu apoio á entrada dos institutos no mundo acadêmico “a fim de sobreviver”.
Nós, analistas bioenergéticos também nos defrontamos com o conhecimento de que, se queremos nos tornar membros da comunidade terapêutica mais abrangente, então precisamos incrementar nossas pesquisas e teorias com o que é considerado o mais atual da prática de hoje. Ao fazer isso – perderemos o que é essencial para a prática da Bioenergética? Ou, ao juntarmo-nos á comunidade mais ampla, estaremos incorporando técnicas terapêuticas efetivas, melhorando nossa base de conhecimentos e nos tornando uma grande força nessa comunidade? Se não nos juntarmos, receio que corremos o perigo de nos tornarmos uma comunidade terapêutica esotérica que se dissolve nas brumas de Avalon e cavaleiros da Távola redonda do Rei Arthur – uma memória idealizada na mente de uns poucos.
Essa época é especialmente afortunada para as psicoterapias somáticas. Sabemos agora que o trauma está guardado no corpo. O trauma do desenvolvimento está guardado no corpo. Na verdade, todas as últimas pesquisas apontam para uma psicoterapia do corpo. Schore propõe que os “estados mentais primitivos” sejam mais precisamente caracterizados como “estados psicobiológicos”. O campo da psicoterapia está reconhecendo que o foco da terapia precisa ir além das cognições, imagens e sonhos para incluir estados somáticos não verbais. Os analistas Bioenergéticos estão em sintonia com esses estados e profundas experiências somáticas. O tempo é agora, para nos juntarmos a outros terapeutas analíticos e de trauma, não somente para aprender o que eles têm a oferecer mas também para informar e ensiná-los o que sabemos sobre como regular os estados somáticos. Deveríamos estar escrevendo artigos para jornais como The USA Body Psychotherapy Journal ,como também para outras revistas acadêmicos e psicanalíticos tradicionais. Precisamos estar ensinando em campi acadêmicos e dando suporte a estudantes que estão fazendo pesquisas. É imperativo nos juntarmos e darmos suporte a outras organizações de terapia – tanto onde vivemos, quanto na comunidade psicoterapêutica mais ampla. Podemos ser informativos e até mesmo ensiná-los algumas coisas compartilhando nossas idéias, dando-lhes a conhecer que temos intervenções e teorias que podem ser de grande ajuda e que são consistentes com a maneira como eles estão fazendo terapia. Lowen foi a nossa voz, escrevendo livros e demonstrando a prática da Bioenergética em grandes conferências. Ele se aposentou e agora precisamos dar um passo a frente e tomar o seu lugar. Temos muito a oferecer á comunidade psicoterapêutica, e o tempo é agora.
REFERÊNCIAS
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