A Anatomia da Empatia
I –Introdução
O tema sobre o qual discorrerei hoje será “A anatomia da empatia”. Usarei o pronome masculino com o objetivo de simplificar. Peço desculpas por um erro na apostila, onde se lê “pesquisa neurológica”, na verdade, deveria ler-se “pesquisa neurobiológica”. Examinaremos nosso modelo tradicional de Bioenergética e os últimos progressos feitos em relação à empatia. Embora tenha usado um título que sugere que a empatia desenvolveu-se ao ponto em que eu possa desenhar-lhes um mapa dos músculos e sinapses envolvidos, concluirei que, mesmo com avanços recentes interessantes, ser empático ainda é, com certeza, uma arte clínica. Imagens do cérebro feitas por aparelhagem específica confirmam que o cérebro direito é o mediador da empatia, mas ainda não nos ajuda a intervir melhor clinicamente. Os dados da anatomia comportamental da expressão facial, do comportamento do olhar, coordenação do ritmo vocal e postura corporal são mais imediatamente relevantes ao nosso tema. Assim, a empatia é um assunto complexo. Com base nos insights de Lyons-Ruth (1998), Stern (1985), Tronick (1989), Beebe e Lachmann (2002) e muitos outros [Sander (1977), Weiss (1970), Fogel (1993)], farei distinção nessa apostila entre conhecimento explícito e implícito, para compreender melhor a empatia. Examinaremos os limites do nosso conhecimento explícito, e até que ponto o implícito pode ser transformado em explícito. Discutirei também que uma visão não-linear dos sistemas diádicos captura melhor a qualidade bidirecional instantânea da comunicação empática. Finalmente, abordarei o paradoxo de que a própria ferida que nos leva a ser terapeutas, sintoniza-nos aos nossos clientes e ao mesmo tempo interfere com estarmos verdadeiramente com eles. Tentarei ilustrar as questões acima com casos clínicos.
II – Definições
A) Empatia – A palavra empatia é derivada do grego “empatheia”, que significa afeto ou paixão. A quarta edição do novo World College Dictionary da Webster define empatia como: “A projeção de sua própria personalidade na personalidade de outra pessoa, a fim de entendê-la melhor; habilidade de compartilhar as emoções, pensamentos ou sentimentos com outrem”. Alguns terapeutas, como por exemplo, Tansey e Burke (1989), abraçam uma definição mais ampla; dizem que somos empáticos quando respondemos à necessidade do paciente, quando lhe oferecemos o que ele precisa para melhorar, mesmo que isto signifique reprová-lo (para que desta maneira ele possa re-experienciar e dominar seus traumas internos). Respondemos empaticamente quando recebemos as identificações projetivas do cliente, projeções estas que moldam nossa experiência enquanto aprofundam nossa compreensão do cliente. Para outros, por exemplo, Stark (1999), esta definição mais inclusiva ofusca uma distinção crucial entre, de um lado o terapeuta que faz uso da empatia e que responde a algo dentro da consciência, algo relacionado de perto à experiência e, de outro lado, o terapeuta que se confronta com o cliente na relação, o qual responde a algo fora da consciência do cliente.
Mas não quero desencorajá-los tão cedo, em minha palestra, talvez mais tarde. A maioria de vocês talvez concorde que, embora a empatia não seja fácil de ser definida, vocês a reconhecem quando a experienciam, percebem-na quando ela está presente… Faz sentido para vocês? Pergunto, porque um colega contou-me sobre um estudo recente, o qual sugeria que a percepção da empatia era tão eficaz quanto ela mesma! Isto talvez os faça lembrar de um ou outro colega – com quem alguns de vocês estejam familiarizados, cujo preço era alto porque seus clientes sentiam honestidade e sinceridade em seus límpidos olhos azuis. Seu preço subiu mais alto ainda à medida que seus cabelos se tornavam grisalhos e seus clientes enxergavam a sabedoria em suas madeixas acinzentadas. Até que por fim não havia mais o que pagasse suas sessões quando ele começou a sofrer de hemorróidas e, ao sentar-se com seus clientes, estes percebiam-no sentindo realmente sua dor.
Uma última definição, de Peter Kramer (1989) e que me parece correta, sobre a fama do Prozac. Ele diz, “Tornei-me aquela parte que era mais próxima a ele (seu cliente)” (pg 138). Se pensarmos sobre o que Kramer descreve, faz sentido o fato de que ser empático é um processo um tanto diferente para cada um de nós. Provavelmente há uma neurobiologia comum em nosso córtex orbitofrontal direito que nos permite a todos amplificar a corda ressonante que existe dentro de nós, quando é atingida pela experiência do nosso cliente. Mas somos tão complexos e singulares que, por exemplo, de dez terapeutas diferentes, a ressonância mais próxima de um dado cliente em particular, seria sentida por alguns terapeutas em suas vísceras, por outros em seus corações, etc. Alguns estariam razoavelmente confortáveis com o referido sentimento, outros lutariam para tolerá-lo, e assim por diante.
B) Implícito/explícito: Acredito que ajudaria a compreensão do fenômeno da empatia, se fizéssemos a distinção entre os modos implícito e explícito de conhecimento. Eles dependem de caminhos neuroanatômicos diferentes e são definidos da seguinte maneira (Beebe e Lanchmann, 2002): a memória implícita refere-se tanto à memória emocional quanto à de conduta, as quais estão do lado de fora da consciência. Os primeiros dois anos da nossa vida são vividos em nível principalmente implícito, o que explica porque geralmente temos uma lembrança explícita limitada deles. A memória de conduta inclui seqüências de ações em código não-simbólico que guiam o comportamento (isto é, como andar de bicicleta). A memória explícita, tenho certeza de que se lembrarão, é a lembrança intencional de informações e eventos organizados simbolicamente.
C) Visâo de sistemas de terapia diádica, não-linear: Minha palestra hoje se baseia nesta visão de terapia e neste processo de empatia. Nele, cada membro da díade é visto como regulador simultâneo de si mesmo e da interação. Como Jaffe e outros (2001) colocam: “No nível não-verbal das seqüências de ação, a todo instante, qualquer ação em um relacionamento diádico é definida em conjunto pelo comportamento dos dois parceiros.” Finalmente, Fogel (1993) diz que em um modelo de sistemas, “todo comportamento é desenvolvido simultaneamente no indivíduo, enquanto que, ao mesmo tempo, cada um modifica e é modificado pelo comportamento mutável do parceiro”. Um exemplo disto seria uma criança pequena que fica muito estimulada pela aproximação do rosto da mãe e que, então, desvia o olhar e/ou toca em si mesmo para auto-regular seu nível de estimulação. A criança simultaneamente acalmou-se, e enviou uma mensagem a sua parceira. As pesquisas mostraram que os pais estão totalmente sintonizados ou empáticos somente de vinte a trinta por cento do tempo. Porém, crianças que têm um vínculo seguro, têm pais que, sendo eles mesmos seguros e sintonizados, dentro de dois segundos no máximo, conseguem conceder espaço e liberdade para que a criança regule ao mesmo tempo a ambos (criança e pais) e a interação. A interação foi “reparada” (Tronick, ’89). As pesquisas mostraram que este mesmo sistema regulador diádico não-verbal instantâneo implícito opera durante todo o ciclo de vida.
III) Lembrem-se de que temos as ferramentas da bioenergética, mas nunca se esqueçam de que somos, nòs mesmos, os instrumentos.
A análise bioenergética sempre diz que temos as ferramentas para enxergar a história de uma pessoa gravada na forma e no movimento do seu corpo. Esta foi uma das mais originais e profundas contribuições de Wilhelm Reich (1933, 1945). Pode-se levar anos discutindo quanto da história de uma pessoa pode ser vista em seu corpo, e quanto a ordem de sucessão de aminoácidos em seu cromossomos também faz parte de sua história. Entretanto, limitaremos nossa discussão à relevância do insight de Reich para o terapeuta empático. Mas antes, deixem-me contar-lhes algumas histórias.
Os três professores de Bioenergética com quem primeiramente fiz um vínculo e que, conseqüentemente, tiveram um impacto profundo em mim foram Al Lowen, John Pierrakos e Bill Walling. Eles eram os gigantes em cujos ombros me apóio hoje. Eles foram os três fundadores originais do Instituto de Bioenergética. Tendo sido aluno e cliente de todos estes três homens, e sendo eu mesmo homem, há, no que trago para vocês hoje, uma falta maciça de perspectiva feminina. Graças a Deus, Helen ficará com a última palavra amanhã!
Como Bill Walling foi meu primeiro e principal terapeuta, tendo morrido enquanto ainda estávamos trabalhando juntos, eu provavelmente não tenha uma visão clara sobre ele, mesmo depois de todos estes anos. Assim, deixem-me compartilhar com vocês um pouco da minha experiência com Al e John. Como muitos de nós dessa época, sentia que eles se complementavam de um modo profundamente bonito. Al era o homem brilhante e explícito que podia ver muito clara e profundamente a pessoa que estava a sua frente. Ele nunca disse – nem nunca senti, que ele enfocasse muitos seus próprios sentimentos mais pessoais para apreender a essência de seu cliente. Antes, como uma vez me contou em uma sessão em que eu era cliente, ouvia o que eu dizia, mas, na realidade, estava atento ao momento em que, sem me dar conta, meu self não-verbal e mais profundo se revelasse a ele em um gesto fugaz dos meus olhos, meu tronco, e assim por diante.
Por outro lado, John era o homem profundamente intuitivo que, literalmente, fechava os olhos quando queria saber o que se passava dentro de você. A seu lado, tinha a impressão de que ele me procurava em algum lugar no fundo de si mesmo. Todos vocês sabem que o nome de Al Lowen é sinônimo de Bioenergética, mas os mais jovens dentre vocês talvez não saibam que tanto John quanto Al tiveram um enorme impacto na Bioenergética, nos seus mais de vinte anos de apaixonado trabalho conjunto. Minha história reforça-nos duas questões hoje:
A Bioenergética realmente nos fornece ferramentas para ver e sentir a verdade psicossomática de uma pessoa, e Al e John eram médicos de formação. Mas, afinal, nós mesmos somos os instrumentos exclusivos que se sintonizam ao psicossomático de outra pessoa.
Minha segunda questão é que, Al e John (pelo menos em minha própria experiência sobre eles), na maneira em que preferiam me compreender, tendiam a não responder a aspectos meus aos quais eu estivesse consciente, e, nesse sentido, não estavam sendo empáticos.
IV) Quais os limites do quanto podemos ver conscientemente (explicitamente) da história de uma pessoa, em oposição a (implicitamente) sentir sua profundidade e suas nuances.
Deixe-me começar com um caso clínico sobre aprender a confiar em sua própria intuição – que é uma condição necessária, mas talvez não suficiente, para ser empático. Quando o Instituto de Bioenergética era jovem, há muitos anos, houve um grande workshop em Nova Iorque, em que Bill, John e Al trabalharam cada qual em um canto diferente da enorme sala; não consigo lembrar quem trabalhou no canto quatro. Os participantes movimentavam-se em redor da sala e eram trabalhados cada vez por uma das minhas idealizadas figuras de vínculo. Era assustador, e ao mesmo tempo trazia um profundo alívio, descobrir que, cada um deles – Bill, John e Al, enfocava e trabalhava questões completamente diferentes na mesma pessoa. A mensagem deixada: ou não havia UMA história que pudesse ser lida na forma e no movimento do corpo de cada participante, ou ESTA HISTÓRIA ERA TÃO COMPLEXA, que cada um dos meus três mentores tinha confiança em si mesmo para trabalhar aquela parte da história que falava a eles no momento.
Com relação à soma de conhecimentos que qualquer pessoa pode ter sobre a história de outra, espero que vocês não temam que eu tenha perdido o juízo se perguntar por que Mona Lisa está sorrindo. Naturalmente, esta é uma pergunta que se tem ponderado a respeito por quase quinhentos anos, portanto, não se culpem se não souberem a resposta.
Embora não seja perito no campo das belas artes e, portanto, não seja de modo algum qualificado para dizer o que faz da Mona Lisa a obra-prima que é, acho que Leonardo da Vinci tem algo a nos ensinar sobre a empatia, sobre como podemos compreender a fundo a experiência do outro. Diz-se que Leonardo era ao mesmo tempo um completo mestre dos detalhes da natureza, e um homem fascinado pelos enigmas da vida. Na Mona Lisa, de acordo com E.H.Gombrich em “A História da Arte” (www.artchive.com/artchive/L/leonardo/monalisa_text.jpg.html ), Leonardo empregou uma técnica que ele mesmo inventou, chamada “sfumato”. Nesta técnica, o contorno borrado e as cores suaves permitiam que uma forma se fundisse a outra, sempre deixando algo à imaginação. O crítico de arte Gombrich descreve como Leonardo deliberadamente deixou indistintos dois traços decisivos da expressão facial da Mona Lisa: os cantos dos olhos e os cantos da boca. Gombrich (e muitos outros especialistas) diz que este é pelo menos parte do motivo pelo qual Lisa parece tão surpreendentemente viva: “Ela realmente parece olhar para nós e ter pensamento próprio. Como um ser vivo, ela dá a impressão de modificar-se diante de nossos olhos e, todas as vezes que a vemos novamente, parece um pouco diferente.” (pg 1). Então, Leonardo criou uma obra de arte em que desafia e ilumina a arte e a ciência clínica da empatia. Estando indistintas estas duas áreas da anatomia facial, nunca estamos bem certos sobre o estado de espírito em que ela realmente está olhando para nós. Sua expressão sempre parece apenas enganar-nos. E, naturalmente, cada vez que nos colocamos à sua frente, apreendemos uma expressão que é matizada segundo a condição e estado de espírito em que nos encontramos no momento.
É óbvio que, como terapeutas bioenergéticos, trabalhamos com a expressão do corpo inteiro, não só com a do rosto. Entretanto, quando consideramos a mais recente pesquisa em varredura do cérebro na comunicação empática implícita, constatamos que envolve direcionamento da cabeça, contemplação visual e comportamentos vocais, e expressão dos músculos faciais. Ekman e Friesen (1980), por exemplo, criaram um sistema para codificar todas as expressões emocionais possíveis produzidas pelos músculos faciais. Eles afirmam que, uma vez que este sistema tenha sido explicitamente aprendido, será possível ler o que se passa no coração e na mente através das nuances fugazes da expressão facial… uma habilidade que vem de forma natural, só eventualmente, em uma pessoa que tenha um talento intuitivo especial. Assim, de algum modo, as quinhentas pessoas no mundo, especializadas no sistema de codificação da ação facial, são como especialistas bioenergéticos do rosto. Este sistema existe há vinte anos, e é amplamente citado na literatura. Mas, por que ter mais terapeutas não associados a um sistema que afirma nos capacitar a ler mentes? Alguns terapeutas são apenas muito preguiçosos para aprender outro sistema, mas outros provavelmente concordam com a opinião de Irwin Yalom (1989), em um ensaio intitulado “Dois Sorrisos”. Yalom fala do dilema de ser um terapeuta empático. Enquanto desejamos conhecer profundamente o outro, seja ele nosso filho, nosso companheiro ou nosso cliente, ele continua essencialmente incógnito. A cliente de Yalom sorri duas vezes; cada vez o sorriso expressa uma realidade interna tão complexa e cheia de nuances, que de maneira nenhuma alguém poderia alcançar seu significado sem saber muitos detalhes entrecruzados de sua vida atual e passada. Mesmo Ekman e Friesen não teriam sabido de quê a cliente de Yalom sorria. Yalom faz questão de enfatizar que depreciamos o cliente se presumirmos que podemos conhecê-lo totalmente. Concordo com ele. De fato, se a neurociência algum dia avançar até o ponto em que se possa tirar fotos dos recessos secretos da mente, talvez tenhamos que jogar as fotos fora.
Assim também os participantes do workshop no qual Al Lowen, John Pierrakos e Bill Walling viram, cada qual individualmente, algo diferente. Talvez até mais do que a Mona Lisa, pois, sendo ao vivo, estes participantes mudavam de momento a momento, e quando encontravam ou não o olhar único de Bill, John ou Al, instantaneamente, uma conversa límbica não-verbal sugeria o material para a próxima “sessão”.
Finalmente de volta à Mona Lisa. Agora a maioria de vocês provavelmente tenha imaginado porque ela está sorrindo. Está sorrindo porque: A) ela acha divertido que as pessoas tentem imaginar por que está sorrindo; B)ela está agradecida porque Leonardo, com sua genialidade e seu “sfumato”, deu-lhe tamanha riqueza e complexidade. Lisa não é diferente das pessoas reais que chegam aos nossos consultórios terapêuticos. Quanto mais percebemos que nossa compreensão consciente, explícita sobre elas é apenas a ponta do iceberg (ou melhor ainda, um diagrama dialético com os sistemas explícito/implícito), menos seus mistérios implícitos enganarão esta compreensão.
V) Qual é a qualidade ou a capacidade do estar presente que nos permite compreender a experiência do outro?
A resposta é que não sabemos exatamente, embora saibamos muito, e aquilo que saibamos se aproxime de uma unidade psicossomática. Podemos demonstrar, por exemplo, que a qualidade da sintonia entre mãe e filho transforma-se em equilíbrio ou desequilíbrio nos sistemas simpático e parassimpático do sistema nervoso autônomo da criança. A experiência de vínculo da criança, como propõe Allan Schore, foi conectada em seu sistema límbico direito, como modelo para seus relacionamentos futuros. Podemos descrever o processo de empatia em vários níveis de organização, sendo que eles todos são válidos. Há a EMPATIA COMO “RESSONÂNCIA LÍMBICA” pg 63 (Lewis, Amini e Lannon, 2000ª). Empatia como uma “conversa entre sistemas límbicos” pg 266 (Buck, 1994). Empatia como o sentimento das sensações físicas do cliente em seu próprio corpo (Havens, 1979). Empatia como o tornar-se aquela sua parte que está mais perto do cliente (Kramer, 1989).
Como chegamos ao nível neuroanatômico, deixe-me desviar o assunto brevemente para comentar que Allan Schore (2003) integrou de maneira criativa um grupo respeitável de pesquisa neuroanatômica sobre o processo empático que indica a área límbica direita e a área cortical orbitofrontal do cérebro. É sua a hipótese específica de que a empatia envolve uma conversa de lado direito para lado direito do cérebro. O córtex orbitofrontal direita, o cíngulo anterior e a amídala, por exemplo, estão crítica e diretamente envolvidos na avaliação das expressões faciais, direção do olhar e outros comportamentos não-verbais que revelam o que está acontecendo em uma outra pessoa. Essas informações, mais o estado autônomo do próprio corpo de uma pessoa são integrados pelo córtex orbitofrontal, em conjunto com outras áreas corticais. Compreender mais sobre a pesquisa de neurociência original, de onde Schore construiu sua hipótese, requer uma base técnica que eu não tenho. Schore nos ajudou emprestando o seguinte do campo da Física:
“Na Física, uma propriedade da ressonância é a vibração simpática harmônica, que é a tendência que um sistema de ressonância tem de expandir-se e amplificar-se através da combinação com o padrão de freqüência de ressonância de um outro sistema de ressonância”. (pg. 79).
Felizmente, na mesma página, Schore nos esclarece em termos técnicos, como é a “vibração simpática harmônica”:
“O terapeuta sintonizado e intuitivo, desde o primeiro contato, aprende as estruturas rítmicas que o cliente tem, momento a momento, e modifica flexível e de maneira fluida seu próprio comportamento para ajustar-se a esta estrutura”. (pg. 79)
Deixe-me dar-lhes um exemplo de como eu, Bob Lewis, faço isto, ou melhor, como isto ocorre comigo:
Meu cliente, por exemplo, trará material de como ele se sente pervertido, ou como se sente cosmicamente só, ou desenfreadamente grandioso – o fator comum sendo que a qualidade ou atributo que ele apresenta não é aquele com o qual eu me identifique prontamente. Está além da configuração da imagem de Bob Lewis que geralmente apresento. Assim, minha reação interna inicial é algo como “puxa, que problema terrível esta pessoa tem!” Então, passados alguns momentos ou minutos, entro vagarosamente em contato com aspectos de mim mesmo que são mesmo ressonantes com as questões do meu cliente. Por exemplo, Paul, um cliente meu de quarenta e poucos anos, muito triste e solitário, lamentava-se, desprezando a si mesmo que, não só jamais havia feito sexo, a não ser com prostitutas, como nunca tinha tido nenhum movimento que sugerisse o mesmo em relação a qualquer outra mulher. Como podem suspeitar, eu estava inicialmente instalado de maneira confortável em uma auto-imagem nem um pouco parecida com a deste homem infeliz. A princípio o que me vieram à mente foram aventuras juvenis que comprovavam minha virilidade. Mas então, quando me pus em ressonância com meu cliente infeliz, lembrei-me lentamente que sabia exatamente do que ele estava falando. Quando tinha catorze anos, bem no começo do colégio, fiquei com medo de beijar minha primeira namorada (vou chamá-la “Susan”) no final de nossos encontros… embora seu irmão mais novo, a pedido de Susan, tenha me contado no vestiário da escola que sua irmã realmente gostava muito de mim. Assim, à medida que rendo minhas defesas e imagens ideais ao material do meu cliente, estou mais em contato com minhas vulnerabilidades, o que acentua minha capacidade de ser empático. Não contei a Paul sobre a lembrança dolorosa de Susan que me aproximou dele. Teria ficado envergonhado demais. Mas talvez algo silencioso tenha retornado a ele, a partir da minha expressão facial e de uma mudança de tom na minha voz.
Beatrice Beebe (2002) fez uma ampla pesquisa sobre o espelhamento facial entre a mãe e sua criança pequena. Ela relata os seguintes dados nas primeiras experiências sobre empatia:
“O modo como o rosto do parceiro atrai e responde ao rosto do outro é uma das bases da intimidade durante toda a vida … a ponto de que as interações do espelhamento facial são positivamente correlacionadas de modo a que os parceiros mudem na mesma direção afetiva, a criança pequena representa a expectativa de corresponder e de ser correspondida…..(o padrão de excitação concomitante e o modo de auto-regulação que surgem são parte da representação). O bebê representa a experiência de ver a expressão facial da mãe mudando continuamente para tornar-se mais parecida à sua; ele também representa a experiência de sua própria expressão facial em constante mudança para tornar-se mais parecida à da mãe. Estas experiências “de correspondência” contribuem para o sentimento de sentir-se conhecido, sintonizado e no mesmo comprimento de onda. Cada parceiro afeta o outro para combinar a direção afetiva, e esta combinação proporciona a eles uma base comportamental para que cada um entre no estado de espírito do outro”. (98)
Quais são algumas das amplas evidências de que, como sabemos intuitivamente, “timing1 é tudo”, não só na infância, mas durante a vida toda? Na verdade, foram os estudos com adultos que primeiro sugeriram que timing e ritmo sozinhos, independentemente da essência do comportamento, eram organizadores poderosos de comunicação. Mensagens vitais são enviadas entre parceiros neste código transitório. Beebe e Lachman (2002), por exemplo, relatam que quando:
“Solicitados a conversar sobre um assunto neutro, constatou-se que adultos que não se conheciam combinavam os ritmos puramente temporais do diálogo, independente do conteúdo do discurso… De especial importância foi achar uma relação entre ritmos combinados de diálogo, e empatia e afeto. Quando os adultos desconhecidos combinaram os ritmos, gostaram mais um do outro e perceberam-se mais calorosos e mais parecidos do que eram quando seus ritmos não combinavam. Portanto, a similaridade no padrão temporário de comportamento comunicativo está associada à atração interpessoal e empatia.
Inversamente, uma pessoa que fale muito rápido e quase sem pausas suficientemente longas para que o parceiro dê um aparte, interfere fortemente com a troca: o parceiro pode ficar frustrado e “dessintonizar”. Mudanças sutis no timing, como hesitação ou interrupção, também afetam a experiência que o ouvinte tem do que está sendo relatado. Na conversa entre adultos, dependemos da combinação de padrões temporais para saber que o outro está “sintonizado”, e para esperar a vez tranqüilamente”. (99)
Além da importância crucial do direcionamento da cabeça e da direção do olhar, Beebe e Lachmann citam que Trout e Rosenfeld (1980) descobriram que durante as sessões de psicoterapia (terapeuta e cliente sentados, um de frente para o outro), uma descrição de alto rapport2 por cliente e terapeuta está associada com uma alta incidência em inclinar a parte superior dos corpos um em direção ao outro, e manter braços e pernas em postura de imagem em espelho. Pode-se inferir disto que o rapport é perturbado se qualquer dos parceiros mostra algum grau de aversão orientacional.
Que melhor maneira de encerrar esta sessão do que com um caso de Donald Winnicott, um perito antigo da empatia implícita. Aqui está ele no método de conduta:
“O detalhe que escolhi para descrever refere-se á necessidade absoluta que esta paciente tinha de estar em contato comigo, de tempos em tempos.
Tentei vários tipos de aproximações, principalmente aquelas relativas a alimentar e lidar com uma criança pequena. Houve acontecimentos violentos.
Eventualmente acabou acontecendo de estarmos juntos, eu com a cabeça dela em minhas mãos. Sem ação deliberada de nenhuma das duas partes, desenvolveu-se um ritmo de acalento. O ritmo era bastante rápido, por volta de setenta balanços por minuto (confira com o batimento cardíaco), e tive que fazer algum esforço para adaptar-me a essa velocidade. Apesar disso, lá estávamos nós em um movimento de acalento, que ambos expressávamos leve, porém persistentemente. Estávamos nos comunicando um com o outro sem palavras”.(258)
até que ponto os métodos implícito e de conduta podem tornar-se explícitos?
Jeremy Holmes (1993), autor da maravilhosa biografia de Bowlby, que ilumina a teoria do vínculo, nos impulsiona com uma observação um tanto fatalista, dependendo se você é um terapeuta bom ou ruim. Os bons terapeutas, diz ele, “descobrem-se se espelhando automaticamente nos níveis de volume de tom de voz e na postura de seus clientes” (pg 156). Peter Fernald (2000), um colega da Bioenergética diz o seguinte com relação às suas tentativas de responder com empatia:
Procuro posicionar a mim mesmo, meu corpo, física ou mentalmente de maneira tal que relembre bastante a condição do corpo do meu cliente, volume e profundidade de sua respiração, punhos cerrados, pélvis congelada, e assim por diante. Tento incorporar o melhor possível a experiência do meu cliente, andar na pista de sua couraça psicológica e emocional. (pg 3-4)
Peter descreve o que a maioria de nós tenta fazer, cada um da sua maneira. Helen Resneck-Sannes (2002) em seu recente artigo no Jornal do IIBA sintoniza-se e é ressonante com o corpo de seu cliente. O Programa de Treinamento do Sul da Califórnia estimula seus alunos, desde os primeiros instantes em que olham e escutam seus parceiros diádicos, para que assumam a atitude deste parceiro e sintam sua história em seus próprios corpos. Eu mesmo aprendi a confiar e valorizar o conhecimento implícito e empático contido em minhas mãos. Elas muitas vezes sabem de que maneira se portar com meu cliente antes de mim. Também aprendi a observar as mãos do meu paciente, uma vez que elas muitas vezes me contam naquele momento, o que não posso ver de outro modo, e aquilo que meu cliente não pode me contar. Não podemos esquecer, entretanto, que confrontar nosso cliente com informações implícitas que estão além do que eles querem ou são capazes de suportar, é ser não-empático (mas isto é um outro caso).
Voltando-se para outros dados empíricos, Beebe, Lachmann e Jaffe (1997) trabalhando com “Os mecanismos do espelhamento facial e os precursores da empatia”, descobriram que:
“A semelhança de comportamento implica congruência de sentimento, uma relação entre combinação e empatia. Como isso poderia funcionar? Duas áreas de estudo sugerem mecanismos potenciais para os precursores da empatia e maneiras de traduzir comportamento de correspondência no compartilhar estados subjetivos. O trabalho de Ekman (1983) e Zajone (1985) mostra que combinar a própria expressão com a do outro está altamente correlacionado a combinar o padrão de excitação fisiológica. Ekman mostrou que uma expressão facial específica está associada a um padrão particular de atividade autônoma. Reproduzir a expressão de outra pessoa produz um estado fisiológico semelhante no observador. Este mecanismo de empatia é a combinação facial, que é correlacionada à combinação fisiológica. Este mecanismo de empatia pode ser igualmente relevante para as interações na terapia frente-a-frente com adultos”. (’97, pg 161).
Beebe (2003) é tanto humilde quanto otimista sobre a quantidade de processo implícito que pode ser conscientemente focado para melhorar a qualidade empática do nosso trabalho clínico. Beebe nos conta que aconteceu de ela ver-se a si mesma em uma sessão de uma cliente traumatizada, Dolores, gravada em fita de vídeo. Ela, Beebe, descobriu que faz muito do que Freedman e outros (’78) chamam de toque auto-regulador. Beebe explica:
“Eu sabia que esfregava as mãos uma na outra, particularmente quando doíam um pouco, mas não tinha consciência do quanto faço isto…é muito improvável que algum dia viesse a me dar conta desse comportamento, sem a ajuda da fita de vídeo. Estes comportamentos podem permanecer fora da consciência tanto do cliente quanto do analista, mas, ainda assim, são percebidos subliminarmente e funcionam como informação para ambos…Durante um episódio no tratamento de Dolores, quando senti que ela estava inacessível, comecei a esfregar meus pés um no outro. Reconheci isto como um gesto que usava na infância para conseguir adormecer à noite. Comentei com Dolores que notei que estivera esfregando meus pés um no outro. Dolores foi então capaz de se aproximar e observar que isto acontecera exatamente quando ela recusara uma interpretação consoladora que eu estava fazendo a ela, então eu havia me consolado assim. Gostei bastante de sua observação. Seguiu-se um momento muito íntimo no qual nos sentimos próximas e ela expressou arrependimento por ter sido inacessível”. (133)
Achei que o comportamento não-verbal de Beebe foi trazido à consciência focal de Dolores pelo comentário explícito de Beebe. Esta disposição de compartilhar explicitamente o que é normalmente informação íntima parece ter vibrado alguma corda empática em Dolores – empática ao mal-estar que estava causando em Beebe. Dolores então devolveu a Beebe um presente empático, de significado implícito e explicitamente expresso. Beebe (’03, no prelo) continua citando Karlen Lyons-Ruth, outra interessante pesquisadora da relação mãe-bebê que é membro do Grupo de Estudos do Processo de Mudança, de Boston. Lyons-Ruth criou o termo “conhecimento relacional implícito” (1998) para descrever melhor o que acontece no processo de empatia. Beebe conta-nos que:
“Devido ao fato de que o conhecimento relacional implícito acontece predominantemente fora da consciência, e raramente na atenção focada, Lyons-Ruth argumenta que muito das sutilezas e complexidades daquilo que o analista sabe nunca é colocado em palavras. É por esta razão que a observação das interações na fita de vídeo revelou muito sobre meu comportamento que, sem a fita, não poderia descrever, e também porque foi difícil achar uma linguagem para descrever estas interações”. (pg. 58)
Dolores, a cliente de Beebe, disse a ela que também obteve algo precioso por ter visto os vídeos:
“…Vendo o vídeo, Dolores descobriu que eu estava vendo o que ela mesma “transmitia” em seu rosto, ou “sentia” a respeito de si mesma, sem ser capaz de descrever verbalmente. Ver meu rosto vendo o dela, e escutando os sons que eu emitia respondendo aos dela, fez com que ficasse alerta à sua própria realidade afetiva interna… Dolores viu-se “vestindo” minhas expressões faciais enquanto assistia à fita de vídeo. “Assumindo” minhas expressões, Dolores tornou-se mais ciente afetivamente de sua própria experiência interna, através do feedback proprioceptivo de seu rosto,…assim como pelo feedback de sistemas variados de excitação fisiológica…”(pg. 49)
Então, em conclusão, não é fácil para Beebe dizer o que ela aprendeu explicitamente. O vídeo ajudou confrontando-a com o fato de ela estar bem pouco ciente do que estava fazendo quando estava com sua cliente. Beebe também disse que “muito do meu comportamento não-verbal com ela (Dolores) era baseado naquilo que as crianças pequenas haviam me ensinado” (pg 58). Beebe conclui que “Podemos ensinar a nós mesmos como observar essas interações não-verbais implícitas, simultaneamente em nós mesmos e em nossos clientes, expandindo nossa própria consciência e, quando for útil, a do cliente.” (pg 58). Como não sou professor, posso dizer o mesmo de forma mais simples. Nossos selfs explícito e implícito começam a cooperar um com o outro. Alguns de vocês, possivelmente muitos de vocês nesta conferência já fazem isto. Na verdade não se trata tanto de fazer algo, mas de aprender a estar de uma maneira diferente conosco mesmos e com os clientes. Não podemos olhar diretamente para o rosto de Deus, ou mesmo para o sol. Mas ficamos emocionados e tornamo-nos mais ressonantes quando um vislumbre explícito:
“Revela nossas vidas iluminadas pelo brilho difuso de um segundo sol que nunca se vê.(Lewis, Amini e Lannon, 2000b) (pg 111).
VI) Quais são as implicações para a bioenergética da recente pesquisa que coloca o processo não-verbal relacional implícito no centro de nosso (há algum termo mais adequado?) Empenho na terapia.
A) É tempo de nos sentirmos orgulhosos: A maioria de nós terapeutas de abordagem corporal nos sentimos corroborados e valorizados pela pesquisa empírica que enfatiza a enorme importância da codificação da experiência não-verbal e sensório-motora através da vida. Todos parecem estar descobrindo que a experiência dos primeiros poucos anos da vida, ou em qualquer idade, se foi traumática, pode ser acessada implicitamente no nível corporal. O significado está no ritmo, na música subjacente às palavras. Muitos de nós envergonhamo-nos bastante por praticar um tipo de terapia pretensamente agressiva, sexual e geralmente barulhenta. Nosso trabalho normalmente não tem sido aceito como uma abordagem séria e legítima. Talvez seja bem diferente no Brasil, mas na Europa e na América do Norte, uma terapia que valoriza o corpo tanto quanto a mente ou o espírito está à margem da nossa cultura.
Assim, concordo que é mais do que hora de sentirmo-nos orgulhosos de nosso legado. Concordo com Helen Resneck-Sannes em seu artigo recente no Jornal do IIBA (2002), que fomos treinados a estar cientes da tensão, forma, fluxo, som e calor do corpo; sua linguagem sensório-motora deve estar mais consciente em nós do que em nossos colegas de abordagens não-corporais.
De fato os casos clínicos no mesmo artigo estabelecem altos padrões para qualquer pessoa. A maneira cheia de nuances com a qual ela se sintoniza com a tolerância de seu cliente à estimulação, proximidade, modo preferido de comunicação, e com seus próprios indícios corporais, é de grande importância. Há material de um caso semelhante no excelente livro de Beebe e Lachmann (’02), citado acima. Eles também focam a atenção na intensidade, duração e ritmo de comportamentos do olhar e dos padrões de fala, e postura e orientação. No entanto, eles parecem muito mais limitados do que Helen e a maioria dos psicoterapeutas de abordagem somática, no que se refere à maior parte do que acontece do pescoço para baixo, que ainda é tabu.
B) Mas não tão orgulhosos: Embora pudesse parar aqui, deixe-me arrumar mais confusão, lançando um desafio para que não nos congratulemos tão depressa. Quanto à validade ou legitimidade do nosso trabalho, como é sentido pela comunidade mais abrangente, tenho três pontos sensíveis: primeiro, deixar que aqueles que dentre nós têm habilidade se esforcem, como enfatiza Christa Ventling (2002) no artigo do Jornal (2002) para trazer mais pesquisa empírica para nosso trabalho. Segundo, sejamos cuidadosos em como usamos palavras como “energia”, a qual definimos de uma maneira que contradiz as leis da Física, e, terceiro, minha opinião é que devemos todos, inclusive eu mesmo, ler a literatura e citá-la quando usamos o material de outras pessoas.
Voltando à maior questão da empatia… se eu realmente compreender que o processo explícito, consciente é a ponta do iceberg implícito (o centro da terra talvez seja uma metáfora mais calorosa do que o iceberg)……e que mensagens de coração a coração viajam em frações de segundos….então eu nunca sei de algo claramente por mais do que um minuto ou dois)….Não tenho escolha a não ser ficar pensando na questão (Maley,1995). Há um paradoxo profundo neste ponto. Precisamos perguntar o que fazemos e pelo que lutamos para validar empiricamente sua eficácia. É sensato esperar que nossos alunos de Bioenergética tenham uma explicação razoável para suas intervenções, uma explicação que possam especificar explicitamente. Ao mesmo tempo, os alunos precisam aprender que suas percepções e seus comportamentos estão sendo influenciados por um processo quase instantâneo que atua, em grande parte, fora do controle consciente, entre eles e seus clientes. Este é um processo que me torna humilde, depois de trinta e cinco anos de prática. Não pode ser assim fácil para um principiante que queira respostas para reprimir suas ansiedades. Helen Resneck-Sannes (2002) novamente consegue um tom de otimismo aqui: “Porque os terapeutas psicossomáticos são treinados para estarem cientes de seus processos corporais internos, o que é inconsciente para o analista, existe em um grau maior na consciência do analista treinado em Bioenergética.” (pg 115)
Estou menos certo que Helen sobre isto, por várias razões:
I) Primeiro, Helen mal havia nascido quando comecei minha carreira na Bioenergética, e sou um prisioneiro da perspectiva da minha geração. Por muitos anos a Análise Bioenergética foi ensinada como Psicologia focada em uma pessoa. Por exemplo, mostrem-me onde, em algum dos livros de Alexander, sua consciência de seu próprio processo corporal interno o ajuda a sentir a profundidade ou especificidade do problema corporal de seu cliente. Claro que aquilo que nos ensinaram e que experienciamos em nossas carreiras na Bioenergética varia de lugar para lugar, e cada um de nós tem modelos próprios e preferências inatas onde se apóia. É verdade que uma segunda e terceira geração de terapeutas e professores de Bioenergética trouxeram para o nosso trabalho uma psicologia mais focada em duas pessoas (Schindler 2002). Mas também é verdade que, enquanto falamos, nosso Instituto luta para integrar esta nova perspectiva relacional, sem perder o poder de nossa abordagem psicossomática.
II) Segundo, há apenas alguns anos, quando eu era membro do corpo docente (Faculty), na parte final de “supervisão” do programa de treinamento de Bioenergética, em que os alunos avançados praticavam “sessões” na frente do grupo, descobri que sob a pressão de ser observado e julgado, raro era o aluno que se sentia suficientemente seguro para sintonizar-se com o que estava sentindo sobre si mesmo, seu “cliente” e a interação. Ao invés disso, “subia” para a cabeça e tentava compreender o que fazer e, previsivelmente, o que “fazia” não era sintonizado/empático para seu cliente. Aqui, a novidade não é a respeito de que os alunos não podiam ficar com o processo momento a momento entre eles e seus “clientes”. A novidade é que a maioria de nós, mesmo depois de trinta anos, fazemos a mesma coisa que os alunos, todas as vezes que ficamos ameaçados pelo que nossos clientes trazem à terapia. O tipo de material primitivo, caótico, visceral (de revirar as entranhas), que não tem palavras e é liberado de maneira senso-motora na sala, tende a ser ameaçador para a maioria de nós. Para mim, o é.
III) Terceiro, o problema é até mais básico do que isto. Nós somos o problema. Vocês se esqueceram de que, como Bob Hilton (’88-89) disse uma vez, “todos fomos divididos”? Esqueceram-se de que, como nos relembra Michael Maley (’95), somos curadores feridos? Descobri que sempre que me comprometo a tentar ser um bom terapeuta e a capturar a interação viva em minha mente, tendo a perder o momento com meu cliente. Fazia isso freqüentemente há anos, muito tempo antes de eu descrever a síndrome do choque encefálico. Porém, mesmo então, meu conhecimento implícito tentou me ajudar com o choque em minha cabeça, choque este que não me deixava ter maior sintonia de corpo inteiro com meus clientes. Momentos após meu cliente sair do consultório, no mesmo instante, eu batia com a mão na testa e percebia que tinha perdido aquilo que era óbvio enquanto estava pensando.
Claro que precisamos também pensar e falar com nossos clientes. Às vezes temos que parar a ação instantânea e perceber o que houve entre nós e o cliente. Mas falo da ferida básica em nós, a qual limita nosso contato empático com nossos clientes. Com muitas variáveis, esta ferida tem a ver com não sermos seres humanos de valor, suficientemente bons. Assim, muitas vezes sem perceber, tentamos redimir este self partido sendo bons terapeutas. Podemos tentar nos tornar aqueles terapeutas implicitamente mais sintonizados com pistas sensório-motoras em nós mesmos, e em nossos clientes. Mas, se também lembrarmos que fomos divididos e que ainda estamos profundamente feridos, descobriremos, como na colocação tão bonita de Bob Hilton (2000), “…aquele pedaço de mim que havia se escondido atrás do meu método terapêutico de interação, qual seja, o valor do meu self real para o outro.” (pg 10)
Assim, apresentei anteriormente o caso em que senti seguro o suficiente no meu self carente para permitir que ele viesse para a sala com Paul, meu cliente inadequado, parecido comigo nesse ponto. De fato, geralmente sou visto como um terapeuta bastante bom nos meus casos. Mas não seria animador se eu fosse sincero e apresentasse uma série de acontecimentos em que a empatia falhou, ou pelo menos em que houve algumas rupturas e reparos? A mais recente pesquisa demonstra que, mesmo as mães e crianças que serão testadas depois como seguramente vinculadas, passam apenas aproximadamente um terço de seu tempo em estados combinados. No entanto, em dois segundos, 70% das condições não combinadas voltam a combinar, e tanto mães quanto crianças influenciam nesse ajuste! A neurobiologia implícita da criança organiza a expectativa de que ela possa participar na reparação das rupturas afetivamente dolorosas (Tronick e Cohn, ’89). Algo semelhante acontece também numa situação terapêutica com adultos quando as coisas funcionam bem.
Neste próximo caso, as coisas não funcionaram bem. O cliente apresentou-se com sintomas orais, peito magro e colapsado, respiração superficial. Você sugere que ele respire profundamente para dar-lhe carga maior na parte superior do corpo. Ele lhe diz que detestou a sugestão, que todas as vezes que tentou isto no passado, sentiu a cabeça muito leve, mas nada aconteceu… parece-lhe mecânico e manipulativo. Além disso, ele elabora: “minha respiração”, diz, “tem que vir de algo que esteja fazendo, algo que seja cheio de vida e genuíno. Vou respirar quando me sentir pronto a respirar, saco!” Sendo um terapeuta empático, você pára com as sugestões e pergunta ao cliente o que, para ele, pode ser “cheio de vida e genuíno”. Ele parece muito surpreso, a seguir cada vez mais tocado com o fato de que você está interessado nele o suficiente para suspender a questão da respiração no momento. Então, enquanto ele está deitado no stool e alguns minutos se passam em silêncio, você sente que a imobilidade dele é mortal… mal se percebe sua respiração………você sente seu próprio peito morto e, embora se sinta bastante assustado…você não se sente confortável com a morte…. você tolera a sensação de vazio e seu medo e nota que sua respiração tornou-se muito lenta e superficial…..vagarosamente, para seu espanto, seu pavor começa a diminuir e você sente até uma espécie de paz envolvendo-o…depois de algum tempo, seu cliente se volta para você e mal pode encontrar as palavras para lhe agradecer, ele diz, por sentir este grande prazer em sua apnéia (ausência de respiração).
Por acaso, posso lhes dizer o nome do cliente: Bob Lewis. O nome é real, mas a sessão é fictícia. É a sessão que Bob nunca teve. Ao deitar no stool de Bioenergética, Bob nunca teve coragem nem palavras para contar ao seu terapeuta de Bioenergética quão envergonhado ficava da imobilidade mortal de seu peito…. dizer-lhe que ele o odiava por não perceber suas necessidades, mas não podia dizer que sua chama interior era muito fraca. Que ele, Bob, não respiraria ou não conseguia respirar do lugar morto em seu peito, a não ser que seu terapeuta pudesse estar com ele no Vale das Sombras da Morte. As palavras que ele jamais encontrou eram: “Aproxime-se de mim com sua emoção… meu espírito despertará se você nutrir sua chama… e minha respiração virá de dentro.”)
Em meu último caso clínico sou o terapeuta, e parece que aprendi, depois de muitas rupturas que não foram reparadas, como estar com minha cliente Florence, de uma maneira que teria ajudado Bob Lewis e seu stool de Bioenergética. Florence não foi fácil para mim. Comumente, pareceria estarmos conversando em uma linguagem adulta, explícita, vinda do hemisfério esquerdo, mas eu me tornava confuso, perturbado e ansioso à medida que a sala ia sendo preenchida com uma fúria intensa, primal e visceral, dor e futilidade. Minha tentativa típica de me defender foi tentar recuperar meu equilíbrio via um rápido recuo ao meu hemisfério esquerdo, de onde apontaria, com uma voz ao mesmo tempo melancólica e irritada, que algo estava inconsistente, algo que não fazia sentido para mim nas palavras e sentimentos de Florence. Ela ficaria atônita com meu abandono da empatia, e as coisas piorariam além de qualquer reparação possível.
Entretanto, tanto eu como Florence padecemos de uma incansável esperança, por isso ainda estamos trabalhando juntos. Recentemente tivemos uma sessão que me sugeriu que pode haver uma base real para a esperança. Florence estava no meio de uma experiência profunda de luto em que nem eu, nem seu pai fomos capazes de lhe dar mais daquilo de que precisava. Talvez, mais importante ainda, ela precisasse ser capaz de gritar os imensos sentimentos de fúria e desapontamento e deixar seu corpo contorcer-se em “agonia”, como ela colocou mais tarde, sem ter de preocupar-se comigo. Assim, preciso ser capaz de sentir meu rosto tornar-se contorcido e tolerar o calor e o peso em minha cabeça e em meu peito. À medida que os sentimentos “agonizantes” de Florence por ter sido reprovada por mim e por seu pai ocupavam a sala, posso sentir o vazio, a tristeza e dor em meu peito (bastante oral) reconstruído, essencialmente o mesmo peito de Bob Lewis que estava no stool de Bioenergética há trinta e cinco anos. Uma ou duas vezes Florence disse “não fui tocada”. Ao escutar um grito particularmente primal de Florence e notar um leve som ressonante e dolorido provindo de mim, disse-lhe que não sei se tocá-la fisicamente seria uma necessidade minha ou dela. Não estou certo se meu toque interferiria na plenitude da experiência que ela teve de ter falhado. Florence me diz como é precioso para ela que eu compartilhe com ela meu não-saber. Depois de alguns minutos, decidi colocar minha mão em seu ombro esquerdo, perto do seu coração. Logo depois Florence afastou minha mão, indicando que isto não ajudava. Quando ela recomeçou o doloroso sofrimento, notei que meus dedos estavam entrelaçados em um gesto que me surpreendeu e, ao mesmo tempo, me confortou. O gesto parece muito forte. Minhas mãos juntas, em um ato de solidariedade, parecem estar me trazendo conforto e senso de unidade. Elas me contam como traz uma sensação de fragmentação ficar com a incapacidade de Florence de ser ajudada, e minha impotência em ajudar. Elas me asseguram que estou inteiro e digno, mesmo como um curador fracassado.
A sessão com Florence que acabei de partilhar com vocês, demonstra o uso implícito das minhas mãos para me auto-regular melhor (senti-me sintonizado através de minhas mãos), de modo a que eu possa manter um contato empático com minha cliente. Mas não entrelacei meus dedos das mãos intencionalmente. Essa pode ser a melhor maneira em que posso explicar empatia: de algum modo, mergulhando neste assunto nebuloso, minha consciência focal expandiu-se para incluir mais do meu comportamento implícito. Minha ressonância empática torna-se mais profunda e mais sábia quando me rendo à vergonha de não saber e de não enxergar claramente. Somente então eu – e todos nós, podemos sentir “o brilho intenso e difuso de um sol que nunca vemos”.
(Lewis, Amini, Lannon, 2000b) (P. 111).
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