A CRIANÇA ATERRORIZADA:
A Análise Bionergética enquanto Instrumento no Trabalho de Reconstrução de um Espaço Potencial.
Raquel Horie Pinto – SOBAB/SP
A demanda que vem ocorrendo atualmente na clínica com crianças, é da ordem de um medo tão intenso, de um terror subjacente as expressões, aos sentimentos, como se a vida estivesse sendo constantemente ameaçada.
Muitas vezes nos vêm encaminhadas por professores, ou o pediatra, porque para alguns pais a “negação” é a defesa instalada no seio familiar… servindo como uma rede de proteção à todos.
A sintomatologia apresentada pode ser variada, somatizadas em patologias que vão desde insônia, ou sono excessivo, hiperatividade (diagnóstico recorrente), déficit de atenção, enurese, encoprese, rejeição a alimentos, vômitos, tremores, choro excessivo, ou uma apatia total, isolamento, timidez, baixa imunidade, e outros sintomas físicos atrelados a um comportamento emocional alterado.
O que nos chama a atenção em algumas crianças, é que independente das queixas que nos são apresentadas por pais ou responsáveis , elas têm em comum a expressão do medo no olhar fugidio e desfocado, e uma palidez mórbida, como se estivesse em um estado de “susto permanente”.
Sabemos que na infância as construções defensivas não estão ainda totalmente estruturadas em um falso self adaptado, o que possibilita a exposição do sofrimento psíquico, com sua baixa carga energética, e principalmente uma tristeza que contraria qualquer ordem natural da condição de “ser criança”.
Crianças que experenciaram rupturas significativas no processo de transicionalidade, onde as extensões do eu e do não-eu ficaram esgarçadas, necessitam do estabelecimento de um vínculo seguro, para que através de experiências compartilhadas, a confiança básica possa emergir.
“Onde há confiança e fidedignidade há também um espaço potencial; espaço que pode tornar-se uma área infinita de separação, e o bebê, a criança, o adolescente e o adulto podem preenche-lo criativamente com o brincar, que com o tempo, se transforma na fruição da herança cultural” ( Winnicott – 1975, O brincar e a realidade, pg.143).
Muitos medos e terrores que se apresentam na 1ª infância, podem ter sua origem nas experiências extremamente negativas com os fenômenos e objetos fora do “si-mesmo onipotente” (estágio primordial), que por sua condição traumatizante não pode ser reparado e evoluído para a “frustração-gratificação”, separação-união”.
Um começo de vida sem as condições de um ambiente adaptado às necessidades básicas do bebê, determinará uma estruturação que comprometerá sua existência, obrigando-o a desenvolver um padrão de reações ao ambiente adverso, numa linha de submetimento que irá coibir seu gesto criativo no mundo. As defesas primitivas se organizam concomitantes a estrutura nascente do ego.
Sabendo-se de antemão que o trabalho com crianças não depende somente do aprendizado de novas técnicas, ou a padronização de procedimentos, é mister atentar-se ao fato de que, como ocorre em todo e qualquer trabalho psicoterápico a condicionalidade é o “ estar disponível”. Mas no que se refere às crianças, a disponibilidade deve ser entendida literalmente, um doar–se na relação, onde interagir pode significar despojar-se de condicionalidades.
Acabar uma sessão cheirando a fezes, urina, ou extenuada pelas brincadeiras, pode ser um dos requisitos no trabalho com crianças. Porisso, o terapeuta bioenergético deve estar atento às suas percepções, criando condições adequadas que visem tornar seu trabalho dignificante, com um mínimo de conforto, adaptando-se às situações inusitadas, com materiais, roupas adequadas, para que o trabalho seja o menos impactante para si mesmo, e o foco fique na qualidade do vínculo, da relação.
E a Análise Bioenergética como instrumental para o tratamento de crianças vitimizadas e/ou aterrorizadas possibilita um trabalho onde o “brincar” pode ir além da finalidade interpretativa, podendo intervir objetivamente na flexibilização de um self em processo de encouraçamento, possibilitando dentro de um “espaço potencial” seguro e adequado, a restauração da confiança básica na vida.
PARTE PRÁTICA – VIVÊNCIA
Objetivo: Estabelecer contato, promover integração, estimular
vínculos.
Procedimentos
Com som apropriado, pede-se aos participantes que tirem os sapatos (calçados) e deixem em um canto da sala. Depois seguindo a consigna todos devem caminhar pela sala (percepção de si mesmo e do grupo) com passos variados, de diferentes ritmos: câmera lenta, passos fortes, apressados, com medo, com raiva, andando nas nuvens,etc. Em seguida, parar de caminhar, e registrar sensações, sentindo os pés, o corpo, a respiração. Na seqüência pedir para os participantes que tragam seus sapatos para o centro da sala. Os sapatos serão misturados e o grupo fará uma grande roda ao redor da pilha de sapatos. Todos devem andar devagar observando todos os sapatos que ali estão procurando imaginar suas histórias. Ao sinal de parem, devem permanecer no lugar onde estão, aguardando a ordem de pegarem rapidamente dois pés de sapatos. Que não precisam ser necessariamente do mesmo par, podendo ser uma sandália com um sapato, ou um tênis com um chinelo, etc. O grupo senta-se em círculo e cada participante passa a se apresentar ao grupo dizendo o nome e lugar de origem, e qual a identificação ou não com o par de sapatos que apanhou, e como imagina que seja o dono desse calçado, deixando a imaginação rolar. Depois os donos do sapato se identificam, e seguem comentando sobre suas escolhas.
Nome: Raquel Horie Pinto
Email: raquelhorie@uol.com.br
Instituição: SOBAB/SP
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