11 – Título do trabalho
A MÚSICA DO CORPO
Cláudia Lelis
*Musicoterapeuta – Formada pela FAAP / Curitiba / PR / 1988
*Terapeuta Corporal pelo Instituto Neo-Reichiano Lúmen / RP / SP 1999
*Mestre em Psicologia pela USP / RP / SP2002
*Trainee em Análise Bioenergética pela Sociedade de Análise Bioenergética de Ribeirão Preto / SP
O poeta Hafiz conta uma lenda da Antiga Pérsia: “Deus fez uma estátua de barro à sua própria imagem e quis que essa estátua possuísse uma alma. Mas a alma recusou-se a ser aprisionada no corpo, pois é de sua natureza ser livre e voar à vontade. Então Deus pediu aos anjos que tocassem sua música. E a medida que os anjos tocavam, a alma ficou extasiada. Para poder sentir melhor a música e ouvi-la de perto, a alma entrou no corpo. A verdade porém é que a própria alma era o som e ela entrou no corpo para experimentar e ouvir a música da vida.”
O uso terapêutico da música é milenar. Nas tribos primitivas os curandeiros e pajés acreditavam que a doença era um mal espírito que habitava o corpo, e que para expulsar o mal espírito era preciso cantar e dançar em volta do doente até que ele melhorasse. A musicoterapia parte do princípio que o som é pré-verbal, e por isso pode atingir caminhos que a palavra não alcança. Os instrumentos musicais foram criados pelo homem por uma necessidade de se expressar e se comunicar, depois que veio o objetivo estético, artístico e terapêutico. Cada instrumento carrega a sua história e seu simbolismo, assim como cada corpo, cada pessoa carrega a sua história sonoro-emocional.
O instrumento musical mais importante que temos é a voz (e o corpo!), pois “o som resultante do ato expressivo funciona como espelho do interior. Recuperar nossos sons é recuperar nossos corpos” ( Fregtman).
Citando Ken Bruscia, “fazer e criar música possibilitam oportunidades de auto-expressão em diversos níveis. No nível mais primitivo, ela nos permite expressar nossos corpos através do som, vibrar e ressoar suas várias partes de forma a poderem ser ouvidas. Quando cantamos ou tocamos instrumentos, liberamos nossa energia interna para o mundo externo, fazemos nosso corpo soar, damos forma a nossos impulsos, destilamos nossas emoções em formas sonoras descritivas”. As músicas e os sons que cantamos funcionam como amplificadores externos de nossos sentimentos, sensações e expressões.
Numa perspectiva Reichiana, temos anéis de tensão ao longo do corpo que causam bloqueios na nossa percepção de sensações, sentimentos, auto-expressão e ação. Esses bloqueios vão se instalando no corpo através da freqüência e intensidade de traumas sofridos, desde o nascimento, passando pela infância e adolescência, até revelar o que somos na vida adulta. Podemos dizer que nossos sons geralmente são reprimidos por estas tensões musculares que impedem sua plena expressão e realização. “Toda rigidez muscular contém a história e a significação de sua origem. A sua dissolução não apenas libera a energia, como também traz a memória até a mesma situação em que ocorreu a repressão” (Reich, em A função do orgasmo).
Integrar a música e o som a terapia é integrar o corpo, porque a música é feita, dita, pensada, tocada e cantada como manifestação corporal. E é buscar o corpo, os seus gestos, posturas e estilos como engrenagem da história do indivíduo, isto é, da história da sua família, do seu setor social, de sua cultura. Mergulhar no corpo leva necessariamente à relação do corpo com o corpo do outro, desenvolvendo um plano de encontro. É necessário que o som coincida com a emoção. Ao estar carregada emotivamente a vibração sonora adquire um dinamismo e uma compreensão esclarecedora. Os sons desprovidos de emoção são vazios e sem valor. (Fregtman)
Quando um corpo vibrante emite som, há energia posta em movimento. Ele emite energia. Os corpos e os instrumentos musicais constituem emissores de energia. A voz, o som da pessoa revela sua história corporal, emocional, cultural, espiritual. Quando o som de uma pessoa está conectado com sua emoção podemos sentir seu colorido, sua vibração, sua energia.
Segundo Fregtman, assim como um toque, uma pressão ou uma massagem pode servir como primeira fenda numa armadura cacterológica, é possível pressionar um indivíduo com um ” toque sonoro “, a liberar suas emoções, o movimento e a expressão. Cada som ou vibração energética possuiu uma altura ou freqüência determinada e, portanto, ressoa numa determinada zona de nosso corpo, podendo chegar a dissolver tensões e bloqueios corporais e facilitar o fluxo de energia.
Para que a pessoa recupere seu potencial criativo e de auto-expressão é preciso que ela recupere o uso pleno da voz, com todo seu colorido e extensão o que significa resgatar seu sentimentos e sua espontaneidade.
A flexibilização destas tensões, no processo Musicoterapêutico Corporal, se dá através do resgate da respiração, do resgate da auto-expressão sonora e corporal, através do cantar, do brincar com as dinâmicas e ritmos da voz, através da emissão de sons de ronronar, sons guturais, sons primitivos, expressões de raiva, de medo, de desespero, de tristeza, de alegria, do choro, da gargalhada, numa tentativa de entrar em contato com a essência que todos somos, a essência da criança e do bebê que fomos um dia, livres em nossos corações.
Marly Chagas enfatiza a emissão vocal como importante recurso terapêutico, pois a vibração da voz faz vibrar o corpo, é uma massagem vibratória a partir da própria pessoa, de dentro pra fora, ajudando a desbloquear estes anéis de tensão.
Conhecer e experimentar as dinâmicas sonoro-corporais no processo Musicoterapêutico Neoreichiano, é uma fonte de conhecimento importante para relação do ser com seu corpo e seus movimentos, para restauração da espontaneidade, para restauração do ser que está buscando a sua essência, resgatando suas potencialidades, buscando uma maior integração entre seus sentimentos e ações, conhecendo os seus limites, aceitando-os e podendo transformá-los. Não devem existir dualidades, subdivisões, mente e corpo, corpo e voz, e sim sentimentos, ações e reações que envolvem nosso organismo como um todo.
Fregtman cita o que está escrito no Memorial da Música Chinesa: …” se se produz uma nota, foi no coração humano que ela nasceu… o coração excita a música, a música excita o coração. A música colorida de motilidade que expressa o próprio ser. Movida a partir das raízes da emoção.
Referências Bibliográficas:
BRUSCIA, Kenneth. Definindo Musicoterapia. Rio de Janeiro.Enelivros, 2000.
CHAGAS, M. Musicoterapia e Psicoterapia Corporal. In: Revista Brasileira de Musicoterapia. Rio de Janeiro. Ano II, número 3, 1997.
FREGTMAN, C.D. Corpo, Música e Terapia. São Paulo. Cultrix, 1990.
GAYOTTO, L.H. Voz, partitura da ação. São Paulo. Summus, 1997.
LOWEN, A. Bioenergética. São Paulo. Summus, 1982.